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O diário presente em Los Detectives Salvajes ou “anotações sobre mexicanos perdidos no México”

3. Os personagens-escritores de Bolaño e Vila-Matas

3.1. Que escritores somos nós? Juventude e comunidade literária em Roberto Bolaño

3.1.4. O diário presente em Los Detectives Salvajes ou “anotações sobre mexicanos perdidos no México”

O diário de Juan García Madero apresentado na primeira e terceira parte de

Los Detectives Salvajes (1998) restringe-se ao relato de pouco mais de três meses,

correspondentes ao período em que o narrador, na ocasião com 17 anos, fez parte do

Real Visceralismo: de 2 de novembro de 1975 a 15 de fevereiro de 1976. Ao contrário

do escritor bem-sucedido que dá voz ao diário presente em El mal de Montano (2002),

de Enrique Vila-Matas, os relatos de García Madero dão a conhecer um jovem

universitário aspirante a poeta, imerso em uma fase de descobertas. Imaturo e ingênuo

não apenas em aspectos pessoais, mas também “virgem de literatura”, o personagem vê

no Movimento Real Visceralista a oportunidade de pertencimento a um grupo,

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Detectives Salvajes, nota-se que a segunda (e maior parte) do romance, composta por

mais de quarenta depoimentos acerca de Arturo Belano e Ulises Lima, e encarada à

primeira vista com estranheza pelo leitor devido à interrupção brusca do diário, forma-

se, precisamente, de episódios e informações não registradas nas anotações de García

Madero, seja pela posterioridade temporal dos fatos registrados nesse capítulo (se

comparado à datação do diário do personagem), seja pelo desconhecimento do narrador

de fatos ocorridos ainda no período em que fizera parte do Movimento.

O primeiro episódio registrado no diário refere-se à visita de Arturo Belano

e Ulises Lima ao taller de poesía dirigido pelo personagem Julio César Álamo, na

Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Nacional Autônoma do México,

momento em que García Madero conhece os fundadores do Real Visceralismo e torna-

se mais um dos jovens recrutados pelo Movimento. Nota-se em seu relato o desconforto

causado por tal visita, motivo pelo qual a inicial postura diplomática de Álamo não

tardara a dar lugar a um recíproco afrontamento: “Los real visceralistas pusieron en

entredicho el sistema crítico que manejaba Álamo; éste, a su vez, trató a los real

visceralistas de surrealistas de pacotilla y de falsos marxistas” (BOLAÑO, 1998, p. 15).

Partindo em defesa de Belano e Lima, García Madero, que até então não conhecia os

dois poetas, decide confrontar o diretor do taller com mais uma de suas frequentes

perguntas sobre poesia:

En ese momento decidí poner mi grano de arena y acusé a Álamo de no tener idea de lo que era un rispetto; paladinamente los real visceralistas reconocieron que ellos tampoco sabían lo que era pero mi observación les pareció pertinente y así lo expresaron; uno de ellos me preguntó qué edad tenía, yo dije que diecisiete años e intenté explicar una vez más lo que era un rispetto; Álamo estaba rojo de rabia; los miembros del taller me acusaron de pedante (uno dijo que yo era un academicista) (ibid., p. 16).

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A tensão associada à referida ocasião condiz com a descrição atribuída pelo

narrador ao taller de Álamo: tratava-se de um ambiente inóspito, sem margem para

amizades, marcado pelas críticas severas e gratuitas constantemente dirigidas por seu

diretor aos poemas dos frequentadores. Para além de certa antipatia, García Madero

pauta-se precisamente na suposta carência de conhecimentos técnicos/teóricos sobre

poesia por vezes revelada por Álamo para desqualificar os apontamentos e as

apreciações literárias do diretor:

Por otra parte no puedo decir que Álamo fuera un buen crítico, aunque siempre hablaba de la crítica. Ahora creo que hablaba por hablar. Sabía lo que era una perífrasis, no muy bien, pero lo sabía. No sabía, sin embargo, lo que era una pentapodia (que, como todo el mundo sabe, en la métrica clásica es un sistema de cinco pies), tampoco sabía lo que era un nicárqueo (que es un verso parecido al falecio), ni lo que era un tetrástico (que es una estrofa de cuatro versos) (BOLAÑO, 1998, p. 14).

A partir do embate desencadeado pela presença dos real visceralistas,

García Madero troca as idas ao taller de poesía de Álamo por encontros, nem sempre de

caráter literário, com os jovens que conhece em decorrência de sua entrada no

Movimento de Belano e Lima. Ainda que em Los Detectives Salvajes a rememoração do

ambiente dos talleres literarios restrinja-se a essa passagem do romance, ela dá a

conhecer importantes aspectos da personalidade de García Madero, além de colocar em

relevo algumas das diferenças estabelecidas entre este romance e Estrella Distante

(1996a).

Em termos gerais, a postura adotada pelo narrador frente a Álamo revela

uma visão de literatura pautada mais em uma valorização da teoria literária do que na

experiência de leitura propriamente dita. Trata-se de uma atitude que, mais do que

inconveniente, dá início ao retrato de um aspirante a poeta veemente ingênuo, autor de

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sobre a vida e sobre a literatura. Dividindo-se entre sua tendência à normatização e seus

impulsos juvenis, García Madero expressa ora um incômodo pela ausência de regras

que validassem a sua inclusão no Movimento  motivo pelo qual ele passa a registrar os títulos dos livros usualmente carregados pelos real visceralistas, na tentativa de

estabelecer um elo comum através das leituras; “Más tarde encontramos con Ernesto

San Epifanio, que también llevaba tres libros. Le pedí que me los dejara anotar”

(BOLAÑO, 1998, p. 29) , ora uma satisfação plena ocasionada pelo simples sentimento de pertença: “Hablamos de poesía. Nadie ha leído ningún poema mío y sin

embargo todos me tratan como a un real visceralista más. ¡La camaradería es

espontánea y magnífica!” (ibid., p. 29).

A contextualização histórica que Liliana Heker (1993) faz em torno da

função e do lugar ocupado por talleres literarios na Argentina de 70 e 80 fornece alguns

subsídios para se pensar a presença desses espaços nas narrativas de Bolaño. Heker

rememora que no final de sessenta e início de setenta a Argentina encontrava-se

propícia a criações/publicações, devido, fundamentalmente, à grande proliferação de

revistas literárias e pelo aumento do interesse das editoras pela literatura nacional, a

qual passa a ser encarada como um “bom negócio”. Com o Golpe de 1976, decreta-se o

fim desse até então ambiente favorável, momento em que os talleres transformam-se em

uma espécie de refúgio para dois perfis de escritores: de um lado, os aspirantes, que

“navegaban en una nebulosa, totalmente solitarios y desorientados” (HEKER, 1993:

189), e, de outro, escritores já amadurecidos que buscavam, em meio à crise econômica,

formas alternativas de sobreviver de seu ofício. Nesse contexto, os talleres enquanto

locais de propagação da cultura multiplicam-se quase que clandestinamente, afirmando-

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Acerca dos romances de Bolaño aqui analisados, não é possível falar de um

retrato fiel do quadro descrito por Liliana Heker, haja vista em Estrella Distante, por

exemplo, o Golpe militar contribuir para o fim dos talleres literarios e não para a sua

proliferação. Porém, ainda que imune à opressão e à censura do contexto ditatorial, é

possível relacionar a figura encenada por García Madero aos jovens que recorriam a

esses encontros literários por sentirem-se desorientados, jovens que não sabiam como

conectar-se com seus pares. Trata-se de um personagem-escritor que vê no acesso a um

grupo o caminho para a construção de sua própria identidade literária.

Como bem assinala Heker, não apenas os talleres configuravam-se espaços

de trocas entre os jovens escritores, mas também os cafés, antes do Golpe de 70,

afirmavam-se como um frequente ponto de encontro. Não é de se estranhar, então, que o

contexto no qual Bolaño insere Los Detectives Salvajes  no México de 70, um país que se inseria definitivamente na globalização , essas seletas reuniões literárias deem lugar à vida boemia, onde cafés e bares tornam-se ponto de referência para se encontrar

poetas. Diferentemente dos jovens poetas de Estrella Distante (1996a), que, assim como

todos os escritores que vivenciaram a ditadura na América Latina, viram-se obrigados a

repensar suas atividades, a revisar os vínculos entre literatura e política (AGUILAR,

2008, p. 127), os personagens-escritores de Los Detectives Salvajes (1998) parecem

assumir que “la legitimidad de la labor simbólica del escritor depende enteramente de su

actividade vital” (COBAS CARRAL & GARIBOTTO, 2008, p. 169), ecoando, com

grande dose de utopia, o indissociável vínculo entre arte e vida postulado pelas

vanguardas.

Em relação aos relatos de García Madero, essa indistinção entre vida

boemia e atividade literária, essa falta de um lugar (em seus diversos sentidos) para os

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conduz o leitor do romance a uma constante dúvida quanto à precisão de seus

apontamentos, devido, por exemplo, a afirmações como: “Precisamente una de las

premisas para escribir poesía preconizadas por el realismo visceral, si mal no recuerdo

(aunque la verdad es que no pondría la mano en el fuego), era la desconexión transitória

con cierto tipo de realidad” (BOLAÑO, 1998, p. 19-20).

En efecto, el único texto que aparece en la novela producido por un miembro del grupo – el diario de García Madero – pertenece a un personaje que apenas puede dar cuenta de las líneas básicas del movimiento, que participa periféricamente de sus aventuras y que, en rigor, jamás tiene la certeza de su identidad como realvisceralista. Rastrear la concepción poética del movimiento se vuelve así una tarea difícil, llena de núcleos que quedan sin resolución: el relato de García Madero se construye a partir de una mirada marginal por la que se cuelan oblicuamente ciertas pistas en torno del realvisceralismo (COBAS CARRAL & GARIBOTTO, 2008, p. 168).

É curioso observar que uma das maiores consequências trazidas por esta

“mirada marginal” que Cobas Carral e Garibotto atribuem à narração de García Madero

é o excesso de registros sobre sua iniciação sexual em detrimento de reflexões mais

aprofundadas a respeito de sua iniciação literária. Se por um lado o abandono do curso

de Direito servira para que o narrador passasse a ler e a escrever mais e livremente  “Hoy no fui a la universidad. He pasado todo el día encerrado en mi habitación

escribiendo poemas” (BOLAÑO, 1998, p. 18) , de outro se verifica um maior interesse pelas novas experiências proporcionadas pela boemia: “Esta mañana he

deambulado por los alrededores de la Villa pensando en mi vida. El futuro no se

presenta muy brillante, máxime si continúo faltando a clases. Sin embargo lo que me

preocupa de verdad es mi educación sexual” (ibid., p. 23).

Entre os relacionamentos “amorosos” de García Madero, destaca-se

principalmente a sua relação com Rosario, funcionária do “Encrucijada Veracruzana”

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envolvimento com a jovem poetisa e pintora María Font, cuja casa também servia de

espaço para as reuniões do grupo. Nota-se que as diferentes profissões e condições

sociais (e intelectuais) experimentadas pelas personagens acabam por definir o tipo de

relação que o narrador estabelece com cada uma delas. Com Rosario, observa-se um

relacionamento de caráter essencialmente sexual, marcado por certo comodismo por

parte do personagem, que, no desenrolar da relação, chega a ser sustentado e cuidado

por ela:

Hoy he ido a la oficina de mi tío y se lo he dicho:

—Tío —le dije—, estoy viviendo con una mujer. Por eso no voy a dormir a casa. Pero ni usted ni mi tía se tienen que preocupar porque sigo yendo a la facultad y pienso sacar la carrera. Por lo demás estoy muy bien. Desayuno bien. Como dos veces al día.

Mi tío me miró sin levantarse de su escritorio.

— ¿Con qué dinero piensas vivir? ¿Has encontrado trabajo o te mantiene ella?

Le contesté que aún no lo sabía y que de momento, en efecto, era Rosario la que pagaba mis gastos, por lo demás muy frugales (BOLAÑO, 1998, p. 100).

Sin novedad. La vida parece haberse detenido. Todos los días hago el amor con Rosario. Cuando ella se va a trabajar, escribo y leo. Por las noches salgo a dar vueltas por los bares de Bucareli. A veces me paso por el Encrucijada y las meseras me atienden el primero. A las cuatro de la mañana vuelve Rosario (cuando tiene el turno de noche) y comemos algo ligero en nuestro cuarto, generalmente cosas que ella ya trae preparadas del bar. Luego hacemos el amor hasta que ella se duerme y yo me pongo a escribir (ibid., p. 116).

Contrariamente à María Font, o interesse de Rosario por García Madero

advém de sua condição de poeta, ainda que a garçonete assuma-se incapaz de entender

os poemas do narrador. Não se importando com a qualidade ou com o conteúdo de seus

textos, Rosario e suas colegas de trabalho encaram o ofício de escritor como uma

profissão de prestígio social, com grande potencial para o sucesso:

Echamos a andar en dirección a Reforma. Rosario me tomó del brazo al cruzar la primera calle y ya no me soltó.

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—Quiero ser como tu mamá —dijo—, pero no me malinterpretes, yo no soy una puta como la Brígida esa, yo quiero ayudarte, tratarte bien, quiero estar contigo cuando seas famoso, mi vida.

Esta mujer debe estar loca, pensé, pero no dije nada, me limité a sonreír (BOLAÑO, 1998, p. 89).

Después de acompañar a Rosario hasta las puertas del Encrucijada Veracruzana (todas las meseras, incluida Brígida, me saludan efusivamente, como si me hubiera convertido en alguien del gremio o de la familia, todas convencidas de que llegaré a ser alguien importante en la literatura mexicana), mis pasos me llevaron sin un plan preconcebido hasta Río de la Loza, hasta el hotel La Media Luna, en donde se hospeda Lupe (ibid., p. 104-105).

Embora o relacionamento com Rosario configure-se o compromisso mais

concreto vivido pelo personagem, as anotações de seu diário põem constantemente em

relevo seus sentimentos por María Font. Descrita muitas vezes como “hostil” e

“indiferente”, a jovem artista assume uma postura mais independente do que a de

Rosario, optando por manter com o narrador uma amizade marcada pelo sexo casual.

Sendo também poeta e conhecedora de literatura, a personagem enxerga em García

Madero apenas mais um aspirante a escritor inserido em seu círculo social, afastando-se,

portanto, da ideia romantizada (e ingênua) de Rosario sobre os poetas. Percebe-se que

esses aspectos da personalidade de María Font contribuem para que o jovem sinta-se

inseguro em sua presença, o que, por sua vez, o aproxima de Rosario.

Sobre as personagens femininas de Bolaño que perpassam os dois romances

aqui analisados, vale mencionar a similaridade entre os papéis de María Font e de sua

irmã Angélica e o das irmãs gêmeas Verónica e Angélica Garmendia de Estrella

Distante (1996a) no que concerne ao retrato da sexualidade, dos desejos e da

imaturidade dos jovens poetas que perpassam as duas histórias. Nota-se, a título de

comparação, que a falta de malícia e o rápido encantamento das Garmendia por Alberto

Ruiz-Tagle em Estrella Distante dialoga com o ambiente dúbio e obscuro do Chile pré-

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por muitos jovens nesse contexto, enquanto que as artistas de Los Detectives Salvajes,

mais experientes e ousadas sexualmente do que os rapazes  ressalta-se na narrativa que María Font era aficionada (e fortemente influenciada) pelos textos de Marquês de

Sade, além de ter por melhor amiga uma prostituta, Lupe , e portadoras de uma visão menos idealizada do amor/relacionamentos, incorporam, às vezes ironicamente, os

primeiros rumores feministas a fazerem-se presentes no grande DF mexicano de 1970.

Después María se puso a hablar del Movimiento Feminista y citó a Gertrude Stein, a Remedios Varo, a Leonora Carrington, a Alice B. Toklas (tóclamela, dijo Lupe, pero María no le hizo el menor caso), a Única Zurn, a Joyce Mansour, a Marianne Moore y a otras cuyos nombres no recuerdo. Las feministas del siglo XX, supongo. También citó a Sor Juana Inés de la Cruz (BOLAÑO, 1998, p. 51).

María Font, Angélica Font y Laura Jáuregui (la ex compañera de Belano) pertenecieron a un movimiento feminista radical llamado Mexicanas al Grito de Guerra. Allí se supone que conocieron a Simone Darrieux, amiga de Belano y propagandista de cierto tipo de sadomasoquismo (ibid., p. 77).

Igualmente a muitas das caracterizações presente no romance, a suposta

postura feminista das poetisas constrói-se preponderantemente por meio da afirmação

de García Madero. Dito em outras palavras, não se reconhecem ao longo da narração

atitudes que legitimem  nem que deslegitimem, diga-se de passagem,  o perfil a elas conferido. Diferindo em certa medida de Estrella Distante, os posicionamentos

políticos e/ou ideológicos presentes em Los Detectives Salvajes, como o “ser feminista”

ou “de esquerda”, instauram-se em grande medida no plano discursivo, e não

necessariamente através da trajetória pessoal dos personagens. De acordo com Juan

Villoro, Bolaño concede pouco interesse ao mundo subjetivo de seus personagens,

desenvolvendo com frequência uma escrita que “no depende de la introspección sino del

recuento de los datos” (VILLORO, 2008, 18). Em relação especificamente ao “ser

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isto é, desvincula-se a imagem do escritor de sua respectiva produção escrita. O leitor

reconhece estar diante de personagens-escritores, ainda que nenhuma prova documental

(produção escrita) lhe seja apresentada ou minuciosamente descrita.

Si te fijas, incluso la idea fundamental del detective salvaje es la idea del poeta sin obra. La idea del que investiga la realidad por métodos ilegales y que hace de su vida una obra de arte. La estética del detective salvaje se encuentra en la forma en que vive. No en lo que escribe ni en lo que genera y, en este sentido, los visceral-realistas serían más poetas de la vida que poetas de la obra (VILLORO, 2013, p. 68).

Para dar continuidade à análise até aqui desenvolvida, faz-se necessário

relembrar o título do capítulo atribuído por Bolaño à primeira parte do diário de García

Madero: “1. Mexicanos perdidos en México (1975)”. Entre as possíveis interpretações

para a presença de adjetivos plurais no anúncio de uma escrita que, a princípio,

configurar-se-ia individual e íntima, está o fato de o perfil do narrador ser composto por

muitas das características comuns aos jovens poetas (real visceralistas ou não)

retratados ao longo de Los Detectives Salvajes. Apesar de, inicialmente, revelarem-se

válidas leituras que tendam a contrapor o perfil de García Madero ao perfil dos

fundadores do Real Visceralismo, no sentido de que o primeiro encenaria a figura do

jovem ingênuo e inexperiente enquanto os segundos representariam a segurança e a

maturidade usualmente esperadas em líderes, o transcorrer da narrativa caminha para o

esboço de um elo comum, não apenas entre o narrador, Belano e Lima, mas entre todos

os personagens-escritores ficcionalizados por Bolaño, devido à natureza errante de suas

jornadas.

A orfandade assumida por García Madero logo na primeira página de seu

diário, a qual condiciona a natureza de seu relacionamento com Rosario, personagem

que o acolhe de forma maternal após sua saída da casa dos tios, materializa e anuncia a

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Detectives Salvajes. A obsessão pela figura de Cesárea Tinajero surge como um reflexo

da determinação de Arturo Belano e Ulises Lima em “saldar cuentas con los mitos que

los precedieron, para poder luego entrar libres en una nueva época existencial y

creadora, para poder partir de cero” (BOLOGNESE, 2010, p. 471). Uma vez rebelados

contra “o império” de Octavio Paz e de Pablo Neruda (BOLAÑO, 1998, p. 30), os real

visceralistas libertam-se de seus predecessores  ou, dito de outro modo, assumem suas orfandades literárias , e expressam, principalmente a partir da radical oposição à figura de Paz, o desejo de criar algo “distinto y totalmente nuevo” (BOLOGNESE,

2010, p. 467).

“Perdidos no México”, os poetas de Los Detectives Salvajes abandonam o

lápis e o papel e fazem da própria busca pela literatura (ou por sua “mãe” literária) seus

projetos literários. Tornam-se “poetas sem obra”, pois, no romance, o ofício de escritor

não privilegia nem tampouco se resume à produção de textos. Dentro desse cenário, o

leitor não demora a perceber que a imprecisão dos relatos de García Madero acerca dos

real visceralistas configura-se muito mais do que uma simples consequência de sua

recém chegada ao grupo. Para além da falta de convívio e de intimidade com esses