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Sobre adaptação

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1. Introdução

1.4. Sobre adaptação

Em virtude de algumas dificuldades relativas ao diagnóstico em psicologia clínica, que Simon apresenta em seu livro publicado em 1989, o autor considera a eficácia adaptativa como um critério diagnóstico satisfatório. Nesse trabalho, o autor define adaptação como sendo um conjunto de respostas dadas às situações vividas por um ser vivo e que permitem a este a manutenção de sua vida. Sendo assim, enquanto há vida há adaptação do organismo vivo.

O autor toma como base conceito de homeostase, porém diverge dele em alguns aspectos, por considerar que esse conceito não abrange toda a complexidade dos organismos vivos, pois não considera a evolução do organismo. Nesse sentido, considera que a volta ao estado anterior, como propõe a teoria da homeostase, não é possível e sequer desejável, sendo que esse retorno dessa maneira seria a repetição patológica em nível psíquico. A adaptação saudável, portanto, viabiliza a descoberta de novas respostas diante de novas situações, respostas essas que podem ser avaliadas quanto a sua eficácia. Assim, o retorno não se dá a um mesmo patamar, mas a outro, pois há modificação do organismo (SIMON, 1989).

A fim de classificar a eficácia adaptativa, o autor recorre para o conceito de adequação, sendo que, para que a resposta do indivíduo seja adequada esta deve, em primeiro lugar, solucionar o problema; em segundo lugar, ser satisfatória para o indivíduo; e, em terceiro lugar, não provocar conflitos intrapsíquicos. “Em suma, a resposta adequada é aquela que resolve a dificuldade, dá prazer, e mantém ou aumenta a auto-estima, sem provocar atritos legais ou culturais” (SIMON, 1989, p. 17). Sendo assim, a resposta pode ser vista como adequada (abrange todos os aspectos acima apresentados), pouco adequada (atende a apenas um dos aspectos acima apresentados, em detrimento de outro), ou pouquíssimo adequada (não atende nenhum dos aspectos acima apresentados).

Simon apresenta essa classificação quanto à adequação das respostas dadas a situações problema da seguinte forma:

“- As soluções adequadas são construtivas, gratificantes, e dão origem a sentimentos de segurança e equilíbrio.

sentimentos de insegurança e tensão.

- As soluções pouco adequadas ficam no meio do caminho: ou gratificam, mas trazem insegurança e tensão; ou dão menos insegurança, mas são frustradoras e paralisantes” (SIMON, 2005, p.37).

De acordo com Simon (1989), o organismo sempre apresenta uma resposta, mesmo que esta seja ineficaz, com exceção do período de crise, no qual o organismo fica temporariamente sem resposta para uma situação específica. O autor lança mão da teoria de Caplan (1980) sobre crise, considerando que a crise consiste em uma situação para a qual, ao menos momentaneamente, não há resposta e para qual, ao final, o indivíduo apresentará alguma tipo de resposta, seja ela mais ou menos adequada. Mais do que desenvolver uma forma para avaliar a adequação da adaptação, descreve que, sendo a crise um momento de transformação, ela propicia ao sujeito uma nova adequação da adaptação, trazendo importantes mudanças para sua vida.

Procurando abranger a vida do indivíduo de maneira mais ampla, Simon (1989) identificou quatro setores: afetivo-relacional, produtividade, sócio-cultural e orgânico. Como setor afetivo-relacional, compreende os sentimentos, ações e atitudes com relação a si e ao outro; como produtividade, considera qualquer atividade produtiva considerada a principal ocupação do indivíduo; como setor sócio-cultural descreve os sentimentos, ações e atitudes diante da estrutura social e comunitária; como setor orgânico compreende o estado global do funcionamento do organismo, abrangendo aspectos fisiológicos, psíquicos e mentais, considerando também os distúrbios psicossomáticos.

Os setores afetivo-relacional e orgânico são referentes à unidade psicossomática do sujeito, em contrapartida, os setores sócio-cultural e produtividade são relativos ao meio externo ao sujeito. O autor escreve que sua teoria sobre os setores adaptativos se refere a conceitos funcionais (SIMON, 2005).

O autor propõe que esses quatro setores sejam verificados individualmente quanto à adequação da adaptação do sujeito para que, em um segundo momento, seja enfocada a adequação da adaptação global do mesmo, envolvendo os quatro setores. Considera que uma crise em um setor pode desencadear crise nos demais setores. Assim sendo, uma doença orgânica pode desencadear piora na produtividade e/ou no relacionamento familiar (SIMON, 1989).

Nesse sentido, a adequação da adaptação é vista por Simon (1989; 2005) como uma relação complexa entre fatores internos e externos, que levam o sujeito a apresentar respostas às situações por ele vividas, sejam elas críticas ou não, englobando vários aspectos de sua

vida, podendo ser transformada ao longo do tempo a depender de conteúdos externos do sujeito e das condições externas a ele.

Simon (2005) apresenta alguns conceitos que considera básicos ao que concerne à teoria da adaptação. Dentre eles está o conceito de fatores internos e externos, nomenclatura utilizada pelo autor para designar fatos mediados pelo ego que interagem entre si e influenciam a adequação adaptativa.

Com relação aos fatores externos, Simon (2005) os caracteriza como sendo fatores objetivos externos ao sujeito, englobando aspectos ambientais, sendo ligados aos aspectos sócio-culturais e produtivos, além de fatores objetivos dos relacionamentos interpessoais. Fazem parte também dos fatores externos, os fatores objetais externos. São fatores que existem fora da personalidade do indivíduo e que para os quais este atribui significado e aos quais está ligado emocionalmente.

“Tudo o que não tiver significado emocional para o sujeito não existe psicologicamente para ele e não constitui alvo da teoria da adaptação” (SIMON, 2005, p.51). Essa afirmação é fundamental para a compreensão que o autor trás de que o conceito de objetos externos não é sinônimo de mundo objetivo. Mesmo porque, o autor compreende o conceito de objeto a partir da teoria Kleiniana, para a qual o objeto externo é assimilado pelo sujeito através de mecanismos de introjeção, projeção e identificação projetiva. Em outras palavras, o mundo externo existe independentemente do sujeito, mas a forma como este compreende e experimenta o mundo acontece através da interação do sujeito (e de seus fatores internos) com o mundo. A respeito dos fatores externos, Simon (2005) também descreve que eles podem colaborar com a qualidade da adaptação ou prejudicá-la. Em situações de crise, os fatores externos, ao interagirem com os fatores internos, podem influenciar nas respostas dadas para cada setor, o que pode levar a mudanças na eficácia adaptativa. Nesse sentido, a noção de fatores externos é fundamental porque as situações- problema acontecem justamente como resultado das relações do sujeito consigo e com os objetos externos e as soluções dadas às situações-problema são resultado da interação entre os fatores internos com os fatores externos.

A respeito dos fatores internos, o autor descreve que são relativos ao mundo mental do indivíduo, além de considerar o setor orgânico. Os fatores internos são discriminados em quatro tipos: fatores tensionais, resultantes de pressões exercidas pelos desejos, necessidades e emoções (pulsões do id) referentes aos relacionamentos e às relações intrapsíquicas do self com seus objetos internos; fatores defensivos, referentes aos mecanismos de defesa; fatores objetais, baseados na teoria Kleiniana, referem-se às relações entre os objetos internos com o

ego e entre si; por fim, os fatores orgânicos são relativos às funções orgânicas, sono, alimentação, sexo e cuidados próprios com o corpo, saúde e higiene (SIMON, 2005).

Tanto os fatores internos como os externos podem ser considerados como positivos ou negativos a depender da influência que exercem na adaptação do indivíduo. Fatores internos ou externos positivos são aqueles que melhoram a adequação adaptativa ou a mantém eficaz. Os fatores internos ou externos negativos são aqueles que contribuem na piora da adequação adaptativa ou a mantém pouquíssimo eficaz. O ego media a interação entre os fatores internos e externos que resulta nas respostas adaptativas que o indivíduo apresenta. Essas respostas são memorizadas e agem como predisposições adaptativas, ou seja, influenciam diretamente novas respostas dadas a novas situações problema, bem como influenciam na interação com situações problema passadas quando o indivíduo busca compreensão das mesmas (SIMON, 2005).

Tratando a respeito dos fatores internos, Simon (2005) utiliza a teoria psicanalítica como ponto de partida para considerar que processos intrapsíquicos (defesas e pulsões) mediam a qualidade da adaptação, induzindo o tipo de adequação das respostas dadas às situações problema. Nesse sentido, fatores defensivos (mecanismos de defesa) são compreendidos como o modo do ego lidar com os conflitos, quer sejam eles originados no mundo externo ao sujeito, quer sejam conflitos internos, os quais incluem o superego e as pulsões do id (fatores tensionais).

Tratando mais especificamente sobre os fatores internos tensionais, Simon (2005) considera que os fatores tensionais se configuram de tal forma a corresponder ao equilíbrio entre os impulsos de vida e de morte, ou à predominância de um dos dois, sendo que isso se constitui de modo que tendemos, em circunstancias habituais, a apresentar certa tendência de constância de um estado predominante dos impulsos de vida e de morte.

Para os casos de equilíbrio entre as pulsões de vida e de morte, pode-se antever soluções mais propensas a serem cordatas, colaborativas, respeitosas e criativas, já para os casos em que uma pulsão predomina sobre a outra, pode-se prever o oposto, soluções pouco cordatas, pouco colaborativas e desrespeitosas, ou ainda, soluções indiferentes e desconsideradas que levam a uma criatividade destrutiva ou nula. Semelhantemente aos fatores tensionais, Simon (2005) descreve os fatores internos defensivos como equilibrados, insuficientes ou excessivos. Os fatores defensivos equilibrados contribuem para uma adaptação eficaz, já fatores defensivos excessivos ou insuficientes prejudicam a adequação das respostas, resultando em prejuízo da qualidade adaptativa.

desenvolvimento em que o indivíduo se encontra e da situação-problema que vivencia. Além disso, ressalta que as defesas são originadas pelas pressões internas que podem estar combinadas com eventos externos (SIMON, 2005).

Parece importante ressaltar um comentário que o autor faz a respeito dos mecanismos de defesa alertando quanto ao risco de considerar todo e qualquer mecanismo de defesa como patológico, uma vez que os mecanismos são, em princípio, adaptações adequadas que podem tornar-se inadequadas a depender das circunstâncias. Os mecanismos de defesa são meios de o individuo lidar com o sofrimento e desprazer, porém há casos em que, na tentativa de diminuir o sofrimento, o sujeito acaba por aumentá-lo, o que prejudica a adaptação (SIMON, 2005).

Relacionando o conceito de fatores com a adequação das repostas, Simon (2005) conclui que soluções consideradas adequadas são favorecidas pelo predomínio de pulsões de vida; soluções pouco adequadas são favorecidas pela inconstância na predominância de pulsões de vida e de morte, sendo que ora uma predomina, ora a outra predomina; já as soluções pouquíssimo adequadas são favorecidas pelo predomínio das pulsões de morte, insuficiência das pulsões de vida ou, em casos raros, pelo predomínio excessivo das pulsões de vida.

Quando os mecanismos de defesa tornam-se rígidos, quer por insuficiência, quer pelo excesso, o indivíduo fica predisposto a soluções menos adequadas, com poucas gratificações e com conflitos, seja com o superego, com o id, com o meio externo, ou com todos eles. Essa rigidez é considerada como fator interno negativo, já a flexibilidade dos mecanismos de defesa é considerada como fator interno positivo. Com o predomínio de respostas pouquíssimo adequadas, há a tendência de uma piora do quadro, dando vazão a um processo degenerativo decorrente de pulsões de morte (SIMON, 2005).

Para o enfrentamento e busca de solução inerentes a qualquer situação-problema, o sujeito utiliza as funções egóicas para lidar com os fatores internos e externos. No caso das tensões internas (necessidades, desejo e emoções) o ego é responsável por harmonizar o id, o superego e os fatores externos, sendo mais eficazmente adaptado aquele indivíduo que consegue obter essa harmonização de modo mais satisfatório, conforme os critérios propostos pelo próprio Simon (1989; 2005).

Tratando especificamente sobre a adaptação de mães de crianças com paralisia cerebral, Coelho, Matos e Monteiro (2002), apresentam uma revisão teórica sobre a adaptação de mães de crianças com paralisia cerebral, a partir de uma abordagem cognitivista e de coping. Descrevem que a mãe vive durante a gestação um período em que o vazio causado

pelo “suspense” de quem será esse filho é preenchido por fabulações idealizadas e aterroradoras e que, após receber o diagnóstico de paralisia cerebral, a mãe alterna em períodos de superproteção e de rejeição da criança, sendo que essas mães têm maior tendência à doença mental do que mães que não possuem filho com deficiência.

Com relação à adaptação de mães de crianças com doença crônica e de mães de crianças com deficiência, a adaptação desses dois tipos de mães é similar, já que os dois quadros clínicos ocasionam alterações permanentes nas condições de vida e diminuição da adaptação e funcionalidade em comparação à criança sem doença crônica ou deficiência. Para esses dois tipos de mãe, também descrevem que a doença crônica ou deficiência do filho se torna parte da condição de vida da mãe (COELHO, MATOS e MONTEIRO, 2002).

Os autores apresentam alguns modelos adaptativos e descrevem que, apesar de divergências teóricas quanto à adaptação de mães de crianças com doença crônica ou deficiência, a literatura consultada aponta maior ocorrência de mal-estar, depressão, ansiedade, hostilidade, maiores níveis de stress, recurso a tratamento psicológico e psiquiátrico nas mães de crianças deficientes, se comparadas aos pais dessas crianças ou a mães de crianças sem doença crônica (COELHO, MATOS e MONTEIRO, 2002).

Descrevem que essa visão é criticada por outros autores que defendem que há famílias com adaptação positiva à deficiência de um de seus membros. Para os autores, em uma visão da psicologia cognitiva, essas mães apresentam melhor adaptação e menor ocorrência de doença mental do que seus maridos (COELHO, MATOS e MONTEIRO, 2002).

1.5. ALGUNS SUBISÍDIOS TEÓRICOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DA

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