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Evolução das políticas de saúde pública em Inglaterra

No documento Carlos O live ira Santo s (páginas 189-194)

O Caso Inglês

IV.2. Evolução das políticas de saúde pública em Inglaterra

Com um serviço nacional de saúde (National Health Service, NHS) fundado em 1948 e com uma política de saúde que tem raízes, pelo menos, cem anos antes, com o Public Health Act, arquitectado por Edwin Chadwick (cf. Sram & Ashton, 1998), seria incompreensível que o referencial da nova saúde pública não tivesse incidência na Inglaterra. Contudo, a sua mediação não foi linear.

294 No original: «Health promotion supports personal and social development through providing information, education for health, and enhancing life skills. By so doing, it increases the options available to people to exercise more control over their own health and over their environments, and to make choices conducive to health. Enabling people to learn, throughout life, to prepare themselves for all of its stages and to cope with chronic illness and injuries is essential. This has to be facilitated in school, home, work and community settings. Action is required through educational, professional, commercial and voluntary bodies, and within the institutions themselves.» (WHO, 1986, p. 3).

Ela far-se-ia no âmbito de uma vasta policy network (cf. Marsh & Rodes, 1992), esboçada na figura IV.2, onde entidades e agentes de diferentes naturezas interagem permanentemente.

Figura IV.2

Policy network da saúde em Inglaterra

Fonte: Baggott, 2007 (facsimile)

Desde a fundação do NHS, a saúde, em Inglaterra, foi objecto de diversas políticas e medidas, nomeadamente referenciadas no Bradbeer Report (1954), no Guillebaud Report (1956), no Plowden Report (1961), no Fulton Report (1968) ou nos green papers de 1968 e 1970, concernentes à sua organização e gestão; no Seebohm Report (1968) e no Todd Report (1968), sobre a relação nacional-local das estruturas e competências; ou no white paper de 1977 sobre prevenção e saúde.295

A tónica social dos serviços de saúde foi sublinhada, aliás, em 1968, com a criação do Department of Health and Social Security (DHSS), campos governamentais só separados em 1988.

Mas foi no final da década de 70 que os ecos da nova política de saúde que o Lalonde Report e a OMS exprimiram, se fizeram sentir, acentuadamente, em Inglaterra, através do relatório Inequalities in Health (DHSS, 1980), mais conhecido por Black Report, devido ao seu coordenador, Sir Douglas Black, relatório encomendado, em 1977, pelo governo trabalhista de James Callaghan, através de David Ennals, como Secretário de Estado, mas finalizado apenas em 1980, já com o governo conservador de Margaret Tatcher.

Apesar do explícito propósito deste novo governo de limitar a divulgação e impedir as recomendações do Black Report, o impacto cognitivo deste documento foi enorme, assinalando a profunda configuração social da saúde, através de disparidades gritantes em inúmeros factores comportamentais, com consequências em taxas de mortalidade muito acima da média, para as chamadas classes baixas (50 por cento maiores nas classes IV e V do que nas classes I e II), a indiciar a responsabilidade governamental no incremento de políticas holísticas de saúde, nomeadamente envolvendo a melhoria dos comportamentos dos cidadãos e as condicionantes envolventes.

Concentrados na melhoria da gestão dos serviços públicos de saúde e na privatização de algumas das suas funções, os governos conservadores de Tatcher e Major, só em 1992, com o governo deste último, elaboraram The Health of the Nation - A Strategy for England, procurando deduzir algumas das recomendações feitas pela OMS na sua Global Strategy for Health for All by the Year 2000.

Em 1997, com os governos do chamado New Labour de Tony Blair, desenvolve-se uma sistemática estratégia de incremento da nova saúde pública, retomando o sentido do Black Report, com o Independent Inquiry into the Inequalities in Health (1998), seguido dos relatórios Securing Our Future Health (2002) e Securing Good Health for the Whole Population (2004), conhecidos como os Wanless Reports.

Neste mesmo ano de 2004, a estratégia governamental definida em Choosing Health, Making Healthier Choices Easier (DoH, 2004), um white paper resultante de pesquisa que envolveu cerca de 150 mil intervenientes, consolidava, decididamente, as orientações anteriores e tornava-se um elemento essencial para a emergência do referencial de marketing social nas políticas de saúde.

Distanciando-se do debate extremo entre o que chama de «paternalismo estatal» e «a mão invisível do mercado» (DoH, 2004, p. 5), esta orientação política sublinha o papel que as escolhas comportamentais dos cidadãos podem ter na significativa melhoria das suas condições de saúde e no nível da saúde na sociedade. Mas nesse papel, o Estado tem uma responsabilidade essencial no apoio a essas escolhas, na promoção de condições conceptuais e materiais para que elas se exerçam.

Impunham-se, neste sentido, inúmeras perguntas. O que pode, de facto, capacitar as pessoas para essas escolhas? Que pode o governo fazer? O que querem e podem as pessoas fazer? Que apoios, do NHS e de outras instituições estatais, desejam e precisam? Enfim, como podemos alcançar melhores escolhas de saúde por parte de todos?

Houve um significativo empenho nas respostas a estas questões, ao mais alto nível, no governo britânico, como o prova o estudo Personal Responsibility and Changing Behaviour: The State Of Knowledge and Its Implications For Public Policy (cf. Halpern et al., 2004), desenvolvido, também no ano de 2004, na própria Prime Minister’s Strategy Unit.

No campo do novo referencial, Choosing Health já não se coloca apenas na instância dos valores mas procura normas e algoritmos (cf. Capítulo I.4) que permitam a obtenção de um real desejado. No dizer de Jobert (1992), passamos de uma dimensão cognitiva para uma outra, normativa.

Neste processo, o próprio método é importante. Desde o início da sua formulação, Choosing Health incorporou princípios do marketing concept. Primeiro, procurou fundar-se em pesquisa, primária e secundária. Daí a consulta prévia a 150 mil pessoas e a análise da cadeia de documentos e experiências iniciada com o Black Report, até aos importantes e recentes Wanless Reports.

Na sequência, Choosing Health adopta também o consumer oriented approach do marketing concept, procurando colocar as pessoas como focos e agentes determinantes da nova política de saúde, quer nos aspectos comportamentais e ambientais, quer na própria formulação dos serviços de saúde. Manifesta-se a convicção explícita que «a abordagem apropriada era capacitar as pessoas, apoiá-las e suportá-las quando elas desejarem apoio e melhorar

envolvimentos e ambientes nos quais escolhas saudáveis sejam mais fáceis de tomar.»296

Outro aspecto importante, na perspectiva marketing deste white paper, é o balanço que faz da ineficácia das abordagens da promoção da saúde meramente centradas na educação e comunicação, aspectos que já abordámos no capítulo III.6:

«O problema não é a falta de informação no que é bom ou não – as pessoas recebem novos “factos” de todo o lado. Mas a mensagens sobre saúde são muitas vezes inconsistentes ou descoordenadas, e mesmo desapropriadas à maneira como as pessoas, hoje, vivem efectivamente as suas vidas.»297

«As pessoas», escreve o white paper, «querem informação sobre como podem fazer a diferença na sua saúde, mas também querem acesso a opções que as possam ajudar a adoptar um estilo de vida saudável.»298 Ou seja, informação não basta, é necessário todo o mecanismo de que já falava Wiebe (cf. Capítulo III.5), e que o marketing pode proporcionar, nomeadamente os aspectos estratégicos de segmentação e posicionamento adequados, bem como a articulação com a concepção de produtos e serviços, com considerações específicas sobre o seu preço para os adoptantes e a distribuição que permita a estes o acesso a eles.

Com tudo isto, o Choosing Health introduz, pela primeira vez nos documentos relativos à política de saúde britânica, uma referência explícita e sublinhada ao papel do marketing nesta área:

«Um grande número de escolhas de estilos de vida são marketizados às pessoas, mas a saúde em si não o é. Promover a saúde com base nos princípios usados pelos marketing comercial – fazendo dela algo a que as

296 No original: «We believe the right approach is to empower people, support people when they want support and to foster environments in which healthy choices are easier.»(DoH, 2004, p. 15).

297 No original: «The problem is not lack of information on what is good for you and what is not – people are getting new ‘facts’ from all sides. But messages about health are sometimes inconsistent or uncoordinated and out of step with the way people actually live their lives.» (idem, p. 21).

298 No original: «People want information about what they can do that will make a difference to their health, as well as access to the options that can help them in adopting a healthy lifestyle – choice in what they eat, how and where they take exercise, and in how they access support services.» (idem, pp. 19-20).

pessoas aspirem e tornando as escolhas saudáveis agradáveis e convenientes – deverá criar uma forte procura para a saúde e influenciar a indústria, naquilo que produz, a ter mais em conta as questões de saúde em geral.»299

E adianta outra referência explícita, ao marketing social:

«A pesquisa Choosing Health recolheu contributos de pessoas que ajudam a fazer das escolhas menos saudáveis as mais sexys – marketers e publicitários. Elas disseram-nos que o poder do marketing social, através de instrumentos do marketing aplicados ao bem social, poderia ser usado para construir notoriedade pública e mudança de comportamentos, tornando menos atractivos os que prejudicam a saúde e encorajando os que a promovem. Para ser eficiente na influência da procura da saúde, as mensagens de marketing devem ser emitidas, recebidas, percebidas e postas em prática.» 300

IV.3. Uma política nacional de marketing social nas políticas

No documento Carlos O live ira Santo s (páginas 189-194)