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A diferenciação do marketing social face a outros processos de mudança social

No documento Carlos O live ira Santo s (páginas 142-148)

Do Marketing ao Marketing Social

III.6. A diferenciação do marketing social face a outros processos de mudança social

Não foi só do marketing comercial que o marketing social se teve de diferenciar. Como refere Andreasen, numa minuciosa review, de 2003, no decurso da delimitação do seu espaço, o marketing social «evoluiu durante estas quatro décadas, assistindo à confusão sobre a abordagem do seu campo, a uma significativa mudança de focagem e a eventuais sinais de maturidade ao longo de várias dimensões.»251

Em primeiro lugar, o acréscimo da palavra social à palavra marketing trouxe diversas outras potencialidades e referências de que o marketing social se teria de demarcar.

O marketing sem fins lucrativos abarcaria as estratégias e acções desse tipo de organizações sociais (cf. Kotler & Andreasen, 1975).

O marketing público, com a sua necessária dimensão social, situava-se nas questões que decorrem da gestão deste sector (cf. Kotler & Lee, 2007).

O marketing socialmente responsável, também chamado marketing societal (cf. French & Blair-Stevens, 2007), enquadrar-se-ia nas dimensões, já

250 No original: «(1) Clients are not always asked to pay in dollar terms for products and services. (2) A political dimensions usually present because social marketing programs require broad public support and may run counter to vested interests. (3) Product/service use is often not desired or seen as valuable by potential clients. (4) Marketing efforts must be directed at both clients and funding sources (which are often not the same) and the needs of these groups may be mutually exclusive, for example, marketing to meet consumer needs may require segmenting the market and treating various segments in different ways, and funding agencies usually frown on this practice. (5) Increased demand for services and products is not always desirable because sufficient resources may not always be available.» (Webster, 1975, cit. por Solomon, 1989, p. 89).

251 No original: «has evolved over four decades, which have seen confusion about the field’s scope, significant shifts in focus and eventual evidence of maturity along several dimensions.» (Andreasen, 2003, p. 293).

anteriormente referidas, do marketing crítico, no âmbito, nomeadamente, da responsabilidade social das empresas e das instituições (cf. Kotler & Lee, 2005; Palazzo, 2011).

Acções de marketing comercial intrinsecamente articuladas com causas sociais, visando benefícios mútuos, ganharam espaço no chamado marketing relacionado com causas (cause related marketing; cf. Adkins, 1999).

O marketing político situar-se-ia, principalmente, na relação dos candidatos ou incumbentes com os cidadãos, tendo em vista a conquista ou manutenção no poder político, nas sociedades democráticas, com a sua forte componente de comunicação política, por oposição à natureza fechada e unilateral da propaganda.

Face a todos estes, o marketing social, na sua demarcação e afirmação, evoluiria progressivamente para a mudança de comportamentos sociais dos indivíduos, no sentido da melhoria da sua vida, bem como das condições de vida das sociedades e comunidades, incorporando as abordagens, processos e instrumentos do marketing. Num livro de referência, o de Kotler & Roberto, publicado em 1989, já se assinala:

«Desde então (1971 – NA), o termo veio a significar uma tecnologia de gestão de mudança social, envolvendo o design, implementação e controlo de programas destinados a aumentar a aceitação de uma ideia ou prática social num ou mais grupos de adoptantes alvo.»252

Esta abordagem é sublinhada pela definição avançada por Andreasen em 1995, já atrás assinalada pelas suas referências à dimensão voluntária, à focagem na mudança de comportamentos e à melhoria do bem-estar pessoal e social:

«Marketing social é a aplicação das tecnologias do marketing comercial à análise, planeamento, execução e avaliação de programas concebidos para

252 No original: «Since then, the term has come to mean a social-change management technology involving the design, implementation, and control of pro-grams aimed at increasing the acceptability of a social idea or practice in one or more groups of target adopters.» (Kotler & Roberto, 1989, p. 24).

influenciar o comportamento voluntário de alvos com o propósito de melhorar o seu bem-estar pessoal e o da sociedade»253

Como referem MacFadyen et al., «pelos anos 80, os académicos já não perguntavam se o marketing devia ser aplicado às questões sociais, mas sim como deveria ser ele aplicado».254

No seu balanço dos primeiros dez anos posteriores à introdução de Kotler e Zaltman (1971), Bloom & Novelli (1981), ou, na sua extensão do marketing social à saúde pública, Lefebvre & Flora (1988) assim como Hastings & Haywood (1991, 1994), já se debruçam, principalmente, sobre as questões que a aplicação da disciplina ia colocando nas suas diversas componentes, nomeadamente, a análise de situações, segmentação de mercado, posicionamento, desenvolvimento de produtos, de estratégia de preços, de estratégia de distribuição, de estratégia de comunicação, concepção e planeamento organizacional, e avaliação.

Para além do próprio campo do marketing, nos seus diversos desdobramentos, o marketing social teve também de situar o seu espaço face às inúmeras abordagens e processos de intervenção em mudança de comportamentos sociais (quadro III.5), ainda que o seu propósito deva ser o de estabelecer com elas processos de sinergia, com a consciência de que nenhuma abordagem ou processo, por si só, pode reivindicar o exclusivo da eficácia na mudança de comportamentos.

Destaquemos, pela sua forte presença, quatro abordagens: a educação, a persuasão, a legislação e a tecnologia.

A abordagem educacional foca-se, sobretudo, na transmissão e aquisição de conhecimentos. Andreasen (1995) chama, contudo, a atenção para algumas das suas debilidades: dificuldade ou incapacidade de transformar o conhecimento em mudança efectiva; dissonância entre o aprendido e a pressão social, resultando na

253 No original: «Social marketing is the application of commercial marketing technologies to the analysis, planning, execution, and evaluation of programs designed to influence the voluntary behavior of target audiences in order to improve their personal welfare and that of their society.» (Andreasen, 1995, p. 7)

254 No original: «By the 1980s, academics were no longer asking if marketing should be applied to social issues, but rather how should this be done?» (MacFadyen et al., 1999, p. 2).

anulação do primeiro; criação de incontroláveis efeitos boomerang, podendo conduzir o conhecimento para resultados perniciosos socialmente.

O marketing social, em consonância com os processos educativos, pode reforçar a focagem na mudança efectiva de comportamentos, bem como na sua condução estratégica, avaliação e monitorização.

Quadro III.5

Algumas abordagens e processos de intervenção em mudança de comportamentos sociais

Fonte: French & Blair-Stevens, 2007 (adaptação)

A persuasão, por seu lado, tem sido objecto de intenso investimento, em inúmeros países e casos, através de campanhas de comunicação mais ou menos amplas, veiculadas por diversos media. Sem menosprezar o seu papel, o marketing social tem insistido, contudo, na avaliação dos resultados dessas campanhas, sendo que ela revela, assiduamente, uma grande incapacidade

Só para nos referirmos a Portugal, Reto & Sá (2003) mostraram essa grande incapacidade nas campanhas sobre melhoria de comportamentos rodoviários. Não só a sua notoriedade era baixa como a concordância com a sua eficácia é muito reduzida (25 por cento dos inquiridos), de tal foma que 97 por cento das pessoas não registavam nenhuma alteração de comportamentos, por via da acção dessas campanhas, apesar dos vastos investimentos nelas feitos, do ponto de vista da visibilidade mediática.

No campo da prevenção da SIDA, Lopes (2006) mostrou resultados semelhantes, com 88,2 por cento dos jovens inquiridos, entre os 14 e os 16 anos, a crerem que a SIDA nem existia, apesar das inúmeras campanhas realizadas nos anos precedentes.

Wallack (1989) designou como fantasia mediática (mass media fantasy), esta convicção «de que quase todos os problemas sociais ou de saúde podem ser adequadamente enfrentados se a mensagem certa for comunicada às pessoas adequadas, de maneira adequada e no tempo adequado»255. Ora, repetidos dados têm demonstrado que assim não é.

Kotler & Roberto (1989), citando Hyman & Sheatsley (1950), já tinha assinalado razões para isto: a forte existência de “ignorantes crónicos”, imunes às campanhas; a dificuldade de motivar o interesse e o envolvimento dos destinatários; a adequação e compatibilidade das mensagens envolvidas; a diversidade de leituras das próprias mensagens, algumas contraditórias com os propósitos desejados.

O marketing social não pretende ignorar ou desmerecer o papel da comunicação. O que pretende, contudo, é inseri-lo em cuidada pesquisa prévia, na boa definição de estratégias que envolvam adequação às pessoas específicas (segmentação e posicionamento), produtos capazes, considerações e decisões eficazes sobre preço e acesso das pessoas aos mecanismos de mudança, tendo em conta uma relação eficaz entre benefícios e custos. Trata-se, mais uma vez, de complementaridade, articulação e sinergia, e não de exclusão.

255 No original: «... that almost any given social or health problem can be adequately addressed if the right message could be communicated to the right people in just the right way at the right time.» (Wallack, 1989, p. 354).

O mesmo se passa com as intervenções baseadas na legislação. Há sempre o já referido efeito delegativo (cf. O’Donnell, 1994; cf. Capítulo II.5) em inúmeras sociedades, consistente na dissonância entre o seu nível formal e as práticas informais. A mera existência de regulamentação e de medidas legislativas não implica a sua prática nem a sua adopção profunda por parte dos cidadãos. Não basta decretar. É necessário ter muito bem em conta as respectivas situações e os envolvidos, criar soluções diversificadas e integradas, cuidar de todos os pormenores que implicam a sua concretização e manutenção. E, aqui, o marketing social pode dar um contributo precioso.

Noutro campo de intervenção, o da tecnologia, as questões são semelhantes. Da saúde à educação, do ambiente à segurança, e em muitas outras áreas, as inovações tecnológicas proporcionarão sempre formas de melhoria de comportamentos sociais. Mas a sua introdução e difusão não dispensam contributos que são próprios do marketing social: a quem dirigir as inovações; como preparar as pessoas para os novos produtos; qual a forma que eles devem apresentar; qual o seu preço; como distribui-los; como comunicar a sua divulgação.

Não há, neste sentido, um determinismo tecnológico que se gera, somente, com a mera introdução de novas tecnologias. Há, sim, toda uma formatação social (social shaping; cf. Hague & Loader, pp. 3-4), antecedente e posterior, que condiciona os efeitos transformadores das tecnologias, e sobre a qual há que exercer um trabalho apropriado quando se trata de visar determinados objectivos comportamentais.

Para além disto, a própria introdução de novas tecnologias provoca, muitas vezes, a emergência de comportamentos sociais negativos cuja correcção se torna necessária, e onde o marketing social também tem um papel a desempenhar.

No documento Carlos O live ira Santo s (páginas 142-148)