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Os modelos de trade-off derivam do relaxamento de pressupostos dos trabalhos de Modigliani e Miller (1963). Sua essência básica consiste na ideia de que existiria uma estrutura de capital ótima, decorrente do melhor balanceamento possível entre os custos e os benefícios do endividamento. Porém, a lógica é um pouco diferente da de Durand (1952), pois para este autor o maior benefício do endividamento é o uso de uma proporção maior da fonte mais barata. Já no contexto dos modelos de trade-off o principal benefício é o ganho fiscal,

advindo da economia de imposto de renda causada pelo pagamento maior de juros quando de um endividamento mais alto (FRANK e GOYAL, 2008).

Estes modelos podem ser de dois tipos principais. Os modelos de static trade-off assumem que a estrutura de capital ótima é fixa e deverá sempre ser perseguida como alvo da empresa. Assim, eventuais desvios dessa estrutura tenderiam a ser rapidamente corrigidos. De outro lado, os modelos de dynamic trade-off partem da suposição de que essa estrutura ótima irá variar ao longo do tempo, em função de mudanças nas condições da economia, do mercado e da própria firma (TITMAN e TSYPLAKOV, 2005).

Dentre os modelos de trade-off destacam-se aqueles baseados no confronto entre benefício fiscal do endividamento e custos de falência. Conforme apresentado anteriormente, Modigliani e Miller (1963) demostraram o efeito do endividamento sobre a tributação e, por consequência, sobre a escolha da estrutura de capital. De outro lado, eles mantiveram a suposição de dívidas sem risco.

Contudo, Baxter (1967) demonstra, a partir de um exemplo numérico, que haveria um limite de tolerância para o endividamento não somente por parte dos acionistas, mas também pelos credores. Para ilustrar isso, aponta um exemplo de duas firmas A e B, ambas com esperança de lucros de $10.000 por ano, sendo estes lucros distribuídos uniformemente entre $5.000 e $15.000. A primeira firma somente utilizaria capital próprio, enquanto a segunda também trabalharia com recursos de terceiros. Para a segunda firma, caso os juros pagos pela utilização desse capital não excedam $5.000 por ano, haverá certa tolerância ao uso de dívidas. Contudo, se o valor dos juros atingir $6.000 haverá uma chance de 10% de que a firma não consiga arcar com os encargos da dívida. Uma sequência de resultados ruins provavelmente a levará a decretar falência. Assim, o autor conclui ser impraticável a manutenção deste pressuposto de Modigliani e Miller (1958; 1963).

Já o modelo de Kraus e Litzenberger (1973) incorpora tanto o benefício fiscal do endividamento argumentado por Modigliani e Miller (1963) como a existência de custos de falência. À medida que aumentasse o endividamento, ter-se-ia, de um lado, maior utilização de benefícios fiscais, já que o pagamento maior de juros geraria mais economia no imposto de renda, e de outro, aumento dos custos esperados de falência, em função do risco maior de

default por parte da firma. Assim, os autores demonstram que o valor de uma firma

alavancada seria igual ao seu valor não alavancado (se ela só utilizasse capitais próprios), mais os ganhos do benefício fiscal, menos os custos esperados de falência.

O modelo de Kim (1978) apresenta outra formulação bastante próxima a essa da lógica dos modelos de trade-off. Formalmente, o valor da empresa neste modelo é

determinado pelo balanceamento entre os benefícios e os custos do endividamento. O primeiro grupo engloba o benefício fiscal da dívida, enquanto o segundo contempla dois componentes: a) o valor presente dos custos esperados de falência (diretos e indiretos); e b) as perdas de prejuízos tributários que poderiam ser compensados no futuro em caso de manutenção da empresa em funcionamento. A partir desses elementos, determina-se o valor da empresa alavancada neste modelo, conforme a equação (7) a seguir:

Em que:

VL– valor de uma empresa alavancada.

VU– valor de uma empresa sem dívidas.

TC– alíquota do imposto de renda corporativo.

D – montante de dívidas utilizado pela empresa.

E (DC) – valor presente dos custos esperados de falência (diretos e indiretos).

E (TL) – valor presente das perdas esperadas com prejuízos tributários não compensados no futuro (em caso de falência).

A evidência principal deste modelo, porém, é a constatação de que o custo de capital de terceiros também se eleva à medida que aumenta o endividamento da firma e, por consequência, o risco percebido por credores. Como no modelo de Modigliani e Miller (1958; 1963) já se considerava a elevação do custo do capital próprio, tem-se, então, uma situação na qual todos os financiadores exigem maior expectativa de retorno para tolerar um risco maior (tal como nos modelos de equilíbrio financeiro, como o CAPM de Sharpe (1964), Lintner (1965) e Mossin (1966)).

A respeito dos modelos de static trade-off baseados em custos de falência, vale a pena citar os trabalhos de Ang, Chua e McConnell (1982) e Titman (1984). No primeiro caso, destaca-se a importância atribuída ao tamanho da empresa como um fator determinativo para a escolha da estrutura de capital. Os autores concluem que as empresas maiores sofreriam menos os impactos dos custos de falência, pois teriam negócios mais diversificados e melhor flexibilidade financeira, tendo, assim, um grau de risco percebido mais baixo.

Já Titman (1984) argumenta que aquelas firmas com maior grau de singularidade em seus produtos ou processos tenderiam a sofrer mais em um evento de falência, ficando, assim, incentivadas a se endividarem pouco. Por singularidade entende-se o grau de diferenciação

dos produtos ou processos da empresa, com uma estrutura de ativos muito baseada em valores intangíveis ou em equipamentos e instalações adaptadas a um processo de produção muito específico. Assim, se houvesse uma falência o valor de revenda destes itens tenderia a ser muito baixo ou, mesmo, nulo, pois se trataria de itens de difícil aproveitamento em outras firmas. Assim, para não incorrer em uma expectativa de perda muito grande, o endividamento deveria ser mais baixo.

Um dos grandes problemas dos modelos de static trade-off baseados em custos de falência prende-se à dificuldade de sua mensuração objetiva. Em outro estudo, Warner (1977), tomando por base um grupo de empresas do setor ferroviário americano que faliram entre 1933 e 1955, identificou que os custos de falência nesta amostra mantiveram uma proporção média de cerca de 5% do valor de mercado dos ativos destas empresas.

Tanto Baxter (1967) quanto Warner (1977) apontam que não é muito difícil medir os custos diretos de falência, mas ressaltam a dificuldade de se mensurar os custos indiretos. Estes autores identificam os custos diretos (custos de ruptura financeira) como sendo aqueles ligados diretamente ao evento de falência em si, tais como: despesas legais e contábeis, custos de levantamento do patrimônio da massa falida e dificuldade na venda de ativos ilíquidos. Já os custos indiretos (custos de dificuldades financeiras) seriam aqueles ligados à ameaça de falência (antes que ela ocorra), por exemplo: perda de clientes, fornecedores e funcionários, perda de flexibilidade financeira e desvalorização das ações da firma.

Posteriormente, outros autores desenvolveram metodologias para a estimativa dos custos indiretos de falência. Graham (2000) e Molina (2005) consideraram as estimativas de custos de falência ex-post de Andrade e Kaplan (1998) e as probabilidades históricas de default, a fim de obter estimativas ex-ante dos custos de falência. Outros autores, como Altman (1984), consideraram que os investidores eram neutros ao risco e, a partir dessa premissa, simplesmente efetuavam um desconto dos custos esperados de falência para o valor presente, tomando por base uma taxa livre de risco. Já Almeida e Philippon (2007) propuseram uma metodologia, pela qual estimariam a probabilidade de default através de um ajustamento no grau de risco, tomando por base o prêmio de risco dos títulos corporativos emitidos. Isso faria com que tal probabilidade fosse bem maior do que no caso em que se assumiria o pressuposto de investidores neutros ao risco. Um exemplo citado é o de uma firma cujos títulos de dívida seriam avaliados com o rating BBB. Considerando-se dados históricos, a probabilidade de falência para tais firmas seria de 5,22%. Por outro lado, as estimativas do modelo de Almeida e Philippon (2007) sugeririam que tal firma teria 20,88% de chances de falência. Como consequência, o valor presente líquido dos custos esperados de

falência tenderia a ser bem maior, criando um desincentivo mais forte ao uso de capital de terceiros.

No entanto, ao final da década de 1970, tais conclusões ainda não eram muito claras. A dificuldade então presente na mensuração dos custos de falência, especialmente os indiretos, levou ao questionamento se este seria realmente um aspecto com grande impacto na escolha da estrutura de capital. De fato, Miller (1977) argumenta que diversos estudos da época (dentre os quais, o de Warner (1977), supracitado) mostravam que os custos de falência seriam muito baixos para conseguirem contrabalancear os ganhos decorrentes do benefício fiscal. Além disso, o autor compara o endividamento das empresas americanas nas décadas de 1950, 1960 e 1970 com o das décadas de 1920 e 1930, mostrando que na média eles são similares, mesmo com uma tributação bem maior no período mais recente. Assim, ele conclui que existem mais fatores não abordados até então e que são mais importantes ainda na explicação da escolha da estrutura de capital.

O principal seria a questão da tributação das pessoas físicas no que diz respeito ao recebimento de dividendos pela posse de ações e de juros sobre títulos de dívida. Tomando por base o modelo de Modigliani e Miller (1963) com impostos e incluindo-se as alíquotas de imposto de renda sobre os rendimentos dos acionistas (TS) e dos credores (TD), demonstra-se que é a interação entre as três alíquotas que determinará se uma empresa financeiramente alavancada possuirá valor maior ou menor do que uma empresa não alavancada. Nesse novo contexto, o valor de uma empresa não alavancada, VU, passaria a ser dado por:

Em que:

VU– valor de uma empresa sem dívidas.

TC é a alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica.

TS– alíquota do imposto de renda da pessoa física sobre rendimentos de dividendos. TD– alíquota do imposto de renda da pessoa física sobre rendimentos de títulos de dívida.

KSU– custo do capital próprio em uma firma sem dívidas.

[ ]

Em que:

VL– valor de uma empresa alavancada.

VU– valor de uma empresa sem dívidas.

TC– alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica.

TS– alíquota do imposto de renda da pessoa física sobre rendimentos de dividendos. TD– alíquota do imposto de renda da pessoa física sobre rendimentos de títulos de dívida.

D – montante de dívidas utilizado pela empresa.

Algumas situações especiais podem ser destacadas. Se as três alíquotas forem iguais a zero – ou seja, se não houver tributação de imposto de renda em nenhum caso –, o valor de uma empresa alavancada passará a ser dado por:

Ou seja, retorna-se aos resultados do modelo de Modigliani e Miller (1958) de irrelevância da estrutura de capital. Caso exista apenas a alíquota TC para a pessoa jurídica, a equação ficará na forma:

Retorna-se, então, aos resultados do modelo de Modigliani e Miller (1963), que sugere o endividamento máximo como sendo o ideal. Resultado idêntico ocorrerá no caso de igualdade entre as duas alíquotas aplicáveis às pessoas físicas, pois nesta situação os fatores (1 – TS) e (1 – TD) se cancelarão na equação (9).

Ainda segundo Miller (1977), caso as três alíquotas sejam diferentes, outras situações poderiam ocorrer. Se TS > TD, chega-se à situação em que a utilização de capitais de terceiros

é vantajosa tanto para a empresa quanto para os financiadores. No caso daquela, a explicação estaria no benefício fiscal da dívida, que reduz seu imposto de renda pago. No caso dos últimos, tornar-se-ia mais interessante ser credor da empresa do que sócio, pois o imposto de renda pago seria menor. Assim, sugere-se a utilização de um nível elevado de endividamento. A título de exemplo, se TC = 40%, TS = 30% e TD = 25%, o fator de ganho de alavancagem

seria de 44%. Em outras palavras, cada unidade monetária de dívida utilizada geraria uma economia fiscal de $0,44.

De outro lado, se TS < TD, haveria um conflito entre o que seria mais favorável para a

empresa e para os sócios. Estes preferirão atuar como acionistas que como credores, pois assim serão menos tributados em sua renda. Já para a firma seria melhor a adoção de mais capital de terceiros, em virtude do benefício fiscal que tal modalidade gera. Caso TS seja

muito baixo e TD muito alto, o aumento do uso de alavancagem financeira causaria uma

queda no valor da firma.

A título de exemplo, se TC = 30%, TS = 10% e TD = 40%, o fator de ganho de

alavancagem seria de –5%. Em outras palavras, cada unidade monetária de dívida utilizada geraria um aumento nos encargos fiscais de $0,05. E, por consequência, causaria uma queda idêntica no valor da empresa.

Outro caso de equilíbrio ocorre quando a igualdade (1 – TC)(1 – TS) = (1 – TD) se

verifica. Neste caso, desaparece totalmente o benefício fiscal e retorna-se às conclusões do modelo de Modigliani e Miller (1958), apontando a irrelevância da estrutura de capital. No caso americano, em função da existência de grande quantidade de alíquotas marginais e, ainda, do fato de os juros de dívidas sofrerem tributação maior do que os dividendos de ações, Miller (1977) concluiu que haveria uma busca por um equilíbrio financeiro que melhor balanceasse os interesses da empresa e de seus acionistas. No limite, isso levaria à situação descrita, apontando para a irrelevância da escolha da estrutura de capital.

No caso brasileiro, essa conclusão já não pode, em regra, ser obtida. Duas questões justificam isso. Em primeiro lugar, a existência de poucas alíquotas para a dedução do imposto de renda. Segundo a Receita Federal do Brasil (2011), os dividendos não são tributados, os juros de dívida geram para os seus detentores 20% de imposto de renda sobre os ganhos, ao passo que a alíquota das empresas varia de 24% a 34% (considerando-se a inclusão da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e, ainda, que a empresa adota o regime do Lucro Real). Aplicando-se a fórmula de Miller (1977)4, chegar-se-ia a um ganho de alavancagem de 17,5% (R$ 1,00 de dívidas gera cerca de R$ 0,18 de economias fiscais). Como essas alíquotas são pouco variáveis, torna-se virtualmente impossível atingir o equilíbrio de Miller (1977).

Além disso, existe no país a figura dos juros sobre o capital próprio (JSCP), que são uma forma alternativa de pagamento de remuneração aos acionistas da firma, a qual permite a

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dedução fiscal para a empresa, mas gera a tributação de 15% para os acionistas. Sirihal e Melo (1999) demonstram que a utilização dos JSCP causa uma espécie de contrabenefício fiscal, ou seja, um incentivo para a adoção de um endividamento menor. Ressaltam, porém, que este efeito dependerá de uma série de parâmetros, como as mudanças nos lucros e no patrimônio líquido da firma. Ness e Zani (2001) mostram que, na média, este efeito será menor que o benefício fiscal do capital de terceiros. Ou seja, ele não é suficiente para eliminar o incentivo ao uso de mais alavancagem financeira, mas reduz esse incentivo. Por fim, Abreu (2002) mostra que a existência dos JSCP aumenta o valor da empresa em relação a uma situação alternativa na qual eles não existissem.

Para finalizar esta parte, cabe destacar o trabalho de DeAngelo e Masulis (1980), que inclui no modelo de Miller (1977) a existência das chamadas tax shields, que seriam deduções fiscais originadas de outros aspectos distintos do endividamento. Para se entender melhor que deduções seriam essas, basta relembrar que existem diversas despesas que causam redução no lucro tributável sem causar impacto direto no caixa da empresa, ao menos naquele momento. Dentre elas, podem ser destacadas: depreciação de bens tangíveis, amortização de bens intangíveis, exaustão de recursos naturais, provisões, equivalência patrimonial e créditos tributários.

A ideia seria que, ao possuir tais deduções em grande volume, a empresa já sofreria forte redução no seu imposto de renda, não demandando tanto a utilização de capitais de terceiros com essa finalidade, até para não correr o risco de apresentar prejuízos ou lucros muito baixos. Mas, como cada empresa possui um volume específico destas deduções, tem-se, então, a ocorrência de uma estrutura ótima intermediária, nem com endividamento máximo, nem com utilização apenas de capital próprio.