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3.3. Diferenças entre os casos estudados

3.3.1. Diferenças de resultado

Na lista das diferenças entre os resultados de empreendedorismo acadêmico dos dois casos estudados, figuram: (i) quantidade de empresas oriundas das universidades, (ii) quantidade de tecnologias licenciadas pelas universidades, (iii) internacionalização das empresas oriundas das universidades.

A primeira diferença de resultado que notamos diz respeito ao empreendedorismo acadêmico: enquanto há aproximadamente 4.900 empresas oriundas de Cambridge ativas, isso é, que tem pelo menos um fundador que tem ou teve vínculo com a universidade, para a Unicamp esse número gira em torno de 2.400, ou seja, é aproximadamente a metade. Desse universo, analisamos dados a respeito de 961 empresas para o primeiro caso, e 488 para o segundo.

Todavia, apesar da evidente disparidade, é preciso fazer um exercício para relativizá-la a partir do cruzamento com informações referentes às diferenças de contexto. Primeiramente, é interessante notar que a discrepância no volume de fontes de investimento e

parcerias e redes nos dois casos analisados não é proporcional aos seus respectivos volumes

de empresas. Trata-se de dois campos recorrentemente mencionados como de grande importância no estímulo ao empreendedorismo, e as diferenças não são desprezíveis: enquanto Cambridge conta com oito fontes de venture capital; quatro de investimento anjo externo à universidade e quatro geridas pelo seu Escritório de Transferência de Tecnologia, a região da Unicamp tem apenas um grupo de investidores anjo, que é externo à universidade. Ou seja, Cambridge tem 16 diferentes fontes de investimento para apoiar start-ups e spin-offs, enquanto que Campinas tem apenas duas, e ainda assim, aquela região tem apenas o dobro de empreendimentos do que essa.

Da mesma maneira, no quesito de parcerias e redes, elementos muito importantes para empreendedores presentes e potenciais adquirirem e trocarem conhecimentos, além de formarem suas redes de contatos, Cambridge conta com um total de 21 iniciativas, sendo que a mais antiga data de 1987, enquanto que no entorno da Unicamp há apenas três, todas criadas depois do ano 2000. No primeiro caso, observa-se uma grande variedade de iniciativas. Há aquelas que são internas à universidade (ex. grupo para membros da comunidade acadêmica interessados em empreendedorismo e inovação), externas (ex. fóruns para discutir tópicos

relacionados a manufatura de alto valor) e mistas (ex. eventos que reúnem acadêmicos e representantes da indústria para identificar áreas de interesse comum); há iniciativas gerais e focadas em áreas de atuação específicas (ex. web design ou energia e meio ambiente), há algumas frequentadas somente por empreendedores, e outras que envolvem também investidores, indústria e o setor público; há iniciativas locais de Cambridge, outras em parceria com Londres, com a Europa e com os Estados Unidos. Ou seja, há não só um grande volume, como também uma grande variedade de iniciativas voltadas para a criação e fortalecimentos e parcerias e redes de empreendedores.

Já no entorno da Unicamp, observa-se apenas três iniciativas: um grupo de alunos interessados em empreendedorismo, um grupo de alunos e ex-alunos empreendedores, e uma associação de start-ups da região. No entanto, a extraordinária diferença entre as quantidades de parcerias e redes da região de Cambridge e da Unicamp parece não se traduzir em semelhante desproporção entre o volume de empreendedorismo acadêmico da primeira e da segunda.

O segundo item na lista de diferenças de resultados é a exploração comercial da propriedade intelectual, e nesse caso nota-se uma diferença muito mais expressiva do que a das quantidades de empresas: em 2017 a Unicamp licenciou 23 tecnologias, e entre 2007 e 2017, licenciou um total de 127. Já Cambridge, em 2017 licenciou 126, e no período de 2007 a 2017, licenciou um total de 1.135 tecnologias. Conforme ilustra o Gráfico 3.5, os números de licenciamentos da universidade de Cambridge são muito maiores do que os da Unicamp desde a criação de seu escritório de transferência de tecnologia em 2007: em média, Cambridge assina 11,2 vezes mais licenças por ano do que a Unicamp.

Gráfico 3.5 Quantidade de licenças de transferência de tecnologia assinadas por ano na Universidade de Cambridge e na Unicamp

Fonte: elaboração própria a partir dos relatórios anuais dos respectivos ETTs.

Dentre os fatores que explicam essa diferença, destaca-se o fato de que o escritório de transferência de tecnologia de Cambridge está mais bem equipado do que o da Unicamp sobretudo no que diz respeito a: (i) existência de um fundo de prova de conceito, que investe nas tecnologias mais promissoras da universidade antes de licenciá-las, deixando- as assim mais preparadas para aplicação no mercado, e consequentemente mais atrativas para licenciamento; e (ii) qualificação da equipe: enquanto a de Cambridge é altamente profissionalizada desde a sua fundação, a Unicamp em seus primeiros dez anos de existência (2003-2013) sofreu com a baixa permanência de pessoal em função da dificuldade de obter vagas permanentes junto à administração central da universidade, dependendo portanto excessivamente de bolsistas, cuja rotatividade é inevitável e invariavelmente alta.

Em terceiro lugar, dentre as diferenças de resultados de empreendedorismo acadêmico, destaca-se também a questão da internacionalização. As empresas oriundas de Cambridge apresentam alto grau de internacionalização, que se manifesta nos fatos de que: (i) apenas 50% tem sede no Reino Unido, 25% tem sede nos EUA e as demais sedes estão espalhadas por quase 40 países58 em todos os continentes; (ii) dentre as empresas que

58 Os países em que há sede de empresas oriundas de Cambridge, além do Reino Unido, são: África do Sul, Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Hong Kong, Índia, Indonésia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Jordânia, Malta, México, Noruega, Paquistão, Polônia, Portugal, Quênia, Rússia, Singapura, Suécia, Suíça, Tailândia, Taiwan, Turquia e Vietnã (total de 39).

0 20 40 60 80 100 120 140 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 10 4 4 7 10 13 8 11 15 23 22 60 80 83 97 116 84 109 130 123 127 126 L ic e n ç a s a ss in a da s Unicamp Cambridge

possuem filial (88% do total), 84% tem pelo menos uma filial no exterior59; e (iii) 54% do total, exportam.

Já na região de Campinas, não só todas as empresas sem exceção têm sede no Brasil, como 60% tem sede na cidade de Campinas e 95% tem sede no estado de São Paulo. Além disso, apenas 11% delas têm filial, e dessas, 29% são no exterior60 - ou seja, apenas 3% da amostra total tem presença no exterior. Finalmente no quesito exportação, apenas 13% das empresas oriundas da Unicamp a praticam.

Adicionalmente, é interessante analisar os países aonde se estabeleceram essas empresas: no caso de Cambridge, há sedes em 39 países e filiais em 49. Em ambos os casos se observa variedade de tamanho (desde países pequenos como Chipre Liechtenstein, até grandes como Rússia e China) e representação de todos os continentes (Alemanha, Argentina, Quênia, Rússia, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Nova Zelândia, Groenlândia etc). Já no caso da Unicamp, a presença internacional está essencialmente limitada ao continente americano (Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos e México), com uma única exceção de uma empresa que tem filiais também na China, no Japão e no Reino Unido. Assim, pode-se concluir que as empresas oriundas da Unicamp apresentam presença eminentemente local, enquanto que as de Cambridge tem considerável projeção global.

Uma possível explicação para esse fenômeno é a quantidade de alunos estrangeiros nas universidades. Uma vez que parte considerável do empreendedorismo acadêmico é iniciativa de alunos ou ex-alunos, sobretudo de pós-graduação (Meyer, 2007), acreditamos que o fato de a universidade de Cambridge ter muito mais alunos estrangeiros do que a Unicamp impacta diretamente nas taxas de internacionalização das empresas dela oriundas. Conforme ilustra o Gráfico 3.6, a presença de estrangeiros na graduação da Unicamp é muito reduzida (variando entre 0,5% e 0,7% no período de 2007 a 2016) e na pós- graduação, embora seja consideravelmente maior (variando entre 4% e 6%), ainda está muito

59 Os países em que há filiais de empresas oriundas de Cambridge são: África do Sul, Alemanha, Argentina, Áustria, Austrália, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, Cazaquistão, Chile, China, Chipre, Coréia do Sul, Dinamarca, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Filipinas, Finlândia, França, Geórgia, Groenlândia, Holanda, Hong Kong, Índia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Kuwait, Liechtenstein, Luxemburgo, Macau, México, Nigéria, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Quênia, Rússia, Sérvia, Singapura, Suécia, Suíça, Taiwan e Ucrânia (total de 49).

60

Os países em que há filiais de empresas oriundas da Unicamp são: Argentina, Canadá, Chile, China, Colômbia, Estados Unidos Japão, México e Reino Unido (total de 9).

inferior aos números de Cambridge, cujos cursos graduação contam com 15% a 21% de estrangeiros no período analisado, e cuja pós-graduação conta com entre 56% e 62%.

Gráfico 3.6 Porcentagem de alunos estrangeiros de graduação e pós-graduação na universidade de Cambridge e na Unicamp (2007-2016)

Fonte: elaboração própria a partir dos anuários estatísticos das universidades.

Notamos que a taxa de internacionalização das empresas oriundas da universidade de Cambridge coincide com a de alunos de pós-graduação estrangeiros nela matriculados. Esses alunos, se decidem empreender, frequentemente optam por desenvolver um produto ou serviço voltado para seu país ou região, ou, mesmo que isso não ocorra, têm maior propensão para alocar a sede ou uma filial fora do Reino Unido. Todavia, nem toda presença internacional das empresas oriundas de Cambridge pode ser atribuída à existência de alunos estrangeiros. Ademais, mesmo aquelas que se enquadram nessa categoria, provavelmente apresentam caráter consideravelmente mais global do que aquelas fundadas na região de Campinas, por brasileiros que estudaram na Unicamp.