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Diferenciação entre universidades corporativas, educação corporativa,

3 Revisão de literatura

3.3 Caracterização das universidades corporativas e de seu processo de evolução

3.3.1 Diferenciação entre universidades corporativas, educação corporativa,

pessoal

Inicialmente, cabe a ressalva feita por Rosa(2003, p. 1): o nome universidade corpora- tiva não é feliz. Segundo ele, universidade pressupõe uma reunião de faculdades, um amplo centro do saber livre e desvinculado de qualquer instituição particular, um espaço próprio para o questionamento das instituições, incluindo as empresas. O uso desse nome para as ativida- des de educação empresarial é pretensioso e cria confusão sobre o conceito fundamental de universidade. No entanto, o próprio Rosa (ibidem) entende que essa é uma questão superada, quando conclui que a denominação “universidade corporativa” tem aceitação mundial e en- contra-se largamente disseminada.

Essa percepção de que a denominação “universidade corporativa” é inadequada está retratada também em artigo de Viktor (1999, p. 10):

O termo universidade é inadequado para definir esses novos centros de treinamento que gradati- vamente vêm sendo implantados nas grandes organizações brasileiras, opina o presidente do Sin- dicato das Entidades mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Pau- lo (Semesp), Gabriel Mário Rodrigues. “As universidades estão preocupadas com os seus alunos e as empresas com os seus funcionários. Mas quem domina o ensino é a universidade, que precisa dar uma visão ampla do conhecimento para mais tarde o aluno adequar-se ao seu trabalho e a sua empresa”.

Feitas essas ressalvas iniciais, cabe buscar uma melhor caracterização da universidade corporativa. Nesse sentido, em primeiro lugar, parece útil cotejar universidade corporativa e educação corporativa. O que distingue uma e outra?

Para Ramos(2003, p. 1) não há diferença entre universidade corporativa e educação corporativa:

Quem sempre fez educação corporativa com responsabilidade e clareza de princípios hoje sabe que não existe mais espaço para uma visão reducionista e meramente funcional do sistema de treina- mento. Sabe que o desenvolvimento de pessoas transcende a mera instrumentalização para o traba- lho. Tem a clareza de que a educação nas empresas deve passar pelo estímulo à educação formal,

pelo desenvolvimento de competências profissionais e, sobretudo, pelo desenvolvimento da sensi- bilidade e capacidade de aprender todos os dias com o turbilhão de mudanças e novidades que sur- gem, a maioria delas imprevisível.

Aprender com o trabalho, para o trabalho; aprender a relacionar-se com os pares, clientes, geren- tes, fornecedores; entender um novo sistema, conhecer um novo produto ou serviço, decifrar as su- tilezas de uma nova lei. Por esta razão, desenvolver o estado de prontidão para a aprendizagem é hoje uma necessidade muito maior do que foi no passado, especialmente por causa da velocidade com que as mudanças ocorrem. Esta é a essência de um conceito atual e moderno que justifica e explica a dinâmica de uma universidade corporativa em uma organização.

Outro aspecto essencial que deve fundamentar a existência de uma universidade corporativa diz respeito à necessidade de termos nas organizações um saber sistematizado, capaz de fazer cone- xões que expliquem as diversas dimensões do mundo do trabalho. Ao organizar as dimensões eco- nômica, humana e mercadológica do saber, uma universidade corporativa estará mostrando o ca- minho de desenvolvimento para as pessoas e tornando claro que tipo de agregação de valor é espe- rado e também oferecido a cada um. [...]

Um terceiro aspecto que vale destacar diz respeito à questão da universidade corporativa estar sempre circunscrita a um conjunto de valores que formam a cultura organizacional. A cultura, já dizia Paulo Freire, “é tudo o que é criado pelo homem”. Por ser humano, é sempre dinâmico e em permanente transformação. Esta deve ser a principal característica de uma universidade corporati- va que tenha um papel significativo em relação à estratégia de uma organização e em relação ao desenvolvimento das pessoas. Aqui se fecha um ciclo. A natureza dinâmica da cultura, inserida num ambiente igualmente dinâmico, exigindo elevada disponibilidade para a aprendizagem. As organizações precisam de profissionais capazes de aprender não apenas para absorver as mutações do ambiente, mas principalmente para transformar a realidade, liderando processos de inovação. Outra questão importante é o reconhecimento da singularidade das universidades cor- porativas. Para Vianna(2003, p. 3) não existe um modelo ideal de universidade corporativa:

Cabe registrar a absoluta necessidade de considerar cada universidade corporativa como “unidade única”, com características peculiares e específicas, compatíveis com a Empresa que a adota. Ja- mais o termo “taylor-made”, feito sob medida, se aplica com tanta propriedade. Com isso, quere- mos ressaltar que não existe um modelo único, global. Assim, a filosofia de implantação deve ser adotada com grande flexibilidade. Nossa proposta tem sido a de começar o trabalho de planeja- mento estratégico dentro do conceito de “tabula rasa”, esquecendo estruturas pré-estabelecidas, avaliando com efetividade as necessidades da organização. Ter ou não ter um Reitor, construir ou não um campus grande, pequeno ou médio, utilizar ou não executivos como professores, incluir a rede estratégica/cadeia produtiva como público alvo, querer ou não resultado financeiro, são ape- nas algumas definições que devem ser analisadas e cuja solução será atingida caso a caso.

Ainda quanto à natureza da universidade corporativa, Vianna prossegue, no mesmo ar- tigo, com o argumento de que ela não deve se deslocar nem para o extremo “universidade”, nem para o extremo “corporativa”:

Em termos ideais, por mais paradoxal que seja, uma universidade corporativa não pode ser, em e- xagero, nem universidade nem corporativa. Em outras palavras ela não pode ser só universidade ou só corporativa. Em nosso ponto de vista a mescla inteligente do rigor científico da Academia com o enfoque pragmático das empresas construirá a grande sinergia.

Cabe apresentar comparativos entre as universidades corporativas e as universidades acadêmicas e entre as primeiras e as tradicionais unidades de treinamento de pessoal. As uni-

versidades acadêmicas têm compromissos sociais abrangentes, não se vinculando a interesses específicos de determinado segmento ou de determinada organização. Seu funcionamento segue diretrizes e normas definidas pelo poder público e existe processo formal de fiscaliza- ção e de avaliação. As universidades corporativas são iniciativas das organizações que as cria- ram e seu funcionamento obedece a interesses e a prioridades dessas organizações. As princi- pais diferenças entre as universidades corporativas e as unidades de treinamento tradicionais são: as universidades corporativas têm foco em resultados e em conhecimentos críticos para o negócio; as universidades corporativas destinam-se ao desenvolvimento da cadeia de valor, que compreende, além da organização, seus fornecedores, clientes e a própria comunidade. As tradicionais áreas de treinamento voltam-se para o atendimento a demandas internas de cará- ter operacional e pontual da organização.

A esse respeito, Souza (2005, p. 1) argumenta:

No primeiro caso tem-se que as universidades acadêmicas não existem para profissionalizar pesso- as e sim para fazê-las dominar as bases científicas, filosóficas, humanísticas e éticas relativas à profissão dita de nível superior. Nelas predomina a formação teórica, sem destaque especial para práticas ocupacionais ligadas às profissões. O saber aplicado advém do treinamento proporcionado por breves estágios obrigatórios de fim de curso nem sempre monitorados pela universidade. Por outro lado, as universidades acadêmicas integram administrativamente os sistemas de ensino para poderem funcionar, dependem de autorização, reconhecimento e avaliação formal do Poder Públi- co.

Já a universidade corporativa independe, para organizar-se e funcionar, de qualquer providência junto ao Poder Público, bastando haver a criação de cursos, programas e atividades por parte da organização empresarial que vise qualificar técnica e profissionalmente os seus empregados. A universidade corporativa não integra o sistema formal de ensino e não constitui seu objetivo ou- torgar diplomas de cursos e, sim, promover a competência ocupacional daqueles que nela ingres- sam.

Em situações especiais pode haver território comum de atuação da universidade corporativa e da universidade acadêmica, mas sempre mediante convênio e sem a descaracterização de qualquer de- las, enquanto durar o funcionamento parceirizado.

No segundo caso não se confundem a universidade corporativa e as unidades tradicionais de trei- namento. O treinamento faz-se sempre em casos pontuais uma vez detectada a necessidade de atu- alização de métodos e processos, ao passo que a universidade corporativa destina-se a programas próprios e permanentes, que vão além do circunstancial e são orientados com visão de futuro. A- demais, o público do treinamento é fechado, interno, setorial, enquanto que o público da universi- dade é aberto, interno e externo, e global. Mais ainda, o treinamento representa uma dependência administrativa do organograma da empresa, ao passo que a universidade corporativa é um instru- mento de educação permanente que se organiza como unidade de negócio. [...]

A universidade corporativa só se justifica na medida em que responde pelo plano estratégico de desenvolvimento empresarial, com vistas à identificação e ao atendimento das competências es- senciais ligadas ao ramo de negócio da empresa.

Para Meister (1999, p. 22), existem duas transições essenciais para se compreender o contexto histórico e as tendências que estão sendo delineadas nos campos da aprendizagem, em geral, e das universidades corporativas, em particular.

No Quadro 1, é mostrada essa mudança de paradigma em que o foco do treinamento vai além do funcionário isoladamente para o desenvolvimento da capacidade de aprendizado da organização. Enquanto no passado os participantes assistiam a aulas, hoje equipes de traba- lho colaboram para se tornar uma comunidade de estudantes.

Quadro 1: Mudança de Paradigma do Treinamento para a Aprendizagem (MEISTER, 1999, p. 22.) Antigo Paradigma de Treinamento Paradigma da Aprendizagem no

Século XXI

Prédio Local

Aprendizagem disponível sempre que solicitada – em qualquer lugar, a qual- quer hora

Atualizar qualificações técnicas Conteúdo Desenvolver competências básicas do

ambiente de negócios Aprender ouvindo Metodologia Aprender agindo

Funcionários internos Público-alvo Equipes de funcionários, clientes, forne-

cedores Professores/consultores de universidades

externas Corpo Docente

Gerentes seniores internos e um consór- cio de professores universitários e con- sultores

Evento único Freqüência Processo contínuo de aprendizagem Desenvolver o estoque de qualificações

do indivíduo Meta

Solucionar problemas empresariais reais e melhorar o desempenho no trabalho

Quanto à segunda transição, em que o departamento de treinamento se transforma em universidade corporativa, o que existe, segundo Meister (1999, p. 23-24), é uma evolução na forma de atuar, partindo-se da condição de “anotadores de pedidos”, em que os clientes apresentavam pedidos de treinamento e o departamento de treinamento localizava ou criava cursos para atender a esses pedidos, para uma condição em que a atuação é proativa, centralizada e focada em objetivos estratégicos da organização, conforme explicitado no Quadro 2.

Quadro 2: Transição do Departamento de Treinamento para Universidade Corporativa (MEISTER, 1999,

p. 23-24.)

Departamento de Treinamento Universidade Corporativa

Reativo Foco Proativo

Fragmentada & descentralizada Organização Coesa & centralizada Tático Alcance Estratégico

Pouco/nenhum Endosso/

Responsabilidade Administração e funcionários

Instrutor Apresentação Experiência com várias tecnologias Diretor de Treinamento Responsável Gerentes de unidades de negócio

Público-alvo amplo/

Profundidade limitada Audiência

Currículo personalizado por famílias de cargo

Inscrições abertas Inscrições Aprendizagem no momento certo Aumento das qualificações profissionais Resultado Aumento do desempenho no trabalho

Opera como função administrativa Operação Opera como unidade de negócios

(centro de lucros)

“Vá para o treinamento” Imagem “Universidade como metáfora de

aprendizado” Ditado pelo Departamento de

Treinamento Marketing Venda sob consulta

Ainda como contribuição para melhor entendimento das características que distinguem as universidades corporativas dos tradicionais centros de treinamento e desenvolvimento de pessoal, com o objetivo de fundamentar o argumento de que essa transição transcende a mera formalidade de nova nomenclatura, cabe destacar a posição externada por Éboli (2004a, p. 1):

Pode-se dizer que as universidades corporativas estão para o conceito de competências assim como os tradicionais centros de treinamento e desenvolvimento estiveram para o conceito de cargo. [...] Normalmente as instituições que pretendem investir em universidades corporativas começam com curso de MBA customizado a partir de necessidades específicas do setor em que atuam. Os casos mais bem sucedidos contam com parcerias com universidades como a USP, FGV, ITA, UNICAMP, entre outras.

Quanto à distinção entre universidades corporativas e universidades acadêmicas, vale ressaltar as palavras de Jaguaribe (2003, p. 1) em documento referente à oficina realizada em conjunto pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio – MDIC e pelo Ministério da Educação – MEC, que buscou discutir a relação existente entre a educação corporativa no Brasil e a atuação dos órgãos governamentais:

É preciso entender que a universidade corporativa não vai substituir a universidade. A universida- de tem um papel de reflexão, criação e crítica que a universidade corporativa não pode suprir, por- que é focada para a melhora do desempenho da empresa. [...] Hoje o Brasil conta com cerca de 100 empresas, estatais e privadas, com algum tipo de iniciativa de educação corporativa.

Na visão de Viktor (1999, p. 11), a melhor perspectiva é no sentido da parceria entre as empresas e o meio acadêmico:

A iniciativa das empresas não acaba com a missão das instituições de ensino superior (IES) parti- culares, mas aponta uma tendência que merece atenção por parte dos mantenedores. “Estamos pre- ocupados com o conhecimento mais amplo do aluno; procuramos deixá-lo apto a buscar seu aper- feiçoamento após a escolha profissional. Damos início à formação de um processo e as empresas estão buscando o acabamento. Para melhorar esse caminho, a parceria parece ser a melhor opção”, garante Rodrigues. Porque é na universidade que estão os professores que vão ministrar cursos ou treinar os recursos humanos das empresas”, ressalta. Ele explica que as corporações podem contar com a infra-estrutura das IES e com todo o domínio dos recursos didáticos que elas possuem, in- cluindo o corpo docente.

Como reforço aos argumentos anteriormente apresentados, Veiga-Neto (2001, p. 34) reafirma as distinções apresentadas e acrescenta a preocupação com o marketing por parte das universidades corporativas:

Devido a sua origem, a universidade corporativa tem muito clara a noção de que marketing é uma estratégia para atender às necessidades do cliente. No caso, trata-se das próprias empresas empre- endedoras. Com dificuldade de encontrar o perfil ideal entre os alunos formados pelas faculdades, passaram a montar suas próprias escolas, criando, assim, um novo segmento educacional.

Não é demais lembrar que, tradicionalmente, o processo de educação dentro das corporações era considerado — e em muitos casos ainda é — função do departamento de recursos humanos, mais precisamente da área de treinamento e desenvolvimento. À medida que cresce a consciência de que a educação é um processo contínuo e não um evento isolado, a educação corporativa ganha força nas organizações, o que favorece o crescimento das universidades corporativas.

Com o objetivo de sintetizar as distinções apresentadas, pode-se afirmar que as univer- sidades acadêmicas têm propósitos mais amplos que as universidades corporativas e compro- missos com uma formação que assegure contribuição social relevante do cidadão; as universi- dades corporativas, por seu turno, destinam-se ao desenvolvimento profissional com foco em prioridades, vinculando ações e programas educacionais a objetivos estratégicos definidos

pela empresa. Quanto aos tradicionais centros de treinamento e desenvolvimento de pessoal, estruturam-se para atender a demandas pontuais, com foco operacional.