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1.1. Mercados Transnacionais Ilícitos

1.1.1 Epidemia de consumo

A consolidação do mercado ilícito das armas sobras de guerra contou como braço forte da expertise do mercado de estupefacientes, cuja cadeia já estava em expansão contínua e necessitava de instrumentos para a defesa dos negócios, as disputas de território e o en- frentamento do equipamento de segurança dos estados (Misha, 2008; Bartolome, 2009; Oliveira e Martins, 2014).

Não só o lucro dos MTI das drogas viabilizou os outros mercados, mas também a sua estrutura de cadeias globais foi utilizada para viabilizar, de forma competente, os demais MTI. Até o processo de expansão dos mercados globais, apenas o MTI de drogas era realmente transnacional, desde pe- lo menos a década de 1960, pois as culturas das quais derivam as principais drogas (cannabis- maconha, coca-cocaína e crack; e papoula-ópio, morfina e heroína) somente são cultiváveis em biomas específicos (…). Assim, desde o primeiro momento, os operadores do MTI de drogas aprenderam a operacionalizar cadeias de produção, logística e financiamento, em nível global. Além de dominar o know how “químico” de produção das drogas e a expertise de network para operacionalizar cadeias criminais, os operadores precisavam estabelecer algum nível de domínio territorial sobre as áreas de cultivo, estocagem e negociação. Com isso, a partir dos anos de 1990, o MTI de drogas deu suporte para a expansão dos demais MTI, passando a fornecer narcóticos e alucinógenos por preços acessíveis a qualquer consumidor mediano (…). Na medida em que a epidemia de consumo ampliou exponencialmente a demanda, tais áreas precisaram também ser ampliadas e protegidas, o que exigia a posse de mais e melhores armas (como pistolas, fuzis e ex- plosivos) em quantidade suficiente para intimidar o Estado (polícia e forças armadas) e dissuadir os concorrentes (Oliveira e Martins, 2014, p.15).

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Dados do Instituto Internacional de Pesquisas da Paz (dados de 2018 disponíveis em:

https://www.sipri.org/media/press-release/2019/global-arms-trade-usa-increases-dominance-arms-flows- middle-east-surge-says-sipri).

A partir da década de 1990, a demanda por drogas resulta de uma epidemia de consumo, fundamental para a expansão do mercado (Oliveira e Martins, 2014) que vive uma curva ascendente verificada nos anos 2000. Projeção do UNODOC (Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime) aponta que um a cada 20 adultos na faixa etária de 15 a 64 anos de idade fez uso recreativo de produtos ilícitos de origem vegetal, estimulantes sin- téticos e substâncias psicoativas (medicamentos controlados) em todo o mundo em 201519. A projeção de uso é elástica20, indicando que entre 158 milhões e 350 milhões de pessoas consumiram substâncias ilícitas. Significa dizer que entre 3% a 7% da população mundial são considerados consumidores de alto risco. A expansão do tráfico de drogas permitiu a 5% da população global entre 15 e 64 anos, ou seja, 243 milhões de pessoas, a utilização de algum tipo de entorpecente em 2014. Há dez anos, a estimativa era de que 185 milhões de pessoas ou 3% da população mundial consumia drogas ilícitas. A deman- da indica um mercado rentável, gerando lucros anuais estimados em US$ 320 bilhões aos atores envolvidos, superando o comércio de falsificações, com rentabilidade anual de US$ 250 milhões e o de seres humanos, na casa dos US$ 32 milhões (UNODOC, 2010, 2012, 2018; Figueiroa, 2017).

Espetacular crescimento do MTI de drogas ocorreu através do aumento da demanda, deslocando a curva de demanda para a direita, primeiro nos países ricos, em razão da popularização das drogas (mudança das “preferências” e no “número de consumidores”), nas décadas de 1960 e 1970, de- pois nas economias emergentes dos anos 1980 e 1990, especialmente na América Latina (dada a mudança na renda, nas preferências e no número de consumidores). O resultado foi mais drogas disponíveis, com preço maior, aumentando a margem de lucro dos traficantes, ampliando assim as cadeias de produção, logística e financiamento (Oliveira e Martins, 2014, p.14).

A despeito da proibição, esse é um mercado emergente e de elevada demanda. Integrado por suporte de cultivo, fabricação, transporte, distribuição e comércio final de substâncias sujeitas às leis de proibição de drogas (Rolles, 2016; UNODOC, 2018). A cannabis21 é a

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20 Tamanha diferença nos dados resulta do método utilizado pelo UNODOC, que elabora os relatórios de

consumo a partir de pesquisas e inquéritos dos estados membros da ONU (Organização das Nações Uni- das). Há estados membros que não realizam pesquisas e inquéritos e outros apenas o fazem em períodos de três ou cinco anos. Essa situação é verificada, em especial, na Ásia e na África. Além da falta de precisão dos dados gerais, não são informados os usuários eventuais e os considerados policonsumidores, aqueles que lançam mão de uma ou mais substâncias concomitantemente. Para estimar a abrangência de consumi- dores e definir as políticas de combate, controle e tratamento, o UNODOC compara dados a longo prazo.

21 “A cannabis foi uma das primeiras plantas cultivadas pelo homem, aplicada para fins medicinais, recrea-

tivos e espirituais. A planta do cânhamo, cannabis sativa, das regiões temperadas e tropicais, foi utilizada 12.000 atrás como fonte de fibras para o fabrico de tecidos e cordoaria a partir do seu caule, dada a grande resistência”, José António Curral Ribeiro, UFP, 2014. É difícil conhecer a magnitude da produção

substância classificada como ilícita mais utilizada em todo o mundo e está na vanguarda da discussão sobre a face atual do proibicionismo (Rolles, 2016; UNODOC, 2018).

Estima-se que entre 128 milhões e 238 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos consumam esta substância anualmente (a prevalência estimada varia entre 2,7% e 4,9% da população adulta). As sub-regiões com maior prevalência anual de consumo de cannabis do que se refere à porcentagem da população foram, mais uma vez, a África Oeste e Central, América do Norte e Oceania. Foi re- latado que, desde 2010, o consumo de cannabis, especialmente entre jovens, estabilizaram-se ou declinaram em países com mercados para cannabis estabelecida, como na Europa Ocidental e Central, América do Norte e partes da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), mas esta tendência foi compensada pelo aumento do consumo em países da África e da Ásia. Embora tenha sido relatado que na Europa Ocidental e Central, o uso de cannabis continua a estabilizar em níveis altos, na América, África e Ásia aumentou consideravelmente (UNODOC, 2018).

Em segundo lugar na preferência do consumo estão as anfetaminas e metanfetaminas22. Ao menos 35 milhões de pessoas de 15 a 64 anos de idade fizeram uso de heroína e ópio em 201523, segundo o UNODOC (2018). Já a substância sintética conhecida como ecs- tasy24 foi utilizada por grupos que podem variar de 9,3 a 34 milhões de consumidores em 2015. Na Europa Ocidental e Central e no Oriente Próximo e no Oriente Médio, a prefe-

ambientes diversos. Também é variável a escala de produção, desde plantas individuais, para consumo próprio, a extensos campos de cultivo, galpões ou florestas em todo o mundo. Derivada da maconha, a resina de cannabis é processada, principalmente, Afeganistão e Marrocos e outros países do norte da África (Secreção obtida por meio da pressão à folha e floração de cannabis. Consumida sob a forma de chá ou fumo (UNODOC, 2016; p.3).

22 Os dados indicam que metanfetametaminas são preferência de consumo de 0,6% a 0,9% da população

mundial. A demanda é elevada na Ásia, leste e sudeste da Europa. A estimativa do UNODOC (2018) é de que 37 milhões de pessoas em todo o mundo fazem uso dessas substâncias. A maioria dos consumidores está na América do Norte, onde quase 2% da população adulta fez uso dos produtos em 2015. As metanfe- taminas têm preferência dos consumidores da Oceania (2,4% dos habitantes); pelo América do Norte (0,9%) e Europa (0,7%). A esse produto é observado um tipo de comportamento específico, de uso em convívios e festas noturnas de jovens. Houve declínio da preferência ao ecstasy entre 2007 e 2012 e, partir de então, aumento do consumo (UNODOC, 2018).

23 Nesse período é percebido aumento do consumo de opiáceos fármacos distribuídos de maneira ilícita na

Europa central e ocidental. A maior parte da produção mundial de papoula de ópio está em campos do Afeganistão e Mianmar, com 80 e 95% do total. O acompanhamento do UNODOC aponta que o cultivo de papoula é variável. No período de 2009 a 2014, era registrado aumento anual do plantio. A área diminuiu em 2015 e, em 2016 voltou a cair. Em 2017, a papoula foi distribuída em 304.800 hectares. A área de plan- tio de papoula no Afeganistão estava presente em 24 das 34 províncias em 2017. Um ano antes, 13 provín- cias estavam isentas do cultivo da planta. A produção de ópio no Afeganistão chegou a 9 mil toneladas em 2017. O montante é 87% maior que as 4,8 mil toneladas do ano anterior. Entre as explicações para o au- mento da produção estão a ampliação da área cultivada e melhores resultados de produtividade. Além do Afeganistão sudeste da Ásia, também são encontradas áreas de plantio de papoula no México, Colôm- bia, Equador e Guatemala. O rendimento médio passou de 23,8 kg/ha em 2016 para 27,3 kg/ha em 2047. Este foi o segundo aumento consecutivo no rendimento médio anual, o nível observado em 2017 e ainda consideravelmente inferior ao alcançado em 2012 (UNODOC, 2018).

rência é pelo captagon25, cujo consumo também foi verificado na América do Norte, Austrália e Norte da Ásia a partir de 2010. Também foi observado que no período de 2010 e 2017, o abuso de medicamentos passou ser considerado um problema de saúde, induzindo à dependência e overdoses fatais26.

Está na América do Norte e do Sul a maior quantidade de consumidores de cocaína (Kopp, 2010; Fraga, 2014; SENAD, 2015; UNODOC, 2017, 2018). Em todo o mundo, entre 13 milhões e 22,8 milhões de pessoas usaram cocaína em 2015. A tendência de consumo da substância oscila. O UNODOC (2018) apontada estabilidade do consumo na América Central, Sul e na Europa, em 2010 e aumento do uso em 2011 e 2012. Problema é o trânsito da mercadoria. No caso da cocaína, que é feita de parte da América Latina27. O principal centro de para o processamento de coca para a forma de pasta base de cocaí- na está na Bolívia. O processamento, porém, está descentralizado, com atividades regis- tradas em 2016 também na Argentina, em Honduras, no Paraguai, na Venezuela, no Ca- nadá, na Espanha, na Grécia e na China (Hong Kong) 28.

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Captagon “era o nome comercial de uma preparação farmacêutica contendo fenetilina, um estimulante sintético. É a forma como os comprimindos de anfetaminas são tipicamente rotulados no Oriente Próximo e no Oriente Médio (fonte: UNODOC, 2017. Consultar Cf.:

https://www.unodc.org/wdr2017/field/Booklet_4_ATSNPS.pdf).

26 Polissumptiomistas, opioides sintéticos, benzodiazepínicos e estimulantes do sistema nervoso central. 27 Fica na Bolívia, Colômbia e Peru a maior superfície de cultivo de coca do mundo. Juntos, os três países

acumulavam 213 mil hectares de plantio de coca em 2016. O montante é 36% maior que o ano anterior, quando foram registrados 156,5 mil hectares da planta. O UNODOC aponta que, naquele ano, a área de cultivo foi a maior desde o ano 2000. A justificativa para o crescimento está, principalmente, na retomada do cultivo na Colômbia, onde as áreas foram ampliadas em 52%. A situação da Colômbia merece destaque no relatório devido à acelerada ampliação do plantio de coca. Os dados do governo daquele país ao UNO- DOC apontaram que em 2013, havia 48 mil hectares de plantio da planta no território colombiano. Em 2016, já havia 146 mil hectares de plantio. O crescimento do plantio não é a única justificativa para o au- mento da oferta de coca. O relatório do UNODOC destaca a melhoria dos níveis de produtividade por hectare com a aplicação de técnicas que equalizam melhor desempenho da planta em menor área. O poten- cial da produção passou de 290 toneladas em 2013 para 866 em 2016.

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Nos dados é destacado o maior fechamento de laboratórios de processamento de coca para extração da pasta base de cocaína na Colômbia. Em dois anos, a quantidade de laboratórios encerrados cresceu 112,38%, passando de 2.172 em 2014 para 4.613 em 2016.