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A principal linha de abordagem alternativa aos modelos de trade-off é chamada de “teoria da hierarquização das fontes de financiamento”, ou simplesmente, “pecking order

theory (POT)”. Ela deriva do relaxamento de um dos principais pressupostos dos modelos de

Modigliani e Miller (1958; 1963), mantido na maioria das abordagens de static trade-off: a simetria informacional entre investidores e administradores.

As primeiras evidências neste sentido se encontram no trabalho de Donaldson (1961), que, ao realizar uma pesquisa em vinte empresas manufatureiras americanas, apontou para a existência de uma ordem de preferência na utilização das diversas modalidades de financiamento. Em primeiro lugar, estaria o autofinanciamento (reinvestimento de lucros), que seria a fonte prioritária, por ser de fácil obtenção e não envolver relacionamento direto com agentes externos; em segundo, as dívidas; em terceiro, a emissão de ações preferenciais; e, por último, a utilização de ações ordinárias.

Não há uma explicação clara na teoria dos modelos de trade-off para justificar tal comportamento, que denota a inexistência de uma estrutura ótima de capital (ou, ao menos, a não busca por essa estrutura por parte dos gestores da firma). A partir da década de 1970, surgiram modelos alternativos que justificariam essa lógica.

Primeiramente, Ross (1977) desenvolveu a chamada “hipótese da sinalização” para a questão da distribuição de resultados, segundo a qual em um contexto de assimetria informacional o volume de dividendos repassado para os investidores representaria um sinal da administração sobre suas expectativas para o futuro da firma. A elevação desse valor indicaria boas perspectivas de crescimento dos lucros no futuro, ao passo sua redução apontaria o caminho contrário.

Em termos de estrutura de capital, a questão da sinalização passou a ser considerada nos trabalhos de Leland e Pyle (1977) e Myers e Majluf (1984). No primeiro deles, os autores descrevem a situação de um empreendedor que lança um negócio viável e deseja captar recursos para financiá-lo. Ele poderá utilizar seus próprios recursos ou captá-los externamente, por meio de dívidas ou de emissão de novas ações. Como a situação é de assimetria informacional, tem-se que os potenciais financiadores externos não confiam totalmente no valor do projeto. Uma conclusão derivada deste modelo é que, se o

empreendedor participar do projeto com uma parcela maior de seus próprios recursos, oferecerá uma segurança maior para os demais investidores, melhorando a avaliação do projeto pelo mercado. Além disso, em uma situação de assimetria informacional esta parcela tenderá a ser maior do que uma situação de simetria, o que incentiva uma boa divulgação de informações da firma, a fim de transmitir mais segurança.

No trabalho de Myers e Majluf (1984), é considerada a situação de uma empresa já estabelecida e que deseja captar recursos para um novo projeto viável, com duração de apenas um período. Os resultados do modelo mostram que se esse projeto for feito com reinvestimento de lucros a empresa passará uma boa imagem para o mercado, demonstrando ter capacidade de se financiar e de crescer com a utilização de seus próprios recursos. Contudo, no caso da utilização de financiamentos externos haveria preferência pela utilização de dívidas em relação à emissão de novas ações, corroborando os achados do trabalho de Donaldson (1961), citado anteriormente.

A explicação para isso se baseia na existência de assimetria informacional entre os gestores (por premissa, atuantes em benefício dos atuais acionistas) e os novos acionistas em potencial. Considera-se que se o projeto é bom tem-se que a empresa terá um valor intrínseco maior do que aquele avaliado pelo mercado. O oposto ocorreria se o projeto for ruim. No primeiro caso, a utilização de dívidas faria com que o valor criado neste projeto fosse absorvido unicamente pelos atuais acionistas, já que os credores não têm direito a ele, recebendo apenas sua remuneração habitual. Já a utilização da emissão de ações traria mais benefícios para os novos acionistas, pois estes pagariam pelas novas ações um valor de mercado inferior ao que realmente a firma vale. Como isso não é desejável pelos gestores, eles privilegiariam a utilização de dívidas para o caso de o projeto ser interessante.

Se as perspectivas para a empresa forem ruins, o uso de capital de terceiros concentraria as perdas nos atuais acionistas, enquanto a emissão de mais ações diluiria esse prejuízo entre os atuais e os novos. Assim, ela seria mais desejável em uma situação de perspectiva de perdas. Como o mercado conheceria esta prática e não a aceitaria, Myers e Majluf (1984) argumentam que a emissão de novas ações tenderia a sequer ser utilizada, mesmo que isso implicasse a desistência de executar projetos viáveis.

Para se entender esse aspecto mais formalmente, é importante revisar os pontos centrais da construção do modelo de Myers e Majluf (1984), o qual trata o caso de uma firma cujo nível de informação detido pelos gestores é superior ao dos investidores em determinado momento do tempo. Assume-se que essa firma possua um ativo já existente e uma oportunidade de investimento que requer uma quantia I. Inicialmente, são consideradas duas

possibilidades para o seu financiamento: uso de recursos internos e emissão de novas ações. O volume de recursos internamente disponíveis é dado por S. Se o projeto não for executado no tempo t = 0, ele não mais poderá gerar resultados para a firma, ou seja, ele é um projeto now

or never. Se S < I, levar o projeto adiante exigirá a emissão de ações no montante E = I – S.

Não são considerados custos de transação nem há desconto de valores por alguma taxa de juros entre um período e outro.

São considerados três momentos no tempo. Em t = –1, tanto a firma quanto o mercado detêm as mesmas informações acerca das expectativas futuras de resultados para o ativo existente, chamado de A, e também para o novo investimento, B. A expectativa de resultados para o primeiro é dada por ̅ ( ̃), sendo à a distribuição de probabilidades do resultado para A em t = 0. De maneira similar, em t = –1 a expectativa de resultados para o novo investimento é dada por ̅ ( ̃), sendo ̃ a distribuição de probabilidade dos valores possíveis para B em t = 0.

Quando t = 0, os gestores da firma recebem informações atualizadas sobre o valor dos dois ativos, dado por a para o ativo existente e por b para o novo investimento. No mesmo momento, as expectativas para o mercado continuam sendo dadas pelas duas distribuições de probabilidades, ̃ e ̃. Apenas quando t = + 1, o mercado terá acesso aos valores de a e b. Não são considerados resultados negativos para estas duas medidas, pois se isso ocorresse os projetos seriam descartados. Assume-se, ainda, que: a) os gestores atuam no melhor benefício dos acionistas atuais; b) se E for positivo, as ações serão vendidas para novos investidores, ou seja, os atuais gestores atuam passivamente; e (c) o valor de S é conhecido tanto pelos gestores como pelo mercado

Para este caso inicial, sem dívidas, Myers e Majluf (1984) apresentam um exemplo bastante ilustrativo. Eles assumem um cenário com dois estados possíveis para os resultados futuros em t = 0 (mas conhecidos inicialmente apenas pelos gestores), equiprováveis. O ativo atual assumirá o valor a = $150 no estado 1 e a = $50 no estado 2. Já o novo investimento assumirá o valor b = $20 no estado 1 e b = $10 no estado 2. Assume-se também que não existem recursos internos, ou seja, S = $0, e ainda, que a nova oportunidade requer um investimento I = $100. Logo, para executá-la, a firma demandará emitir novas ações no valor E = $100.

Se a firma decidir levar adiante o novo investimento independente do estado da natureza, o valor de mercado das ações atuais P’ será dado pela soma dos valores esperados dos dois ativos. Ou seja:

[ ] [ ]

Do ponto de vista do mercado, em t = 0 o capital total existente na empresa será de $215 ($115 do valor das ações existentes + $100 da nova emissão). Contudo, se o estado 1 se materializar nesse momento, o valor intrínseco da empresa será de $270 ($150 do ativo existente + $20 do novo projeto + $100 da emissão de novas ações), o que implica uma distribuição proporcional desse valor entre os dois grupos, da seguinte forma: $144,42 para as ações antigas e $125,58 para as novas.

No caso da materialização do estado 2, o valor intrínseco da empresa será de $160 ($50 do ativo existente + $10 do novo projeto + $100 da emissão de novas ações), o que implica uma distribuição proporcional desse valor entre os dois grupos, da seguinte forma: $85,58 para as ações antigas e $74,42 para as novas.

Todavia, se o projeto não for levado adiante e não houver a emissão de novas ações, o valor intrínseco da empresa (apenas para os sócios atuais) será dado apenas pelo resultado do ativo existente, ou seja, $150 para o estado 1 e $50 para o estado 2.

Como o objetivo é maximizar o resultado para o acionista atual, tem-se que no estado 1 a não execução do projeto se mostra mais interessante, com um valor para suas ações de $150 (contra $144,42 se o projeto for feito). Já no estado 2 a execução é adequada, pois o valor intrínseco de $85,58 gerado por ela é melhor do que o resultado de $50 se isso não for feito. A partir do momento em que o mercado pode deduzir tal comportamento, ter-se-á a execução do projeto como um sinal emitido de que ocorrerá o estado 2, o que é apontará para um resultado futuro ruim e forçará a desvalorização do valor das novas ações para $60.

Os autores demonstram algumas situações alternativas, mas mantendo em essência as conclusões. Este exemplo mostra que a emissão de novas ações sugere um possível compartilhamento de prejuízos futuros e, pelo fato de o mercado já esperar tal comportamento, tal estratégia não se mostraria interessante.

Para incluir a possibilidade de uso de dívida na análise, é importante citar que a firma só investirá no novo projeto e captará recursos se:

Em que ΔE é a variação do preço das novas ações quando os investidores detiverem todas as informações, em t = +1. Simplificando-se, verifica-se que a execução do novo projeto

se dará apenas se b ≥ ΔE; ou seja, se o ganho com o novo projeto superar ou se igualar à variação da cotação das novas ações.

Raciocínio idêntico pode ser aplicado para a dívida. Assim, a empresa só levará adiante o novo projeto se b ≥ ΔD, em que ΔD é a variação do valor de mercado da dívida. No caso mais simples da dívida sem risco, ter-se-á ΔD = 0. Com isso, a empresa sempre levará adiante o projeto, exceto se b < 0. Para o caso da dívida com risco, já não se pode afirmar o mesmo. Contudo, Myers e Majluf (1984) argumentam que, pela teoria de opções, ΔD terá um valor inferior ao de ΔE, mas com valor absoluto menor (reflexo do menor risco da dívida para um credor do que o risco da ação para o investidor). Assim, se ΔD ≤ b ≤ ΔE, compensará executar o projeto com novas dívidas, mas não com a emissão de novas ações. Com isso, demonstra-se a coerência do argumento dos autores de que financiar um novo projeto com lucros reinvestidos é preferível a fazer novas emissões. Mas, no caso da execução destas, o uso de dívidas é preferível ao novo capital próprio.

Formalizando as conclusões de Myers e Majluf (1984), Myers (1984) elaborou a

Pecking Order Theory (POT), visão teórica na qual não haveria uma estrutura ótima de

capital, mas sim uma estrutura que fosse reflexo da hierarquia de preferências entre as diversas fontes de financiamento adotadas pela firma. Esta hierarquia seria, basicamente, a seguinte: (1º) lucros retidos; (2º) emissão de novas dívidas; (3º) emissão de novas ações. A partir daí, a POT passou a rivalizar com os modelos de trade-off na explicação de como as firmas escolhem suas estruturas de capital.

Complementando as formulações da POT, alguns trabalhos estenderam as conclusões de Myers e Majluf (1984) e Myers (1984). Narayanan (1988) mostrou que, mesmo no caso em que as dívidas utilizadas fossem arriscadas, elas continuariam sendo preferíveis ao uso de emissão de novas ações. No modelo de Myers e Majluf (1984), eram consideradas apenas dívidas de baixo risco. Por sua vez, Viswanath (1993) demonstra que se o projeto desejado tivesse duração de mais de um período a emissão de novas ações poderia ser desejável em algumas circunstâncias especiais, dentre as quais a emissão por empresas subvalorizadas e por empresas com alto potencial de crescimento. Conforme já destacado, McConnel e Servaes (1995) ratificam esta última situação, que fornece indícios importantes tanto para os modelos de agência quanto para os de assimetria informacional.