• Nenhum resultado encontrado

População portuguesa, população espanhola e governo do Paraguai

No documento MILENA BORGES DE MORAES (páginas 51-55)

CAPÍTULO I - CORPUS ESCRITO MEMORIA: CARACTERÍSTICAS CONSTITUTIVAS CONSTITUTIVAS

1.4.3 População portuguesa, população espanhola e governo do Paraguai

Na seção sobre população, Ricardo Franco apresenta o número de habitantes da Capitania de Mato Grosso, o de domínio espanhol e o do Paraguai, com ênfase no número de homens que poderiam atuar em uma eventual guerra, tanto em prol da Coroa Portuguesa quanto da Coroa Espanhola, além de preocupar-se com os recursos de que a Capitania de Mato Grosso precisaria. Esses dados expostos nos auxiliam no entendimento da constituição de bases humana e linguística brasileira do século XVIII, na referida Capitania.

Observa-se a descrição da população da Capitania de Mato Grosso no manuscrito

Memoria:

A Populaçaõ da Capitania de Matto Grosso| anda por vinte e quatro mil almas; dezoito mil,| com curta diferença, na Villa do Cuiaba, e seus|| adjacentes Arraiaes, e seis mil similhantemente | em Villa Bella, Capital deste Governo General,| e comparando esta populaçaõ com huma que te= nho do anno de 1787, entaõ mais diminuta, rezulta|

Escravos de ambos os Sexos... 11:664. Mulheres de todas as idades... 6:088. Velhos de sincoenta annos para cima... 884. Rapazes de 1 ate 15 annos... 2:616. Homens de 16 ate 50 annos... 2:748.

Soma... 24:000. (p.151-153).

Nesse excerto, é possível constatar que dos 24000 habitantes, 2748 são homens entre 16 a 50 anos que poderiam atuar em uma possível guerra, os que estavam empregados no serviço público, sendo eles:

[...] administraçaõ da Justiça, eFa=| zenda, e Altar; os Mineiros, Lavradores, Fazen=| deiros, e Comerciantes; assim como Feitores, Cai=| xeiros, Pilotos, Remeiros, e mais empregos anne=| xos a cada huma destas Classes, a que ainda se| derem ajuntar Carpinteiros, Ferreiros, e outros| officios mecanicos (p. 153).

Sendo assim, os homens "capazes de pegar em armas" (p. 151), totalizavam 1500 que, estrategicamente seriam distribuídos pelos lugares considerados mais importantes e expostos da extensa fronteira, a saber: "Forte de Principe; Villa Bella, Coimbra, e| Miranda" (p. 155).

Os recursos de que a Capitania de Mato Grosso precisaria para sustentar uma guerra poderiam ser provenientes das Capitanias: "Graõ Pará" e "Goiaz". No caso da primeira, havia alguns empecilhos, devido ao número reduzido de população e a impossibilidade de se enviar tropa. Além disso, essa Capitania era confinada com franceses e holandeses que muitas vezes apoiavam a Espanha em guerras. A Capitania de "Goiaz", apesar de ser a "mais prom=| pta, e naturalmente deve socorrer esta sua| vizinha, e exposta Capitania, tanto em gente,| para o que he assaz povoada, como em maior| quantidade de ouro, recurso indispensavel, e| nervo principal da guerra"(p. 157), recusava-se a prestar auxílio devido a uma "oculta fatalidade" (p. 157).

A população espanhola, das províncias mais vizinhas com a Capitania de Mato Grosso, de acordo com o manuscrito, registrava um total de 120000 habitantes, sem contar com os 25000 habitantes da "Cidade de Chuquisaca, ou de la Plata" (p. 159), que, por sua vez, já havia auxiliado duas vezes os espanhóis com tropa para atacar a "Fortaleza da Conceiçaõ no Guaporé" (p. 161).

Por sua vez, a população do "Governo do Paraguai", chegava a um total de 113 mil habitantes. A propósito da participação em conflitos bélicos,

Ella mandou tres| mil homens do socorro para Buenos Aires| na guerra em que se enlaçou Espanha con=| tra a Inglaterra pelos annos de 1780 quando| auxiliou os Americanos Inglezes sublevados|| e fazendo a guerra a sua Capital, e mesma Naçaõ.| Os recursos deste Governo, como lhe podem vir do| porto Maritimo de Buenos

Aires, seraõ sempre| faceis, e os precizos conduzidos nas suas grandes| Embarcaçoẽs

podendo ainda ser auxiliado este Go=| verno pelo de Tucuman, e pelo do Paraná. (p. 161-163).

A respeito da aparente desvantagem da Capitania de Mato Grosso frente aos espanhóis, em relação ao número de habitantes, Ricardo Franco assegura:

Pelo que o total da Populaçaõ de todas estas Pro=| vincias Espanholas, confinantes com a Capitania| do Matto Grosso, e todas subalternas do Vice Rei de| Buenos Aires, corresponde a duzentos e quarenta| mil habitantes. E como nellas os Escravos| saõ raros, e numerosas as Povoaçoens de Indios| substituindo huns por outros, rezulta pela pro=| porçaõ da Capitania do Matto Grosso:

Indios de ambos os Sexos... 116:640. Mulheres de todas as idades... 60:880. Velhos de 50 annos para cima... 8:840. Rapazes de 1. ate 15 annos... 26:160. Homens de 16 ate 50 annos... 27:480.

Soma total... 240:000. (p. 163).

Ricardo Franco considera que o número de 27480 homens da Província Espanhola, entre 16 a 50 anos, aptos para lutarem em guerra contra a Coroa Portuguesa, por um lado, não se configurava desproporcional ao número de homens existentes na Capitania de Mato Grosso, 1500; por outro, faz a ressalva de que milhares de índios poderiam ajudar na guerra aos espanhóis, já que dos onze mil escravos, poucos eram de confiança, isso porque consideravam seus senhores como inimigos e buscavam meios para a liberdade que almejavam.

Ao remeter-se aos escravos negros e seus desejos de liberdade, e que "buscaõ logo| que achaõ meios de a conseguir" (p. 165), Ricardo Franco refere-se aos quilombos, em que "se refugiava uma população variada - negra, índia e branca pobre - que, fugindo à opressão sofrida, optavam por viver livremente" (SIQUEIRA, 2002, p. 122). Em Mato Grosso, bem como em todo o Brasil, houve inúmeros quilombos, sendo, de acordo com Siqueira (2002, p. 122-123), o mais famoso em Mato Grosso o do "Piolho ou Quariterê, situado na região do Guaporé, próximo ao rio Piolho, erguido entre os anos de 1770/1771".

No caso dos índios no domínio espanhol, apesar de ser um número considerável, não oferecia vantagem aos espanhóis, pois eram imprevisíveis em razão do modo de vida a que estavam acostumados no seu dia a dia:

[...] saudozos sempre da livre pos=| se com que as frescas sombra dos ferteis Bos=| ques da Zona torrida, e no regaço da indo=| lente preguiça, gozaraõ por tantos seculos os| mesmos vastissimos, e ricos Sertoens, e terrenos,| que hoje pelo direito

da força dominaõ os| Espanhoes, fazendo esta perda, que olhem com| concentrada antipatia, a estes seus oppressores,| os quaes lhe deixaraõ huma apparente liber=| dade, com vizos de real Captiveiro. (p. 165).

Segundo os dados apresentados no manuscrito Memoria, quase 50% da população da Capitania de Mato Grosso, no final do século XVIII, era composta por negros. Fausto (1995, p. 135), por sua vez, pondera que "não há números confiáveis sobre a população do Brasil no fim do período colonial. As contagens mandadas realizar pela Coroa excluíam com freqüência os menores de sete anos, os índios e algumas vezes até os escravos."

Ainda nesse campo de constituição da população mato-grossense no período Colonial, Siqueira (2002), em seu Capítulo 10 intitulado "Panorama sociocultural - A sociedade colonial", observa que a sociedade mato-grossense era composta por várias camadas sociais, dividindo-as em "homens livres" e "escravos". Quanto aos "homens livres", compreendiam as Elites, a Camada Média, os Homens Livres pobres. As Elites eram compostas pelos fazendeiros, grandes comerciantes, burocratas do Estado; a Camada Média "por profissionais liberais, baixo clero, professores, funcionários públicos, militares, ambos de médio posto e pequenos comerciantes." (SIQUEIRA, 2002, p. 58); já a categoria Homens Livres e Pobres, era composta por militares de baixa ou nenhuma patente, mineiros, pequenos agricultores e soldados "oriundos das famílias de poucas posses" (SIQUEIRA, 2002, p. 59).

No que concerne aos "escravos", Siqueira (2002, p. 59) afirma que "constituíam uma significativa parcela da sociedade mato-grossense. Era essa camada social composta de negros africanos ou seus descendentes e pelos índios, conhecidos como 'negros da terra'."

Assim, pode-se afirmar que o português, o índio, o negro escravo e os migrantes constituíram, durante o período colonial, as bases humana e linguística mato-grossense. Ademais, no que diz respeito à região de Cuiabá, e por extensão a região de Cáceres, conviveram, "em diferentes momentos e em diversos graus de intensidade, as línguas indígenas nativas, a variedade castelhana da fronteira, a língua dos bandeirantes colonizadores, diversas variedades do português ali introduzidas pelos sertanistas migrantes, além da variedade falada pelos escravos para lá transferidos". (DETTONI, 2003, p. 197).

No início do século XVIII, houve um significativo aumento na população de Mato Grosso devido à descoberta do ouro. No entanto, à medida em que ocorreu o enfraquecimento das minas auríferas, o povo foi se dispersando, ocasionando uma certa estagnação, o que dificultou os interesses da Coroa Portuguesa, inclusive a manutenção da política de conquistas e defesa, conforme apresentado no manuscrito Memoria, ficando um número

pequeno de população na Capitania de Mato Grosso no final do século XVIII, o que preocupava os governantes.

No documento MILENA BORGES DE MORAES (páginas 51-55)