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Ferida narcísica

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3. Resultados

4.5. Os pais de crianças deficientes: uma interpretação

4.5.3. Ferida narcísica

fantasias parentais ocasionando o que denomina de “ferida narcísica”. É possível constatar isso através da análise das entrevistas e dos Desenhos-Estória nos pais e nas mães. Em todos se pode perceber que havia diversas fantasias sobre como seria a criança que nasceria (semelhantemente com o que Buscaglia – 2006 - descreve) e que, após o diagnóstico de paralisia cerebral da criança, seguiu-se um período de grande sofrimento no qual se identifica a existência de um narcisismo ferido por saber-se pai/mãe de uma criança deficiente.

Percebe-se que as fantasias onipotentes e narcisistas desses pais e mães foram frustradas, uma vez que a criança não nasceu perfeita. Sra. K. diz que sentiu uma dor tão grande ao saber da deficiência do filho que acreditava que seria uma dor que nunca seria curada. No caso da Sra. E. percebe a filha como sua “produção defeituosa”. Nos casos Sr. F. e do Sr. G., esses se mostraram tão identificados (ou fusionados) com seus filhos que a deficiência dos mesmos é reconhecida por eles como sua própria deficiência. Especificamente o Sr. G. mostra sentimentos de impotência (onipotência) por não conseguir reverter a deficiência da filha.

Cada pai e cada mãe denotam um narcisismo como apresentado por Faria (1997) que parece ter mais a conotação freudiana clássica. Entretanto, ao se fazer uma conexão com a teoria das relações objetais, pode-se entender como Heimann (1952) ao explicar a natureza das relações objetais parciais, acaba por dar uma boa explicação para a teoria kleiniana do narcisismo. A autora entende que a diferença entre as relações objetais amadurecidas e as infantis reside no fato de que, enquanto o adulto concebe que o objeto existe independente dele, o bebê entende como que o objeto viva em virtude de sua função para o bebê.

4.5.4. O Luto

Os pais e as mães demonstraram sinais de que a frustração da expectativa de ter um filho saudável e das fantasias que nutriam a respeito dessa criança significou para eles a perda da criança saudável desejada. Mesmo nos casos em que houve rejeição da criança, como ocorreu com a Sra. K. e o Sr. F., percebeu-se que após a gradual aceitação do filho, eles desenvolveram fantasias de uma criança saudável. Em todos os casos, o que se identifica é o luto pela criança desejada que não nasceu. Nas palavras de Amaral (1995), após a notícia do diagnóstico de deficiência, a criança desejada “morreu” e os pais vivem o luto decorrente dessa perda. Amaral (1995) e Kübler-Ross (1981; 1987) ao tratarem do luto apontam alguns estágios vividos pelo indivíduo em processo de luto e, apesar de alguns pontos divergentes, ambas indicam um processo dinâmico no qual são vividos diversos estágios que se alternam, e só pode ser elaborado a partir da aceitação da perda. Em vista disso, pode-se compreender

que o luto dos pais e mães não foi elaborado uma vez que não há aceitação real da perda da criança desejada. O que todos demonstraram é uma alternância entre momentos de maior e de menor aceitação dessa perda, sendo que a Sra. K. parece ser aquela que possui uma maior aceitação da condição de seu filho.

Identifica-se nos pais e nas mães alguns sentimentos característicos do luto apontados pelas autoras (AMARAL, 1995 e KÜBLER-ROSS, 1987), a saber, um misto de negação, raiva e revolta, além de uma mistura de sentimentos contraditórios que persistem desde a notícia do diagnóstico do filho até o momento. Sendo esses, outra indicação da não elaboração do luto.

Ainda sobre luto, Caplan (1980) compreende períodos de luto como possíveis geradores de crise, cuja resolução é beneficiada pelo abandono da evitação do problema para que seja possível o enfrentamento real do conflito, a perda. Conforme mencionado anteriormente, compreende-se que isso não foi possível para os pais e mães. O que parece acontecer com eles é a não elaboração do luto que se manifesta através do uso de mecanismos de negação e, em alguns casos, de cisão. Os pais e as mães acabam empregando energia psíquica na tentativa de não entrar em contato com o sofrimento que o luto lhes causa. Quando não é possível negar, o luto é vivido de forma intensa.

Dentro do que Amaral (1995) descreve ao tratar a respeito do luto de pais e mães de criança com deficiência, compreende-se que eles vivem reedições do luto. A cada constatação de que a criança não adquiriu algo que seria esperado no desenvolvimento infantil normal, há a retomada da constatação de que essa criança não é aquilo que os pais e mães desejavam e não corresponde às fantasias que nutriram durante sua gestação.

Nos casos estudados, outras perdas decorrentes do nascimento foram muito significativas. A Sra. K. não pôde voltar a trabalhar, e seu trabalho lhe era muito gratificante; além disso, teve problemas financeiros como decorrência. Essa mãe demonstrara perda ao deixar de trabalhar e abandonar o curso superior que fazia, além de não poder mais viajar e sair à noite como fazia antes. O Sr. F. também mostra sentir a perda de momentos de lazer em viagens e em sair com os amigos. O Sr. G. deixou muitos aspectos de sua vida para se dedicar quase que exclusivamente à filha. Em outras palavras, em todos se identificam muitas perdas decorrentes do nascimento dessa criança com paralisia cerebral. Novamente pode-se usar a idéia da reedição, já que os pais e mães dão sinais de que freqüentemente precisam lidar com esse sentimento de perda; ou seja, o luto não é elaborado.

4.5.5. Culpa e reparação

Tanto Buscaglia (2006) quanto Góes (2004) apontam que pais e mães de crianças com deficiência tendem a sentirem-se culpados pela condição do filho. Nos casos dos pais e mães que participaram da pesquisa nota-se que todos apresentam a vivência de culpa, mas que cada um o faz de forma bastante distinta e particular. Anteriormente, tratou-se a respeito da tentativa de encontrar um culpado pela deficiência dos filhos por parte dos pais e mães. Mas não há efetivamente um culpado. O que parece acontecer é que, logo após a notícia da paralisia cerebral, sem respostas para seu sofrimento, os pais e mães buscaram meios para compreender a situação. Então, a culpa que se apresentou primeiramente como uma forma de tentar assimilar a situação de crise causada pelo nascimento de um filho com deficiência passou por algumas mudanças conforme os pais e mães foram se adaptando à sua nova situação e cada um lidou com culpa de modo muito peculiar. Devido a isso, segue-se a explanação a respeito da culpa apresentando-se caso por caso.

No caso da Sra. E. essa culpa parece ser vivida de modo que ela a deposita mundo externo indiscriminadamente. O que se pode compreender, com base na teoria Kleiniana, é que, ao não suportar a culpa (pela fantasia de dano causado – objeto estragado) projeta a sensação ruim em suas relações atribuindo ao outro a culpa e esperando ainda uma compensação (indenização) pelo mal que sente que lhe foi infligido esperando que o outro repare o dano que sente que lhe foi causado (identificação projetiva). Também, ao acreditar (por projeção) que algo ou alguém indeterminado lhe causou todo o seu mal, espera desse elemento externo algum tipo de indenização, uma reparação por seu sofrimento. Como essa compensação não acontece, sente raiva e ataca agressivamente aquele (ou aquilo) que não lhe ofereceu a compensação que esperava – num circulo constante. Por isso, compreende-se, com base em Grinberg (s.d.), que há sim uma culpa na Sra. E., porém sua natureza é persecutória, por que, ao mesmo tempo em que a Sra. E. tenta se ver livre dela projetando-a, está identificada com ela e se sente atacada e ameaçada por essa culpa e por objetos perseguidores que, projetados, tornam-se externos. Como a culpa é persecutória, ela mesma não apresenta reparação, já que, ao não reconhecer como sua a culpa, não há, para ela, o quê reparar.

Com a Sra. K., como já descrito anteriormente, há uma cisão na qual projeta maciçamente toda a culpa no médico do pré-natal (escolhido como objeto depositário e persecutório). A Sra. K. demonstra pouca estrutura para suportar o sentimento de culpa como seu. Não suporta a culpa porque juntamente com ela sente ódio e agressividade destrutiva e vingança. Então, para evitar que tudo retorne a ela (na culpa reconhecida como sua) projeta na figura do médico - o que é beneficiado pelo erro que o médico parece realmente ter cometido.

A Sra. K demonstra sofrer por causa da deficiência do filho, mas cuida dele e busca meios para reparar os danos a que ele sofreu. Entendemos como tentativas reparatórias. Ou seja, embora busque reparar os danos, não consegue fazê-lo. Como foi anteriormente descrito, compreende-se, com base em Grinberg (s.d.), que a Sra. K. vive um processo no qual a culpa depressiva é tão intensa que não consegue mantê-la e regride à culpa persecutória e, por isso, não é possível a reparação.

No caso do Sr. F. a culpa, assim como os outros sentimentos são evitados a todo custo. A culpa aparece na crença de que a paralisia do filho é um castigo. Percebe-se, portanto, culpa persecutória uma vez que se percebe que há culpa por não poder assumir o papel de pai e de homem maduro e pelo desejo de que o filho morresse, sendo que a deficiência do filho é percebida como uma punição a tudo isso. Por isso, com base em Grinberg (s.d.), compreende- se que se trata de culpa persecutória, já que o Sr. F. mostra considerar a paralisia cerebral do filho como um objeto externo punidor que o castiga por sua imaturidade psico-sexual. Mas há ainda outro aspecto da culpa do Sr. F.: o “ganho secundário” que tem com a deficiência do filho, já descrito anteriormente como sendo resultado da constatação de que o Sr. F. não precisará amadurecer para acompanhar o desenvolvimento do filho, já que este jamais terá um desenvolvimento normal. Considera-se isso para compreender que há também a culpa pelo “ganho secundário”, culpa pelo benefício que a deficiência do filho lhe trás. Como está tão projetivamente identificado com o filho, compreende-se que toda essa culpa não faz o Sr. F. buscar uma reparação genuína, já que, ao tentar com todos os seus recursos evitar sofrimentos para o filho, evita o seu próprio sofrimento, daí a necessidade de negar a culpa como sendo algo que não suportaria.

Quanto ao Sr. G., este também demonstra projetar os aspectos ruins evitando a culpa como sua. Nesse caso, o narcisismo e a dificuldade de elaborar o luto, acrescidos da pouca vitalidade e humor deprimido tornam impossível para o Sr. G. um sentimento de culpa depressiva que o leve a uma reparação. Como visto em Grinberg (s.d), parece ser uma culpa persecutória tão intensa que, juntamente com uma tendência melancólica do Sr. G., o leva a um estado depressivo. Como projeta a culpa e não a reconhece como sua, busca encontrar um culpado para a deficiência da filha e para seu sofrimento, mas sua busca é infrutífera e chega a conclusão que foi o “destino” o culpado, como sendo esse o único meio de conseguir aceitar seu sofrimento. Mas essa aceitação não parece ser no sentido reparatório e amoroso, mas fatídico e sentencioso já que o condena ao sofrimento e a uma vida de dedicação à filha, que só terá fim quando a filha por fim falecer, já que, estando projetivamente identificado com a filha, acredita que sua própria morte está ligada com a morte da menina.

Por fim, com tantas formas distintas de vivência da culpa e de tentativas reparatórias, o que parece ser comum a todos os casos, além da culpa, é que, apesar de não conseguirem atingir uma reparação genuína, isso não impede que nenhum desses pais e dessas mães cuidem de seus filhos e que o façam da melhor forma que conseguem. Ou seja, são os recursos que dispõem para lidarem com uma situação que por si mesma é conflituosa e implica em constante desgaste de energia psíquica.

4.5.6. Negação

Amaral (1995) apresenta alguns mecanismos de defesa comumente utilizados pelas pessoas quando em contato com alguém deficiente, dentre eles indicou o uso da negação, total ou parcial, como uma tentativa de negar a deficiência ou, menos, diminuí-la. Outros dois autores, Góes (2004) e Buscaglia (2006) tratam especificamente do uso da negação por parte dos pais e mães e descrevem em seus estudos desse mecanismo defensivo como sendo freqüentemente utilizado por pais e mães de crianças com deficiência. Através da análise das entrevistas e dos Desenhos-Estória, verificou-se a recorrência do uso da negação por todos os pais e mães participantes da pesquisa, havendo concordância com os autores citados.

Em todos os casos se percebe o que Góes (2004) chamou de dinâmica de retro alimentação em que há um movimento de báscula entre a rejeição e a aceitação por parte dos pais e mães, aqui compreendida pela alternância que os pais e mães demonstraram haver entre a negação e a aceitação da deficiência do filho e movimentos de aproximação e afastamento na relação com a criança.

Dentre os vários exemplos que os pais e mães apresentaram em suas falas, destaca-se a da Sra. K. quando esta questiona qual mãe deseja ver que o filho não anda e não fala, como um indicativo da necessidade de negar a deficiência do filho, necessidade essa que ela e os demais participantes da pesquisa demonstraram. O que se percebe é que a deficiência das crianças causa tanto sofrimento a seus pais e que eles não suportam estarem constantemente conscientes da mesma, daí a necessidade de se alternar momentos de maior aceitação com momentos de negação e/ou atenuação da deficiência e do sofrimento.

Como exemplo da alternância entre aproximação e afastamento do filho, destaca-se a fala do Sr. G. quando descreve que por vezes se esquece de levar a filha ao médico ou ao tratamento fisioterápico. Por mais que esse pai se dedique a cuidar da filha, há momentos em que não agüenta seu sofrimento e seu cansaço e “esquece” de levá-la. Esse movimento de afastamento e aproximação é também percebido nos outros pai e mães quando o Sr. F. se precisa que a mulher lhe lembre o que precisa fazer com relação ao filho, quando a Sra. E. não

leva a filha nas consultas, e quando a Sra. K. deixa o filho com alguma das avós a fim de poder sair e viajar em a criança.

4.5.7. Identificação projetiva

Outro recurso defensivo evidenciado foi a identificação projetiva. Cassarin (2001), descreve que mães de crianças com Síndrome de Down tendem a formar um par indiferenciado com o filho deficiente, associando suas vidas às deles. Dentro de uma visão psicanalítica, compreende-se que esse par indiferenciado como sendo resultado de identificação projetiva. No entanto não foi apenas nas mães que se verificou o uso desse mecanismo, mas nos pais também foi percebido o uso do mesmo. Como observado anteriormente, a expulsão do conteúdo ruim projetado no médico e a conseqüente inveja desse médico como um ser perfeito mostra-se em identificação projetiva aqui compreendida como sendo, em Klein (KLEIN, 1946) o protótipo do relacionamento objetal agressivo, representando um ataque anal a um objeto.

Com a Sra. E., a identificação projetiva se revela em sua união com a filha deficiente com a qual se liga de modo simbiótico e conseqüente exclusão da outra filha. É interessante nesse caso lembrar o que Hinshelwood (1992) explica sobre a identificação projetiva entre os neo-kleinianos e em especial W. Bion; já que esse autor diferencia a identificação projetiva em normal e anormal, sendo que a diferença entre ambos está no grau de violência na execução do mecanismo (como no caso dos psicóticos clássicos). Existem ainda dois objetivos em ambos, um é evacuativo – evacuar um estado mental penoso, levando a um ingresso forçado em um objeto para alcançar alívio e também para controlar o objeto; o outro objetivo é de introduzir no objeto um estado mental como meio de comunicação. No caso da Sra.E., entendemos como explica Hinshelwood (op.cit.), como onipotência e fusão, sendo que nesse caso tanto a evacuação quanto a comunicação acham-se ligadas, tanto num desejo de evacuar aquilo que é penoso e controlá-lo quanto no fato de comunicar o estado mental penoso. Assim essa mãe teria o controle sobre sua parte ruim (que gera deficiência), assim como comunicaria seu estado mental sofrido com o objeto.

Na Sra. K., pôde-se perceber que esta mostra mudanças em sua dinâmica psíquica que apontam para a possibilidade de flexibilização e de mudanças em sua relação com o filho, havendo uma presença da identificação projetiva menos intensa do que nos demais pais e mães. Com o Sr. F., a identificação projetiva se revela através da constatação de que esse pai não suporta ver o sofrimento do filho porque o sofrimento deste significa o seu próprio sofrimento, além de identificar no filho deficiente suas próprias deficiências do

desenvolvimento psico-sexual. Já no caso do Sr. G. a identificação projetiva é excessiva e ele une sua própria vida à vida da criança, formando um par indiferenciado – também como onipotência e fusão (HINSHELWOOD, 1992).

4.5.8. Aspectos sociais

Diversos autores, Amaral (1995), Buscaglia (2006), Yano (2003), Brito (1997), Silva (2000), Bava (2001), Meiado (1998), Chacon (1995), Odeh (1998), Francesco (1999), Dallabrida (1996), Araújo (2003), Moura (1999), Palamin (2002), Hansel (2004), Araújo (2002), Dessen e Silva (2001; 2002; 2003), Ferreira (1999) e Coelho, Matos e Monteiro (2002), tratam a respeito da influência que o meio social exerce sobre os pais e mães de crianças com deficiência. De modo geral, todos parecem concordar que a deficiência não é socialmente bem aceita e que a pessoa com deficiência e sua família encontra diversos desafios a fim de ter acesso a tratamentos e para estarem socialmente inclusos. Também apontam que a própria concepção de que pais, mães e familiares têm sobre a deficiência e socialmente construída, o interfere na relação destes com a criança com deficiência.

Amaral (1995) e Araújo (2003) concordam ao descrever que a deficiência é socialmente vista como desvio, como aquilo que escapa à norma, o que, segundo Amaral (op. cit.), compromete a relação de pais e mães com seus filhos deficientes, já que, fazendo parte dessa mesma sociedade e cultura, partilham esses valores com a mesma. Nesse sentido, aspectos relacionais dos pais e mães e seus filhos acima mencionados também são socialmente construídos. Um exemplo disso é a expectativa que os pais e mães demonstraram durante a gestação e a frustração dessa expectativa causada pela paralisia cerebral da criança, o que desencadeou o sofrimento, a crise e o luto.

Não se pretende aqui desconsiderar o modo único como cada pai e mãe demonstrou ter ao lidar com sua criança nem desprezar idiossincrasia do sofrimento desses pais e dessas mães, mas acrescentar a essa compreensão analítica a influência que o meio social exerce sobre esses pais e mães. Como Buscaglia (2006) descreve, a deficiência também é um fenômeno social, uma vez que, além do diagnóstico médico e dos conceitos científicos, ela é, em grande parte, socialmente construída, no sentido de que, além de limitações físicas e orgânicas, a pessoa com deficiência, assim como sua família, lida com impedimentos sociais. Para o autor, o próprio significado do que é deficiência é culturalmente estabelecido.

Compreende-se que os pais e mães de crianças com deficiência, fazendo parte dessa cultura e sociedade, partilham com ela o significado do que é deficiência, logo, isso deve ser levado em conta ao estudar-se o modo como os pais e mães se relacionam com seus filhos

com paralisia cerebral e o modo como cada um assimila a deficiência do filho.

Observou-se que os pais e mães denotaram vergonha ao exporem suas crianças ao convívio social. Essa vergonha se manifestou de formas diferentes em cada um deles, a saber: a Sra. K. e o Sr. F. se admiram porque seus amigos e parentes não os abandonaram após o nascimento da criança; a Sra. E. reage agressivamente sempre que se sente humilhada pela exclusão social que sofre devido à deficiência da filha e busca isolamento social; e o Sr. G. se isola e por vezes deixa ser identificado como o avô da menina a fim de não ser reconhecido como seu pai. Como dito anteriormente, a deficiência constitui uma situação de desvio e esses pais e mães parecem se sentirem hostilizados juntamente com seus filhos. Propõe-se que os pais e mães sofrem por terem sua produção (filhos com paralisia cerebral) socialmente percebida como desviante e, antes de sentirem vergonha dos filhos, sentem-se envergonhados por não poderem mostrar ao mundo uma produção perfeita e sem mácula. O que é dessa forma compreendido a partir dos estudos de Buscaglia (2006).

Nesse sentido, as tentativas de atenuação da deficiência percebidas em todos os pais e mães pode ser entendida como uma tentativa de compensar a deficiência da criança. Retomando o que Faria (1997) descreve como ferida narcísica dos pais e mães de crianças com deficiência, o que se compreende é que parece haver uma mistura entre o sofrimento interno desses pais e mães e o conceito social de deficiência, resultando em um sentimento de vergonha por serem pais e mães de crianças deficientes.

Tratando separadamente de cada pai e mãe, apresenta-se a descrição de que a Sra. E. demonstra viver uma relação conflituosa e ambígua com o meio social em que vive, na qual tem tentativas de maior aproximação e de busca de algum auxílio, ao mesmo tempo em que apresenta movimento de afastamento social e agressividade socialmente inadequada. Isso

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