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Diagnóstico adaptativo

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3. Resultados

3.1.1. Diagnóstico adaptativo

Setor Afetivo-Relacional: adaptação pouquíssimo adequada. Não tem satisfação, já que tem dificuldade de perceber objetos bons internos, acrescidos da percepção dos muitos objetos externos negativos, dos conflitos com as pessoas de seu convívio, especialmente o marido.

A Sra. E. demonstra dificuldade em reconhecer o que o marido tem de bom, denotando possuir fatores objetais internos negativos que são projetados e identificados como fatores objetais externos negativos.

Quanto a outros tipos de relacionamento, diz não possuir amigos e diz que só conversa com as pessoas ligadas aos tratamentos de sua filha. Parece valorizar interações com pessoas que podem dar-lhe algo (ajudá-la), tentando seduzir as pessoas para que essas lhe “ajudem” e faz isso através da exposição de suas condições econômicas escassas e de sua filha com paralisia cerebral. Essa ação da Sra. E. parece ser uma tentativa de aproximação com o outro, mas acaba por afastá-lo, já que parece não se satisfazer com aquilo que o outro pode lhe dar e querer sempre mais. Isso pode ser considerado um fator interno negativo, já que Sra. E. abdica das condições que possui para cuidar da filha (fatores internos positivos), não percebendo nem valorizando essas condições. Em contrapartida, enfatiza aquilo que não tem, as condições que lhe faltam, a fim de obter ganhos secundários com a paralisia cerebral da filha, como ocorre quando sugere que a entrevistadora lhe dê uma cesta básica. O que poderia ser considerado como fatores internos positivos, já que existem recursos internos para cuidar da filha com paralisia cerebral com a busca de elementos sociais para isso, se transforma em fator interno negativo, pois Sra. E. não consegue reconhecer as condições que possui para cuidar da filha.

Denota dificuldade em aceitar o diagnóstico da filha (fator externo negativo), fazendo uso da negação como meio de evitar sentimentos que possam emergir em decorrência com a realidade da paralisia cerebral. Trata-se de uma filha desejada e planejada, que, por uma seqüência de fatos tem graves seqüelas de um nascimento difícil. Inicialmente, A Sra. E. fez uso da negação ao acreditar que sua filha não teria seqüelas, posteriormente, passou a negar os sentimentos que a paralisia cerebral de sua filha acarreta, passando a dissociar os sentimentos decorrentes da realidade. O que pode ser considerado como um fator positivo, já que a negação do diagnóstico parece ter sido necessária para enfrentar o impacto do diagnóstico de paralisia cerebral, transformou-se em um fator interno negativo a partir do ponto em que a Sra. E. nega a ponto de dissociar da realidade. Em alguns momentos a realidade da paralisia

cerebral e de suas condições de vida parecem ser aceitos pela Sra. E., mas somente para serem negados logo em seguida.

A negação parece ser um meio defensivo importante para a Sra. E., mesmo antes do nascimento de I.A.S., já que parece haver a necessidade de negar uma série de fatores negativos (internos e externos) que poderiam causar sofrimento, mas isso acarreta na negação de fatores positivos (internos e externos) causando um esvaziamento. Para não sofrer, a Sra. E. nega tudo, inclusive o que é bom. A negação pode, em um primeiro momento parecer um fator interno negativo, já que é intensa e dissocia, mas parece ser o mecanismo que garante à Sra. E. um certo equilíbrio, possibilitando que a mesma sobreviva com um mínimo de adequação a uma série de fatores externos negativos e de outros tantos fatores internos negativos. Em outras palavras, sua negação pode não ser o mecanismo de defesa mais adequado, especialmente porque ela é intensa, mas possibilita sua vida, por mais que isso prejudique sua eficácia adaptativa.

Apesar de sua inadequação e de seu esvaziamento, a Sra. E. dá sinais de que os fatores tensionais estão mais pendidos para as pulsões de vida. Por pior que possa ser considerada a qualidade de sua vida, por maiores que sejam os fatores internos e externos negativos, ela ainda consegue enfrentar seus problemas e buscar um tipo de adaptação minimamente compatível com a vida.

A Sra. E. parece sentir-se lesada e, provavelmente o foi (ao menos ao que se refere às circunstâncias do nascimento de I. – fator externo negativo), e parece buscar algum tipo de reparação disto (procura um advogado para tentar obter indenização, o que pode ser considerado como um fator externo positivo), mas busca outros tipos de indenizações, como se todos a tivessem lesado e lhe devessem algo. A respeito disso, pode-se pensar novamente em uma dissociação, pois denota não poder entrar em contato com o sofrimento e as dificuldades que sua filha lhe causa, culpando outros (como os médicos e a situação financeira) pelo seu sofrimento, que parece não reconhecer como tal, compreendendo-o somente através de objetos externos (falta de dinheiro, pessoas que não a ajudam, coisas de que precisa), não podendo entrar em contato com seu sofrimento interno (o que sente por ter uma filha deficiente, bem como por outras circunstâncias de sua vida). Ou seja, a dificuldade em entrar em contato com objetos internos, sejam eles positivos ou negativos, é tão grande e há uma negação tão forte desses objetos, que ela os projeta no ambiente, podendo lidar melhor com um ambiente ruim (fator externo negativo), mas não com aquilo que pode haver de ruim em si própria. Então faz uso de identificação projetiva de modo que objetos internos negativos com os quais não consegue entrar em contato, se transformam em objetos externos

negativos para que a Sra. E. possa lidar com eles.

O marido é visto como impotente e como alguém que lhe é pouco útil, com o acréscimo de uma relação conjugal conturbada que antecede ao nascimento de I. e que parece ter sido prejudicada por esse nascimento. O marido é visto pela Sra. E. como mais uma pessoa que não a “ajuda” e se transforma em objeto externo negativo, parece reforçado por elementos negativos concretos que esse marido apresenta (doença e alcoolismo). O casal tem brigas freqüentes que chegam a interferir na sexualidade do casal, já que a Sra. E. chega a evitar ter relação sexual com o marido em decorrência de sua insatisfação com o relacionamento. Ainda com relação ao relacionamento conjugal, a Sra. E. demonstra depreciar o marido, desvalorizando suas ações, mesmo aquelas que poderiam se consideradas como cuidados do marido com a esposa e a família.

Nesse contexto, é possível compreender a ausência da filha mais velha da Sra. E. em seu discurso. A filha mais velha é saudável, ajuda a cuidar da casa e cuida da irmã nos finais de semana em que a mães trabalha. Essa seria a filha “boa”, aquela sua produção que deu certo, que foi bem sucedida. I., conseqüentemente, seria a filha “má”, aquela produção que veio “quebrada”, com defeito. Ora, se a Sra. E. parece não reconhecer ou valorizar as partes boas (objetos internos positivos e objetos externo positivos), como reconhecer e valorizar a filha que representa uma produção sua que deu certo?

Com essa filha também parece haver uma repetição de sua própria história de abandono. Assim como foi abandonada (tendo que deixar sua família para vir para São Paulo), abandona a filha ao não cuidar dela e ao não reconhecer nem valorizar o que essa filha lhe proporciona de bom. Relaciona-se com a filha “boa” como se ela não existisse, não havendo muitas trocas com ela. Assim como não percebe em si mesma objetos internos positivos, não percebe a filha como boa (um fator positivo que também é negado).

Parece também haver uma constatação da qual a Sra. E. foge inconscientemente: I. é uma produção sua que veio “defeituosa”. Nesse aspecto, dados da realidade são utilizados de forma a encobrir sentimentos inconscientes que parecem ser insuportáveis para a Sra. E. e daí a necessidade de buscar no outro (advogado, profissionais que tratam sua filha, pessoas de seu convívio, marido, etc) a reparação de uma “mal” que saiu dela mesma.

Compreende-se porque a Sra. E. relata que somente se sente humilhada quando alguém lhe recusa algum tipo de ajuda. Não se pode descartar uma questão social e cultural (setor Sócio-Cultural) de preconceito e discriminação (fator externo negativo) que engloba o tratamento dado a pessoas com deficiência, mas também não se pode descartar o fato de que a Sra. E. sente raiva de quem não a ajuda. A Sra. E. diz se sentir humilhada quando não lhe

ajudam e narra ter reações socialmente inadequadas, gritando e ofendendo pessoas que não lhe ajudam, de modo que, ao não receber aquilo que busca, sente raiva por não receber do ambiente elementos bons, que sente que lhe faltam e externaliza sua raiva contida em outras situações. Externaliza objetos internos negativos, porém não os percebe como seus, mas como objetos externos a ela. Nesse aspecto parece haver certa ambigüidade, já que a pouca valorização de suas próprias condições para cuidar da filha e a necessidade que sente da ajuda do outro, dá lugar a uma posição de superioridade e de arrogância, na qual o outro se torna obrigado, em sua fantasia, a realizar o que ela necessita.

Outro aspecto em que realidade e fantasia parecem se confundir está relacionado ao relato de que não pode trabalhar por causa de sua filha e que, por isso, precisa que os outros lhe ajudem, e, se as pessoas não podem lhe ajudar, resta então esperar que Deus ajude, denotando o desejo de que haja algum tipo de reparação/indenização mágica, fantástica, e que resolva seus problemas, já que sente que essa ajuda não poderá vir das pessoas e que ela mesma possui poucos recursos para lidar com a situação. Com relação a isso, parece haver o predomínio do uso da fantasia como forma de lidar com o sofrimento que a deficiência da filha e a falta de recursos financeiros causam. Entretanto, tem momentos em que a Sra. E. parece ter maior contato com a realidade.

Outro exemplo do uso da fantasia para lidar com o sofrimento pode ser percebido no relato da Sra. E. quando a mesma diz que acredita que a filha conseguirá andar e falar. Os profissionais que tratam de I. lhe dizem que isso não acontecerá, ela mesma reconhece, em alguns momentos, que o estado de saúde de sua filha é grave, mas o desejo de que a filha seja “normal” e a constatação de que não é, parece só poder ser assimilado pela Sra. E. através da fantasia de que a filha andará e falará. A Sra. E. faz uso da fantasia para lidar com o sofrimento que o luto pela filha desejada lhe trás.

O comportamento descrito pela Sra. E. denota impulsividade e mudanças que vão de um extremo a outro, como é o caso quando oscila na percepção de dependência extrema do outro para uma posição de auto-suficiência e onipotência. Parece também possuir pouca capacidade para suportar frustrações e dificuldade em compreender o outro (fatores internos negativos).

Por fim, a Sra. E. oferece cuidados à sua filha, mas a impossibilidade de mudança da situação (sua filha não deixará de ter paralisia cerebral) parece ser insuportável e a Sra. E. faz uso dos mecanismos descritos para conseguir oferecer esses cuidados. Esses mecanismos também são usados para lidar com os sentimentos decorrentes da ferida narcísica (fator interno negativo) pelo nascimento da filha com deficiência.

Setor Produtividade: adaptação pouco adequada – demonstra sentir prazer em sua ocupação principal, porém há dificuldades financeiras e conflitos por ter optado por não exercer trabalho remunerado.

A Sra. E. relatou trabalhar desde o início da adolescência (ao menos desde os 12 anos de idade), sendo que sempre trabalhou como empregada doméstica, tendo deixado sua cidade natal na Bahia e sua família para mudar-se para São Paulo. Esse relato dá idéia de separação, abandono, porém A Sra. E. não relata isso.

Narrou não poder mais trabalhar para poder cuidar da filha, levando-a em médicos e tratamentos, dividindo seu tempo entre os cuidados com a mesma e os afazeres domésticos, sendo que relata sentir-se satisfeita em cuidar da filha e da casa (fatores externos positivos), buscando serviços de faxina nos finais de semana, o que parece ser um fator interno positivo, pois denota fatores tensionais positivos compatíveis com a vida e de busca de manutenção desta. Também se valoriza como profissional, pois demonstra satisfação ao relatar que sempre tem ofertas para trabalhar.

Aparentemente, nesse setor, há somente a queixa de que não pode trabalhar por causa da filha, o que trás dificuldades financeiras (fator externo negativo), resultando em um conflito que por vezes tenta solucionar através de pedidos de ajuda a assistentes sociais, profissionais que cuidam de sua filha e pessoas de seu convívio, além de fazer algumas dívidas para obter alguns itens de que necessita.

A Sra. E. e sua família sobrevivem com R$ 380,00 que recebe da “indenização” da filha (LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social), acrescidos da renda obtida pelo marido em alguns trabalhos que faz como pedreiro (porém ele está em processo de aposentadoria por invalidez) e dos serviços de faxina que faz durante os finais de semana, sendo que essa renda é insuficiente para as necessidades da família. Relatou que mora em uma casa pequena, de, praticamente, um cômodo, e que faz algumas dívidas para comprar itens básicos como comida, não tendo condições financeiras de arcar com despesas como a compra de uma banheira maior para a filha e duas órteses de que necessita, além de melhoria em sua cadeira de rodas (fatores externos negativos). Como uma tentativa de melhorar essas condições, busca ajuda de assistente social e tenta conseguir auxílio de outras pessoas, denotando predomínio das pulsões de vida.

Nesse setor, o que parece trazer conflitos para a Sra. E. é o fato de que nem sempre consegue a ajuda que tenta obter, tendo vários problemas financeiros e de sustento seu e de sua família, já que, apesar de dizer que se satisfaz com os afazeres domésticos e com os

cuidados com sua filha, sua atividade principal não proporciona os recursos financeiros de que necessita e trás conflitos, como é o caso de dívidas e da forma que se sente e reage ao não ser ajudada (como ofender recepcionista da clínica de fisioterapia), havendo indícios da predominância das pulsões de vida que, apesar de trazerem inadequações adaptativas, são suficientes para a Sra. E. enfrentar todos esses fatores externos negativos.

Setor Sócio-Cultural: adaptação pouco adequada - Busca utilizar os recursos sociais e legais a que tem direito e acesso, mas parece não se satisfazer com isso e, por vezes, sentir-se humilhada.

Com relação a questões sociais, no relato de E.A.S, pode-se identificar sentimentos de vergonha em andar na rua com sua filha, embora afirme que não sente mais vergonha, denunciado pela continuidade em evitar o uso da cadeira de rodas em diversas situações, tendo por isso alguns desconfortos físicos. Isso sem levar em conta a necessidade de utilização de transporte público, que parece ser para ela um transtorno, não somente pelas dificuldades de locomoção da filha, mas também pela reação das pessoas frente à sua deficiência, sendo que por vezes agride verbalmente pessoas que considera estarem prejudicando-a, como acontece com os motoristas do ônibus. Com isso, denota uma série de sentimentos relacionados a fatores externos negativos, sem, no entanto, entrar em contato com a maior parte desses sentimentos.

A Sra. E. tem reações agressivas nas situações em que se sente humilhada pelo tratamento que recebe das pessoas, denotando que se sente menosprezada pelo tratamento que recebe. Por outro lado, demonstra tentar usufruir dos benefícios legais a que tem direito, seja através da busca de um advogado, seja buscando atendimento social, seja utilizando o serviço público e de duas faculdades para o tratamento de sua filha, seja pedindo ajuda para conhecidos. Porém, novamente, algo que poderia ser positivo parece ser desvalorizado quando a Sra. E. tem dificuldade lidar com situações em que não recebe a ajuda que busca, então o uso de recursos sociais para o tratamento de sua filha passam a ser considerados como uma obrigatoriedade, como algo que os outros lhe devem e que, ao não receber, sentimentos de menosprezo vêem à tona e a Sra. E. reage agressivamente. Denota possuir poucos recursos internos para lidar adequadamente com essa série de fatores externos negativos. Esse tipo de comportamento da Sra. E. se mostra repetitivo, sendo que persevera em vários aspectos de sua vida.

Também se percebe que a Sra. E. não possui nenhum tipo de divertimento e lazer que possa obter por meio de elementos sociais. Sua rede de contatos sociais é limitada à família

(marido e filhas) e profissionais que atendem sua filha, sendo que as atividades que desenvolve com estes são relacionadas à cuidados com a casa e com a família, havendo pouco ou nenhum espaço para o lazer.

Um aspecto cultural que chama a atenção é a identificação que a Sra. E. demonstra ter com a cultura da região brasileira de sua origem. Por vezes usa elementos culturais da “gente do norte” como recurso para descrever a si mesma, parecendo ser isso, algo positivo para ela ao lhe servir como referência de sua própria identidade. Essa identificação com elementos culturais “da gente do norte” também pode ser uma referência à sua origem familiar, uma ligação com a família de origem com a qual atualmente mantém pouco contato e à qual pouco se refere.

Setor Orgânico: adaptação pouco adequada - Não há queixas relacionadas ao seu estado geral de saúde, porém há sinais de pouco cuidado com a mesma, e de certo relapso nos cuidados próprios, já que não se previne quanto a dores por carregar sua filha no colo, rejeitando por vezes o uso de cadeira de rodas para transportá-la.

Não apresentou queixas com relação ao estado geral de sua saúde, porém demonstrou insatisfação quanto sua aparência física e relatou conseqüências físicas que sofre em função de carregar sua filha no colo para locomover-se (já que por vezes não faz uso da cadeira de rodas), como dores no braço e nas pernas, dando a impressão de que não toma alguns cuidados ligados ao próprio bem estar físico. Além disso, não demonstra procurar meios para cuidar de si mesma, especialmente naquilo que é relativo ao seu sofrimento, denotando que é tão difícil suportá-los que necessita negá-los a tal ponto que não pode ter maior consciência deles, pois não suportaria nem teria como tratá-los.

Quadro I – Descrição da classificação da adaptação da Sra. E.

Setores pontuação conforme a adequação

Setor A-R 1 (pouquíssimo adequada)

Setor PR 1 (pouco adequada)

Total 2 pontos

Classificação diagnóstica adaptação ineficaz severa

Fig. 3. Sra. E. – classificação adaptativa.

O quadro I mostra a pontuação da Sra. E. conforme a EDAO – Escala Diagnostica Adaptativa Operacionalizada (SIMON 1989: 2005) - indicando que classificamos a Sra. E.

como tendo uma Adaptação Ineficaz Severa.

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