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Diferenciação, diversificação e interiorização das instituições de ensino superior

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CAPÍTULO IV: “2007” E A DERRADEIRA INVASÃO DO “TEMPLO SAGRADO DA INTELLIGHENZIA”

3. A inserção do ensino superior no contexto do “2007”

3.2 Diferenciação, diversificação e interiorização das instituições de ensino superior

As estratégias apontadas, no âmbito cultural, para a formação de intelectuais urbanos de novo tipo, nos moldes de uma sociabilidade neoliberal que concentra poder nas mãos dos detentores da informação e do conhecimento, se concretizam por meio de reformas no ensino superior, iniciadas no governo FHC e intensificadas na era Lula da Silva.

Como, nesse contexto, o acesso ao ensino superior se converte cada vez mais em importante critério para determinar a hierarquia social, os tipos de instituição a oferecerem tal ensino igualmente serão hierarquizados, daí o emprego das expressões “diferenciação” e “diversificação” no título deste item. Em outras palavras, as vagas das instituições reservadas para as elites dificilmente serão ocupadas por membros das classes não hegemônicas, apesar de estes, segundo os parâmetros da nova sociabilidade de “democratização” de oportunidades, poderem ter, destinados a eles, outros tipos de instituição de ensino superior.

Esse quadro se caracteriza basicamente por uma diversificação flexível nos perfis de instituição a oferecer o ensino superior, grosso modo divididas em públicas, comunitárias e particulares e, mais especificamente, em universidades, centros universitários e faculdades. A fragmentação se acentua nas instituições federais, também desmembradas em universidades federais tecnológicas, centros tecnológicos federais. escolas tecnológicas e, mais recentemente, em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Muitas vezes, em um mesmo campus, coexistem vários tipos de “universidades dentro uma mesma universidade”. Ristoff (2003) destaca aquela que possui cursos centrados na graduação, com salas espartanas, bibliotecas e laboratórios inexistentes ou desatualizados e presença significativa de professores substitutos e estagiários de docência. Ao contrário desta, existe uma outra em que a graduação seria quase um “mal necessário”, pois seus objetivos centram-se nas pós-graduações ministradas por pesquisadores com elevado padrão de especialização, altamente requisitados na esfera acadêmica. Por fim, há aquela onde proliferam especializações, mestrados fora da sede, cursos a distância, consultorias, prestações de serviços e demais atividades regiamente remuneradas. Como veremos mais adiante, a UFRRJ do contexto do “2007” é um bom exemplo de tal coexistência.

Estas três universidades, embora residam no mesmo campus, vivem em mundos totalmente distintos. A primeira imagina-se pública, grande e gratuita; a segunda imagina-se de elite, pequena e catedrática; a terceira só pensa no próprio umbigo e usa o público para tornar-se cada vez mais privada e lucrativa (RISTOFF, 2003, p. 140).

A diversificação dos tipos de graduações a serem oferecidas também se concretiza, às vezes dentro de uma mesma instituição, por meio do aumento da oferta em cursos noturnos, dos cursos de curta duração e da educação a distância. Segundo Lima (2007), tais cursos seriam direcionados preferencialmente para os trabalhadores e filhos dos trabalhadores da periferia do capitalismo, aumentando, a um custo moderado, seu acesso ao ensino superior.

A educação a distância merece uma reflexão mais aprofundada por ter se tornado, ao longo das décadas de 1990 e 2000, uma das principais políticas dos organismos internacionais direcionadas aos países em desenvolvimento. Seu objetivo principal é alcançar jovens e adultos cujas necessidades de aprendizagem, por razões financeiras, geográficas e outras, não foram atendidas pelo sistema de educação convencional. Até meados da década de 1990, os cursos a distância se davam por correspondência ou por telecursos transmitidos pela televisão. Após esse período, com o uso da internet, teria início a implantação de uma política nacional de educação superior a distância, com novas formas e conteúdos, direcionados à periferia do sistema. Para aderirem a ela, as instituições de ensino superior deveriam contar, entre outros requisitos, com: equipe profissional multidisciplinar, recursos educacionais de qualidade, infraestrutura de apoio, além de convênios e parcerias. Neste caso último, destaca-se a criação de consórcios entre universidades brasileiras para a realização de cursos com esse caráter (LIMA, 2006b). Um deles é o Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj), do qual a UFRRJ participa.

No governo Lula da Silva, o incentivo à educação a distância se intensificou de tal maneira, que passou a englobar cursos de mestrado e doutorado, oferecidos por instituições estrangeiras e com diplomas podendo ser reconhecidos por universidades privadas, prerrogativa outrora exclusiva das universidades públicas (LIMA, 2006b).

A menção aos cursos de pós-graduação a distância leva à percepção de que a diferenciação até então traçada na oferta de cursos de graduação igualmente atingiu os de pós- graduação. Desde os anos 1970, o governo vinha traçando que chamou de “Planos Nacionais de Pós-Graduação”. O primeiro, de 1975 a 1979, priorizava a pesquisa e a pós-graduação para alavancar o projeto de transformar o Brasil em uma grande potência, recebendo grande apoio da Fundação Ford, organismo norte-americano que concedia doações a universidades públicas e governamentais, interessado, em tempos de Guerra Fria, no controle ideológico das camadas intelectuais com formação cognitiva mais elevada, sobretudo na área das ciências sociais (FALLEIROS et al., 2010).

De 1982 a 1986, o segundo Plano já manifestou preocupação com o crescimento acelerado da pós-graduação; enquanto o terceiro, de 1986 a 1989, apoiado no clima de luta pela redemocratização do país, destacou a necessidade de estímulo à pós-graduação, abrindo brechas para a consolidação de diversidades de concepções entre instituições, regiões e áreas de conhecimento. A crise financeira que atingiu as universidades públicas nos anos 1990 atrasou, em mais de uma década, a elaboração do quarto Plano, que só foi lançado em 2005, para vigorar até 2010. Em linhas gerais, este último Plano deu ênfase aos mestrados e doutorados profissionais e a distância, bem como à diminuição da duração destes cursos; limitou o trabalho docente à dimensão ensino/orientação dos alunos de mestrado e doutorado; e incentivou o crescimento da pós-graduação nas instituições privadas, com fins mais lucrativos do que científicos. Em suma, a diversificação que permeou a oferta de pós- graduações pode estar contribuindo para um número significativo delas estar se transformando em “escolões de quarto grau” (SIQUEIRA, 2006).

Percebe-se, dessa forma, que, à semelhança das graduações, as pós-graduações igualmente tiveram a sua oferta massificada, ao ponto de, no período de 1987 a 2003, ter ocorrido um aumento de 657% no número de mestres titulados e de 832% no de doutores. Esse processo de certificação adveio de instituições diferenciadas, grosso modo divididas naquelas com caráter mais profissionalizante-técnico-privado-com fins lucrativos (formação utilitária e imediatista) e nas com caráter acadêmico-científico-público (formação autônoma, crítica e criativa) (SIQUEIRA, 2006).

A interiorização do ensino superior público igualmente reforça o aspecto diversificador na oferta deste nível de ensino. Objetivando atender demandas de jovens nascidos nas cidades de médio e pequeno porte, a interiorização se concretiza pela já citada federalização e também pela inauguração de campi descentralizados vinculados a universidades federais já existentes. À guisa de exemplo, as federalizações concretizadas no governo Lula da Silva ocorreram em cidades/regiões como Alfenas (MG), Vale do Jequitinhonha e Mucuri (MG), Triângulo Mineiro (MG), Mossoró (RN), Dourados (MS), Recôncavo (BA) e Pampas (RS) (VASCONCELOS, 2007).

Quanto ao incentivo à criação de campi descentralizados, em cidades de porte menor à do campus-sede, a própria UFRRJ é um emblema dessa política, bem como, no Rio de Janeiro, a Universidade Federal Fluminense (UFF). O ensino superior “interiorizado” suscita questões como esta:

A interiorização preserva o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão ou não estaria introduzindo, na prática, uma divisão de fato entre instituições de ensino e instituições de pesquisa no âmbito das universidades públicas? (NEVES, 2006, p. 101).

Na verdade, tal questionamento pode se estender para todos os exemplos de diferenciação e diversificação citados neste item. E a resposta a ele pode ser igualmente encontrada em Neves (2006), quando a autora vê tal diversidade na oferta ao acesso ao ensino superior como uma forma de abertura de diferentes portas para entrar no “Olimpo”, sendo uma (ou várias) delas a dos fundos.

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