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4 AS HIPÓTESES DA PESQUISA E SUA BASE TEÓRICA

4.2 Diferenciação de comportamento de acordo com as principais visões teóricas

As abordagens iniciais sobre estrutura de capital não possuem características que distingam claramente os comportamentos de empresas pouco e muito endividadas. No modelo de Modigliani e Miller (1958) sem impostos, a escolha da estrutura de capital é considerada irrelevante, uma vez que o determinante central do valor da empresa seria constituído pelos investimentos por ela efetuados. Nesse contexto, não faria sentido existir qualquer diferença de comportamento entre firmas com pouca ou com muita utilização de alavancagem financeira.

No modelo de Modigliani e Miller (1963) com impostos, a princípio, também não seria possível detectar qualquer diferença, uma vez que o benefício fiscal impactaria todas as empresas, incentivando que qualquer uma se endividasse o máximo possível. Contudo, no final desse artigo os autores ressaltam que na prática não haveria a adoção desse comportamento pelas companhias, uma vez que existem custos relacionados com as dificuldades financeiras (não incluídos em seu modelo), os quais as levariam a estabelecer limites na utilização de capital de terceiros. Assim, sugere-se que há uma relação positiva entre a alíquota marginal de imposto de renda e o grau de endividamento. Mas isso seria mais

forte nas empresas com poucas dívidas do que naquelas muito alavancadas. Possivelmente, nestas últimas a influência de tal fator seja pequena ou não significativa.

No caso do modelo de Miller (1977), o resultado do benefício fiscal dependerá da interação entre as alíquotas de IR para as companhias, para os dividendos de pessoas físicas e para os juros de títulos de dívida recebidos pelas pessoas. De acordo com Ross, Westerfield e Jaffe (2002), para o caso americano, em que a alíquota de imposto sobre os dividendos dos acionistas é, usualmente, maior do que aquela paga pelas firmas, haverá uma situação favorável ao uso do benefício fiscal. Contudo, o ganho será menor do que no modelo de Modigliani e Miller (1963). Em função do maior risco nas empresas mais alavancadas, é provável que o fator tributário seja mais relevante para as firmas com menos capital de terceiros, tal como no caso anterior.

Um ponto adicional a esse respeito é citado por Ross, Westerfield e Jaffe (2002). De maneira geral, os modelos baseados na questão tributária consideram o que é chamado pelos autores de “dedutibilidade ilimitada” – ou seja, a suposta capacidade da firma de sempre poder deduzir mais o seu imposto de renda pelo aumento do endividamento. Contudo, isso esbarra em um limite prático: o lucro operacional da empresa. Caso ela gere juros em valor idêntico a esse lucro, não haverá imposto a pagar. A partir daí, qualquer utilização adicional de capital de terceiros não trará nenhum impacto. Com isso, chega-se a conclusão similar à anterior (embora por outra linha de raciocínio) de que os benefícios fiscais de dívida, provavelmente, causarão pouca influência para as firmas mais endividadas.

Também merece ser citada a questão das tax-shields (deduções fiscais geradas por outras despesas que não as de juros), conforme abordado em DeAngelo e Masulis (1980). Embora sejam pensadas como substitutas das deduções com dívidas, intuitivamente, pode-se inferir que elas são mais necessárias para esse fim nas empresas que já tenham alta utilização de recursos de terceiros. Além disso, a questão de “dedutibilidade limitada”, citada no parágrafo anterior, sugere que uma empresa com elevado volume de tax-shields (com maior redução do lucro operacional) terá limite menor para obter ganhos fiscais com o pagamento de juros. Assim, ela tenderá a se endividar menos, em especial quando estiver nos patamares mais altos de alavancagem financeira.

Sem dúvidas, outro ponto central para esta diferenciação está na existência dos custos de falência, abordados mais profundamente em modelos como o de Kraus e Litzenberger (1973) e o de Kim (1978). Em princípio, como estes modelos se baseiam no conceito de static

trade-off, poder-se-ia deduzir a simples conclusão de que as empresas buscariam sempre o

companhias pouco endividadas buscariam usar mais capital de terceiros, as muito endividadas buscariam reduzir a sua alavancagem e as moderadas buscariam manter-se mais ou menos no mesmo patamar.

Outros fatores, entretanto, poderiam mudar essa tendência. Como destacam Leary e Roberts (2005), é bastante possível que uma firma fique por muitos anos fora de sua faixa ideal de endividamento em função dos elevados custos de transação para o retorno ao nível ótimo. Um desses elementos, sem dúvidas, é o tamanho da firma, tal como destacam Ang, Chua e McConell (1982) ao argumentarem que as grandes empresas tendem a sofrer menos os impactos dos custos de falência, pela maior facilidade de mobilizar recursos, além de deter um nome mais forte no mercado. A partir desta constatação, pode-se inferir que o tamanho exerce, potencialmente, forte influência positiva no grau de endividamento das empresas de todos os tipos, porém mais significativa nas firmas que já têm mais dívidas.

Outro aspecto nessa linha é destacado no trabalho de Titman (1984) no que diz respeito à singularidade (maior grau de diferenciação) dos produtos / processos das empresas, que, se elevada, tende a majorar os custos esperados de falência. Assim, existiria a tendência de que as firmas com grande singularidade se endividassem menos. Porém, nitidamente, isso tenderá a ser mais forte nas firmas que já possuem grande uso de capital de terceiros, pois elas já experimentam maiores custos de falência.

Na mesma linha do raciocínio dos custos de falência, vale a pena avaliar também o impacto dos custos de agência relacionados ao conflito “acionistas e gestores versus credores”. Ross, Westerfield e Jaffe (2002) citam três tipos de estratégias (chamadas pelos autores de “egoístas”) que podem ser usadas pelos gestores em caso de significativa probabilidade de falência e que geram elevados conflitos de agência: a) incentivo a assumir riscos elevados ao se fazer novos investimentos; b) incentivo ao subinvestimento; e c) esvaziamento da propriedade. No primeiro caso, a empresa prioriza projetos de alto risco que: se bem-sucedidos, trarão grandes benefícios aos acionistas, mas somente ganhos fixos preestabelecidos aos credores; e, se forem malsucedidos, os credores receberão menos do que deveriam. No segundo caso, opta-se por não investir em determinados projetos com recursos próprios, pois os ganhos serão repartidos entre acionistas e credores, de tal forma que os acionistas gerarão riqueza em volume menor do que o investimento deles no projeto. No terceiro caso, são feitas distribuições extraordinárias de lucros em situações de dificuldades financeiras, o que deixaria poucos recursos para o pagamento dos credores na situação de uma falência.

Os três autores ressaltam que a ocorrência de todos esses casos será muito mais clara nas empresas altamente endividadas. Com isso, as cláusulas restritivas impostas pelos credores afetarão muito mais este tipo de firma. Somando-se tal conclusão ao argumento de McConnel e Servaes (1995) de que as firmas com maior expectativa de crescimento tenderiam a apresentar mais este tipo de conflito de agência, pode-se deduzir que as empresas que já possuem grande endividamento, mas têm alto potencial de crescimento, tenderão a sofrer forte impacto negativo em seu grau de alavancagem financeira.

Ainda a respeito dos conflitos de agência, é importante ressaltar o papel do conflito entre acionistas e administradores, que gera impacto em algumas variáveis importantes dos estudos de estrutura de capital. Um dos elementos centrais desta questão é a existência de grande volume de fluxo de caixa livre, que serviria de incentivo ao sobreinvestimento – ou seja, ao gasto de recursos em projetos que não geram muito retorno, em especial, nas chamadas “mordomias” para os administradores (JENSEN, 1986). Para evitar isso, a tendência seria a imposição de cláusulas que estabeleçam maior volume de distribuição de dividendos ou, então, maior endividamento. Contudo, nas empresas muito alavancadas, tais iniciativas seriam bastante problemáticas, uma vez que esbarrariam nas cláusulas impostas pelos credores. Assim, sugere-se que a existência de recursos livremente disponíveis pode causar um impacto positivo no endividamento das empresas menos alavancadas.

Outro ponto importante relacionado à questão da agência é a influência da estrutura de propriedade, ponto muito bem retratado em Brailsford, Oliver e Pua (2002). Conforme já citado, os autores encontraram uma relação positiva entre endividamento e concentração de propriedade para percentuais baixos ou medianos de ações detidas pelos gestores principais. Quando a propriedade se torna muito concentrada, a relação passa a ser negativa. Sugere-se, a partir daí, que a estrutura de propriedade exerça impactos diferenciados para firmas com níveis de alavancagem distintos.

Para finalizar este ponto, vale a pena comentar sobre possíveis influências dos modelos baseados em assimetria de informações, como Myers e Majluf (1984), Narayanan (1988) e Viswanath (1993). De maneira geral, estes modelos argumentam em favor da utilização de lucros retidos como fonte primária de financiamento. Assim, estabelece-se a relação tida como a mais forte nos estudos empíricos da área: quanto maior a lucratividade da firma, menor seu endividamento. Contudo, isso tenderá a ser mais claro nas empresas já com muita utilização de capital de terceiros, uma vez que elas possuem mais restrições ao uso adicional desse tipo de recurso. Assim, é possível que nas firmas com poucas dívidas a

captação de empréstimos, especialmente em condições mais favoráveis, possa ocorrer de maneira mais acentuada, o que enfraqueceria a tendência supracitada.

No caso da não disponibilidade em montante suficiente dos recursos gerados internamente, os modelos destes autores predizem a utilização de mais dívidas, sejam elas de baixo risco (MYERS e MAJLUF, 1984) ou elevado (NARAYANAN, 1988), o que só reforça a relação negativa entre lucratividade e endividamento. No entanto, uma situação de elevada alavancagem financeira prévia possivelmente mudaria esta conclusão. Viswanath (1993) sugere a utilização de novos aportes de capital pelos sócios em casos mais específicos, como de necessidade de compartilhar prejuízos ou de elevada expectativa de crescimento.

Como se nota, há um grande campo de especulação a respeito de como os principais fatores influenciariam o endividamento das empresas pouco e muito alavancadas, o que abre diversas possibilidades de novos estudos a esse respeito.

O tópico a seguir sintetiza as principais conclusões obtidas até então nessa linha de raciocínio.