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1.6 A MATÉRIA DE OS LUSÍADAS E DE O ORIENTE: A VIAGEM À ÍNDIA

1.6.2 O diário de Vasco da Gama

Durante a emblemática expedição de Vasco da Gama à Índia, no ano de 1497, uma testemunha ocular, anônima, elabora um relato. Esse relato, de oitenta páginas, à semelhança de um diário, inicialmente conhecido por Diário Anônimo, é escrito, segundo as grandes autoridades no assunto, por Álvaro Velho, marinheiro e cronista, membro da expedição.

Esse relato é publicado em Portugal no ano de 1838, com o nome de Roteiro da Viagem que em Descobrimento da Índia pelo Cabo da Boa Esperança fez D. Vasco da Gama em 1497. Alguns tradutores da obra, por sua vez, decidem nomeá-la Diário, decisão com a qual concorda Damião Peres, autor da introdução à edição portuguesa citada nesse capítulo:

Mais exata se nos afigura a denominação Diário, usada em algumas traduções estrangeiras. Trata-se, com efeito, de um escrito em cujas páginas os sucessos humanos da empresa avultam muito mais do que as informações topográficas ou as notícias técnicas da navegação (1945, p. 11).

Utilizar-se-ão algumas informações contidas nesse documento, essenciais à compreensão daquela viagem e de seus desdobramentos.

Registra-se a respeito da partida da expedição em seu diário de bordo: “Partimos de Restelo um sábado, que eram 8 dias do mês de julho da dita era de 1497, nosso caminho, que Deus nosso Senhor deixe acabar em seu santo serviço” (PERES, 1945, p. 03). Assinala-se com precisão o local do embarque da expedição e a data de sua partida.

De Lisboa, a expedição ruma na direção das Canárias, onde chegam após uma semana da partida de Lisboa. Contudo, não se detêm ali. Seguem a costa, parando por algumas horas, no dia 16 de julho, em terra firme. Posteriormente, continuam a viagem. Um nevoeiro, contudo, dispersa a expedição na noite seguinte. Seguindo as instruções referente a um caso dessa espécie entregues a Vasco da Gama, dirigem-se todos às ilhas caboverdianas.

No dia 23 de julho, o São Rafael avizinha-se da ilha do Sal e avista três navios, aos quais se junta horas depois. Entre eles estão o navio de Nicolau Coelho e o navio de Gonçalo Nunes, além de uma caravela que, sob o comando de Bartolomeu Dias, dirige-se à Mina. Três dias mais tarde, na manhã de 26 de julho, avista-se o São Gabriel. Reagrupa-se a frota. No outro dia, ela alcança a ilha de Santiago e detém-se ali durante uma semana, na Praia de Santa Maria.

No dia 03 de agosto, a frota zarpa e só volta a aproximar-se da terra três meses depois, no dia 04 de novembro, quando já estão perto do Cabo da Boa Esperança. Nesse dia, avistam grandes quantidades de algas, sinal da proximidade da terra firme. Três dias depois, em 07 de novembro, chega a frota à terra, por meio de uma baía, a qual nomeiam de Baía de Santa Helena, distando algo em torno de cento e oitenta quilômetros do Cabo da Boa Esperança.

Ficam ancorados em Santa Helena por oito dias, durante os quais reparam os navios e recolhem lenha. Enquanto isso, Vasco da Gama indaga, inultimente, aos nativos, a respeito de especiarias, aljôfar e ouro. Após isso, a frota zarpa no dia 16 de novembro.

No dia 18 de novembro, avistam o Cabo da Boa Esperança. Em virtude do vento, no entanto, não podem contorná-lo. No dia 22 de novembro conseguem dobrá-lo e chegam à Baia de São Braz, onde a frota ancora no dia 25 de novembro.

É nessa baía que se desfazem do navio de apoio e repartem entre os outros três os mantimentos. Doze dias ali ficam e, em 06 de dezembro, assentam um padrão, que os nativos destroem no outro dia, pouco antes de os portugueses zarparem.

Os portugueses chegam ao rio do Infante, mas um clima hostil impede-os de prosseguir rente à costa. Somente em 25 de dezembro aproximam-se dela novamente, e, àquela terra encontrada, chamam Terra do Natal. Continuam dali a navegar. No entanto, falta-lhes água, de modo que, em 11 de janeiro, reabastecem-se numa região de nativos mais receptivos. Por isso, chamam àquele lugar de Terra da Boa Gente.

Seguindo adiante, a Bérrio chega, em 24 de janeiro, à foz do Zambeze, enquanto os outros navios alcançam-na no dia 25 de janeiro. Na margem norte, portanto, assentam um padrão. Nesse local, os primeiros casos de escorbuto começam a manifestar-se. Ali passam um mês.

A frota volta ao mar. No dia 02 de março, os navios chegam à ilha de Moçambique. É ali que Vasco da Gama logra informações referentes a Índia: basta-lhe navegar até Melinde para receber um piloto que o conduza pelo oceano Índico.

Em Moçambique, os portugueses tomam um piloto mouro. Partem dali em 11 de março, mas não conseguem progredir na viagem. Inicialmente avançam um pouco, mas grandes calmarias tornam impossível avançar. Durante as calmarias, os navios são impelidos ao sul, de modo que, em 15 de março, estão quatro léguas aquém de Moçambique. Nesse dia, porém, é possível avançar e retornar ao lugar onde estavam inicialmente. No dia 27 de março, o clima permite-lhes recomeçar a viagem.

No final da tarde do dia 07 de abril, os portugueses alcançam Mombaça. Dia 13 de abril, atracam ali. Em Mombaça, os portugueses correm grande perigo, em virtude de uma traição urdida pelos mouros, descoberta a tempo de safarem-se.

A distância entre Mombaça e Melinde é mediana. Portanto, com um dia e meio de viagem alcançam-na. As relações que Vasco da Gama e o rei melindano estabelecem são amistosas. O rei fornece a Vasco da Gama um excelente piloto, que passa à história com três nomes diferentes: segundo João de Barros, Malemo Cana; segundo Castanheda, Canaqua; segundo Damião de Góis: Malemo Canaqua.

Ainda que não haja consenso sobre o nome do piloto, é fato que, com ventos favoráveis, a frota parte de Melinde em direção à Índia. No dia 18 de maio, os navegadores avistam terras indianas. Contudo, não podem desembarcar nesse dia, em virtude dos temporais que assolam aquela região. No dia 20 de maio, aproximam-se da terra. À tarde, os navios viajam por duas léguas ao norte, na direção do porto de Capua ou Capocate, ancoradouro posteriormente substituído pelo de Calecute e de Pandarene.

Por esses ancoradouros vadeia Vasco da Gama por mais de três meses, tempo de duração das negociações empreendidas por ele e pelo Samorim de Calecute, com quem os portugueses desejam manter sólido comércio.

As relações entre portugueses e indianos, inicialmente amistosas, tornam-se tensas, pois os mouros temem perder sua hegemonia comercial para a concorrência portuguesa. Nesse contexto, Vasco da Gama utiliza-se do poder bélico que possui para retaliar aos mouros. Finalmente, carregam algumas especiarias, enviam à terra um padrão, que o Samorim compromete-se em erigir e, retidos seis nativos, começam a viagem de retorno.

No dia 29 de agosto de 1498, os portugueses deixam o porto de Calecute e, rumando a nornoroeste, costeiam a Índia, com dificuldade, pois os ventos são insuficientes. No dia 10 de setembro, Vasco da Gama ainda envia uma mensagem final ao Samorim. No dia 15 de setembro, a frota alcança os Ilhéus de Santa Maria, num dos quais erige um padrão. No dia 20 de setembro, encontram uma bela terra, chamada ilha de Angediva, onde lançam âncora e detém-se até 05 de outubro.

Da ilha de Angediva, Vasco da Gama ruma para Melinde. No retorno, no entanto, as condições climáticas são hostis. A ausência de ventos favoráveis, a presença de ventos contrários e o escorbuto assolam a tripulação. A travessia do Índico dura quase três meses. A essa altura, os portugueses já contam com trinta mortos e o escorbuto generaliza-se. Por fim, um vento favorável sopra e aproxima a frota da costa africana. Após ancorar em Mogadoxo em 02 de janeiro, a expedição alcança Melinde no dia 07 de janeiro.

O rei de Melinde recepciona favoravelmente aos portugueses novamente. Vasco da Gama envia-lhe um padrão, o qual o rei erige. Durante cinco dias, ficam em Melinde e, no dia 11 de janeiro, voltam ao mar.

No dia 13 de janeiro, tendo os portugueses deixado para trás Mombaça, atracam nos Baixos de São Rafael, assim chamados porque o São Rafael chocara-se com eles na viagem de ida. Ali, queimam aquela nau, depois de dividirem entre os outros dois aquilo que havia de aproveitável.

No dia 27 de janeiro, o São Gabriel e a Bérrio voltam a navegar. Em 1º de fevereiro, passam por fora da ilha de São Jorge, fronteira a Moçambique, onde estiveram por ocasião da viagem de ida. Atracam ali novamente, e assentam o último padrão. No dia 3 de março, atingem a baía de São Braz. Alí descansam por dez dias. Partem na direção do Cabo da Boa Esperança, que

dobram, com dificuldades tremendas, no dia 20 de fevereiro. Entram numa zona de ventos favoráveis e conseguem progredir satisfatoriamente. Em 25 de abril, estão já à foz do rio Geba, na Guiné.

Da costa da Guiné, os navios singram na direção da ilha de Santiago. Por motivos não esclarecidos por Vasco da Gama, a Bérrio adianta-se na direção de Lisboa. Vasco da Gama, ao atingir a a ilha de Santiago, vendo o grave estado de saúde de seu irmão, freta uma caravela, por meio da qual se encaminham para Lisboa às pressas. Para o comando do São Gabriel, nomeia a João de Sá.

Nicolau Coelho atraca em Lisboa no dia 10 de julho. João de Sá chega a Lisboa depois de Nicolau Coelho, em data não registrada. Vasco da Gama é o último a chegar. Ficara na ilha Terceira, uma ilha dos Açores, onde seu irmão morre. Somente depois navega para Lisboa, em data não registrada.

O rei D. Manuel I recompensa aos tripulantes daquela frota. Vasco da Gama, por ser o capitão-mor, é o mais agraciado. Por intermédio das Cartas Régias de 24 de dezembro de 1499, 22 de fevereiro de 1501 e 10 de janeiro de 1502, concede a Vasco da Gama a vila de Sines, importantes tenças e grandes honrarias.

A atitude de D. Manuel é reflexo da satisfação e do reconhecimento àquela viagem, que fecha um século de consistentes esforços em mar. Naquele momento, de fato, não é possível prever as consequências funestas do contato entre as civilizações. Esse momento é de grande euforia e otimismo para, Portugal, o descobridor da rota para a Índia.