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Dialetologia e geolinguística

No documento MILENA BORGES DE MORAES (páginas 82-87)

CAPÍTULO I - CORPUS ESCRITO MEMORIA: CARACTERÍSTICAS CONSTITUTIVAS CONSTITUTIVAS

2.2 INSTRUMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA DE CAMPO -

2.2.1 Dialetologia e geolinguística

Para obter-se um real conhecimento de um grupo humano além de pesquisar sua história, seus costumes ou o ambiente em que vivem, é imprescindível "observar a forma particular de ele representar a realidade que o circula" (BRANDÃO, 1991, p. 6), ou seja, a língua, a qual tem sido estudada de diversos ângulos teóricos. Interessa-nos também neste trabalho os pressupostos teórico-metodológicos da Dialetologia acerca da Língua Portuguesa

no Brasil, cuja preocupação está pautada há algum tempo com a diversidade linguística existente no país, em virtude da sua extensão territorial e das influências linguísticas recebidas em detrimento do processo de povoamento e colonização a que foi submetido, bem como das condições em que se deu sua independência política e seu posterior.

De acordo com Cardoso (2010, p. 15), a dialetologia "é um ramo dos estudos linguísticos que tem por tarefa identificar, descrever e situar os diferentes usos em que uma língua se diversifica, conforme a sua distribuição espacial, sociocultural e cronológica." Para isso, essa disciplina estabeleceu-se a partir de uma complexa metodologia de trabalho em campo, precisa e estruturada, visando a busca do registro dos dados linguísticos orais.

Ferreira e Cardoso (1994), por sua vez, chamam a atenção para o processo de dialetação no Brasil que vem, gradativamente, instalando-se a partir de uma precisa e estruturada metodologia de trabalho, mostrando como proceder para buscar, na sua verdadeira fonte, os dados linguísticos que traçam o perfil do português do Brasil. Em se tratando da pesquisa dialetal, há um antes (fase de preparação), um durante (fase de execução) e um

depois (fase de análise). “É preciso definir o antes, ter coragem para o durante, paciência e

gosto para o depois” (p. 9). Nesse viés, ao definir o antes novas indagações põem-se ao pesquisador: “a quem perguntar (os informantes), o que perguntar (o questionário), onde perguntar (as localidades) e quem perguntar (o inquiridor)” (p. 9).

Ainda que algumas das etapas já foram revisadas e modificadas, é importante conhecer como foram pensadas inicialmente, até mesmo para compreender os critérios da pesquisa dialetal atual. Na verdade, o estudo dialetológico, no Brasil, tem-se aprimorado com metodologias que contribuam para a elaboração não só de atlas por meio de descrições criteriosas, mas também de análise e interpretação de fatos linguísticos com maior propriedade.

Seguindo esse raciocínio, são notórias as três diferentes fases para a história dos estudos dialetais no Brasil apresentadas por Ferreira e Cardoso (1994). Sendo a primeira fase, entre os anos de 1826 a 1920, em que foram desenvolvidos vários trabalhos relacionados, principalmente, ao estudo do léxico e suas especificidades no português do Brasil. Esses estudos originaram numerosos dicionários, vocabulários e léxicos regionais.

A segunda fase, 1920 a 1952, inicia-se com a publicação de O dialeto caipira de Amadeu Amaral e se estende até 1952, momento em que se dão os primeiros passos para o sistemático desenvolvimento da Geolinguística em território brasileiro. Ferreira e Cardoso (1994) afirmam que o tratamento acerca dos níveis fonético, lexical, morfológico e sintático a

que se junta um vocabulário típico da área fazem da obra de Amadeu Amaral um marco e um modelo na descrição dos falares regionais do Brasil.

No que se refere à terceira fase, de 1952 a 1996, é marcada pela implementação dos estudos de geografia linguística no Brasil e produção de trabalhos com base em corpus constituído de forma sistemática. Ao exporem a terceira fase, Ferreira e Cardoso (1994) destacam quatro grandes pioneiros que contribuíram aos estudos dialetológicos no Brasil, no que se referem à defesa do estudo dialetal e à implantação dos estudos de geografia linguística, a saber: Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto, Celso Cunha e Nelson Rossi.

O Decreto 30.643, de 20 de março de 1952 (BRASIL, 1952), também marcou essa fase, pois definia as finalidades da Comissão de Filologia da Casa de Rui Barbosa, que vinha de ser criada, assentava como a principal delas a elaboração do Atlas Linguístico do Brasil. No entanto, apesar da promulgação dessa Lei, só em 1996 houve a implantação do Projeto ALiB. Uma nova visão se introduziu na abordagem dos fenômenos da variação linguística no país.

Sobre a importância da geografia linguística, Brandão (1991, 23-24) ressalta que trata-se de um

[...] método por excelência da dialectologia - para o conhecimento das peculiaridades da língua portuguesa, que no Novo Mundo, falava por novas gentes, entrechocando-se com outras línguas, espelhando novas experiências, enriqueceu-se, renovou-se, ganhou e resguardou formas e sons que permitem a cada brasileiro inserir-se num universo maior - o da comunidade lusofônica - sem, no entanto, deixarem de garantir-lhe identidade cultural própria, enfim, essa tão fascinante singularidade que, hoje, mais do que nunca, se começa a descobrir e a respeitar.

Diante do surgimento do Projeto ALiB na última década do século XX, Isquerdo (2004, p. 391) propõe o acréscimo da quarta fase, que tem início com o nascedouro desse Projeto:

[...] esse projeto representa um divisor de águas na pesquisa geolinguística e dialetológica no Brasil, uma vez que a concretização de um projeto nacional que se propõe a descrever a variante brasileira da Língua Portuguesa e mapeá-la em um atlas nacional e que, pela sua abrangência e pela dimensão espacial dos que o dirigem, agrega pesquisadores fixados nas diferentes regiões brasileiras veio trazer novo e significativo impulso para pesquisas na área.

O Projeto ALiB firmou-se como um projeto de caráter nacional, pela sua abrangência e distribuição espacial dos que o dirigem, por ocasião do Seminário Caminhos e Perspectivas

para a Geolinguística no Brasil, realizado em Salvador, na Universidade Federal da

Bahia|Instituto de Letras, que reuniu pesquisadores no campo da Dialetologia, contando com a presença de todos os autores de atlas linguísticos até àquela época já publicados - os atlas (pela ordem de publicação) da Bahia (Atlas Prévio dos Falares Baianos - APFB, 1963), Minas

Gerais (Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais - EALMG, 1977), Paraíba (Atlas Linguístico da Paraíba - ALPB, 1984), Sergipe (Atlas Linguístico de Sergipe - ALS, 1987) e Paraná (Atlas Linguístico do Paraná - ALPR, 1994), de pesquisadores que iniciavam a elaboração de Atlas linguísticos regionais, e de professores interessados na pesquisa dialetal. Desde então, instituiu-se um Comitê Nacional - "órgão que dirige e coordena todas as atividades do Projeto ALiB. Seus membros representam os atlas regionais já publicados e os atlas em andamento no Brasil"36.

O Projeto ALiB propõe entre os seus objetivos, definir parâmetros e instrumentos para a descrição da realidade linguística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque na identificação das diferenças diatópicas (fônicas, morfossintáticas, léxico-semânticas e prosódicas) consideradas na perspectiva da Geolinguística (COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALIB, 2001).

Para isso, foi selecionada uma rede de 250 (duzentos e cinquenta) localidades distribuídas por todo o território nacional e representativas das diversas regiões, devendo ser registrados 1.100 (mil e cem) informantes distribuídos pelos dois sexos, de duas faixas etárias e de dois níveis de escolaridade. A recolha de dados se processa mediante a aplicação de questionários específicos, com gravação integral das entrevistas. Os questionários linguísticos estão estruturados do seguinte modo: Questionário Fonético-Fonológico - QFF (perguntas 1 a 159), Questionário Semântico-Lexical - QSL (perguntas 1 a 202), Questionário Morfossintático - QSM (perguntas 1 a 49), além de questões de prosódia e de pragmática, de temas para discursos semidirigidos, perguntas metalinguísticas e um texto para leitura.

No que concerne à história da Dialetologia com os estudos de Geografia Linguística, teve marco Gilliéron, com o Atlas Linguistique de la France (1902-1910), e tem revelado, no curso do tempo, diferentes procedimentos metodológicos. Quanto à natureza da área investigada, a Geolinguística produziu, inicialmente, atlas nacionais, dos quais o Atlas de Gilliéron é o primeiro exemplo, a que se seguiram atlas regionais, como os de que dispomos em relação ao Brasil, atlas continental, dentre outros.

Em relação ao tipo de dados, a Geolinguística, "como a própria denominação lhe impõe e a natureza dos dados que busca reunir exige, permanece, na sua essência, diatópica sem, porém, descurar do aspecto multidimensional de que se reveste o ato de fala e de cuja consideração, no mundo atual, não se pode eximir (CARDOSO, 2001, p. 42).

Pode-se inferir que a Geolinguística, Dialetologia, apesar de continuar considerando a variação diatópica como primordial, não se exime de considerar "fatores extralinguísticos, inerentes aos falantes, nem relegar o reconhecimento de suas implicações nos atos de fala" (CARDOSO, 2010, p. 25). A metodologia do Projeto ALiB, por sua vez, orientou-se a partir dessa concepção e acresceu fatores de natureza social, beneficiando, assim, das contribuições teóricas da Sociolinguística. Variáveis como idade, sexo, escolaridade se juntam à variável geográfica.

Sobre a inclusão dessas variáveis nos estudos dialetógicos, Brandão (1991, p. 26) já as defendia "a fim de que se revelem ao máximo as peculiaridades do sistema dialetal focalizado e se possam melhor conhecer os condicionamentos socioculturais que presidem à distribuição geográfica dos fenômenos linguísticos", bem como "elas se mostram de particular importância para que melhor se compreendam os fatores que determinam a conservação de certos traços linguísticos ou a difusão de inovações." (p. 31).

Brandão (1991, p. 12) ressalta ainda que "mas é certo, por outro lado, que os princípios da geografia lingüística combinados aos da sociolinguística podem ensejar um melhor conhecimento dos mecanismos com que opera uma língua e dos fatores que determinam sua evolução". É de consenso que entre a Dialetologia e a Sociolinguística há objetivos convergentes, "ambas perseguindo a variação, ambas mantendo sob controle variáveis diversas" (CARDOSO, 2010, p. 25). No entanto, apesar de o enfoque diatópico e sociolinguístico se fazer presente em ambas, cada uma delas atribuem um caráter particular e individualizante no tratamento do seu objeto de estudo. Nestes termos, Cardoso faz a seguinte ressalva:

Distinguem-se, no entanto, na forma de tratar os fenômenos e na perspectiva que imprimem à abordagem dos fatos linguísticos. A dialetologia, nada obstante considerar fatores sociais como elementos relevantes na coleta e tratamento dos dados, tem como base da sua descrição a localização espacial dos fatos considerados, configurando-se, dessa forma, como eminentemente diatópica. A sociolinguística, ainda que estabeleça a intercomparação entre dados diferenciados do ponto de vista espacial, centra-se na correlação entre os fatos linguísticos e os fatores sociais, priorizando, dessa forma, as relações sociolinguísticas. (CARDOSO, 2010, p. 26, grifos nossos).

O desenvolvimento do Projeto ALiB, por sua vez, permitiu a construção de uma metodologia pautada pelos princípios de uma Geolinguística, juntando-se a visão diatópica à visão sociolinguística, assegurando-se, assim, que os resultados venham a fornecer um amplo retrato do português brasileiro.

Assim, considerando que Cardoso (2010) chama a atenção de que a rede de pontos, bem como os informantes e os questionários, é um tripé básico que fundamenta a pesquisa de

cunho dialetal e os pressupostos teórico-metodológicos do Projeto ALiB, o processo metodológico deste estudo encontra-se dividido em etapas, a saber: localidade; questionário semântico-lexical; informantes; pesquisa de campo e transcrições das entrevistas, como se relata sucintamente a seguir.

No documento MILENA BORGES DE MORAES (páginas 82-87)