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2. Enquadramento teórico

2.2. A Geometria

2.2.2. A aprendizagem da Geometria e as dificuldades dos alunos

2.2.2.2. Dificuldades dos alunos

A aprendizagem da Geometria permite, também, desenvolver outras capacidades, como a capacidade de verbalização, que envolve a troca de ideias e argumentos e negociação de significados (Matos & Serrazina, 1996). Para Ponte (2005), são os momentos de discussão que proporcionam a troca de ideias e negociação, pelo que as atividades desenvolvidas em Geometria são um excelente meio para desenvolver a comunicação dos alunos (Abrantes et al., 1999). O estudo da

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Geometria permite, ainda, desenvolver capacidades ao nível da organização lógica do pensamento matemático, através da intuição espacial e a descoberta de propriedades e relações entre objetos (Matos & Serrazina, 1996).

Apesar do contexto natural privilegiado para desenvolver diversas capacidades, o insucesso dos alunos na aprendizagem da Geometria é reconhecido em variados estudos, pelo que alguns investigadores se têm debruçado sobre a função das imagens mentais na forma como se resolvem problemas, nas dificuldades percetuais dos alunos na compreensão dos desenhos e figuras, na interpretação de representações visuais de conceitos, no estudo da capacidade em imaginar transformações em objetos matemáticos e na comunicação do pensamento matemático, através do uso de vocabulário geométrico adequado (Gutiérrez, 1998).

Quando pretendemos expor certos raciocínios, não o fazemos apresentando conceitos ou objetos, mas sim utilizando expressões, gráficos, diagramas, desenhos ou símbolos, que representam o que queremos; isto é, servimo-nos de representações externas. No entanto, quando pretendemos comunicar os nossos conhecimentos, somos obrigados a pensar sobre os objetos e conceitos matemáticos, formando imagens mentais sobre os mesmos, as denominadas “representações internas” (Duval, 2006; Goldin, 2008). Castro e Castro (1997) consideram que estas representações têm a dupla função de atuar como um estímulo para os sentidos, nos processos de construção de novas estruturas mentais, e permitem expressar conceitos e ideias.

Uma das formas mais comuns de representação de conhecimento geométrico é o desenho, fundamental para a compreensão de conceitos e ideias (Battista, 2007): os desenhos permitem a ilustração de teoremas e/ou definições, resumem conjuntos de informação e auxiliam na construção de provas/demonstrações (Parzyz, 1991), podendo fornecer contraexemplos. Ainda assim, os alunos revelam ter dificuldades em compreender a sua utilização, atribuindo caraterísticas de um desenho ao objeto geométrico que este está a representar, não compreendendo que o desenho não representa necessariamente todas as informações sobre o objeto (Parzysz, 1988; Battista, 2007).

De acordo com Yerushalmy e Chazan (1990), as dificuldades dos alunos com a utilização de desenhos relaciona-se com a sua particularidade, com o seu uso comum e com a forma como o desenho pode ser visto e descrito, isto é, as suas múltiplas interpretações. A utilização de um caso particular de desenho pode prender a atenção em detalhes irrelevantes ou conduzir a informação que não é válida: um desenho

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representa uma classe de um objetivo, servindo de base ou modelo para o mesmo, no entanto, tem caraterísticas próprias que não são representativas da classe (Presmeg, 1986). Esta ideia é salientada num estudo desenvolvido com alunos do 9.º ano de escolaridade, sobre a aprendizagem da Geometria em ambientes de geometria dinâmica, no qual se verificou que uma das principais dificuldades dos alunos na construção das suas justificações foi a visualização, sendo que estes se apoiaram, sobretudo, nos desenhos propostos nas fichas de trabalho: “os desenhos dados nas fichas influenciaram grandemente o trabalho dos alunos” e “as justificações baseadas nas evidências das imagens foi predominante” (Junqueira, 1995, p.31-132).

Ferreira (2005), num estudo com alunos de 9.º ano de escolaridade, também afirma que os alunos se basearam fortemente na evidência das imagens, incapacitando- -os de produzir justificações que não se baseavam nessa evidência:

Poucas foram as vezes que [os alunos] sentiram a necessidade de procurar justificações, salvo quando eram confrontados com as nossas questões ou púnhamos em causa as suas respostas (…) limitando-se muitas vezes a dizer “vê-se logo” ou “parece” (…) Não sabemos a que se deveu, mas a justificação baseada na evidência das imagens foi, assim, predominante. (p.196)

Na formação de imagens mentais, os desenhos a estas associados assumem um papel de relevo na construção do conhecimento matemático, em particular na Geometria. No entanto, nem sempre é claro para os alunos que o desenho é somente uma representação física dessas imagens (Gravina, 1996).

Segundo French (2004), o ensino da Geometria deve desenvolver-se proporcionando uma experiência rica através da observação, tratamento, manipulação e descrição de formas. Contudo, os alunos apresentam dificuldades que, muitas das vezes, têm a ver com a sua intuição. De acordo com o mesmo autor, a confusão dos alunos não resulta por si só de uma confusão na linguagem, mas sim no facto de pensarem que os conceitos estão relacionados entre si. Esta ideia é salientada por Ferreira (2005), que refere que os mesmos “por vezes, misturavam a aparência [a sua intuição através da observação de casos] com algumas relações ou propriedades que já tinham estudado, mas sem conseguirem estabelecer um encadeamento lógico das relações que observavam (p.183).

Também o rigor da linguagem utilizada é uma dificuldade evidenciada em alguns estudos. Salvador (2013), num estudo com alunos do 9.º ano de escolaridade

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focado em Geometria, concluiu que a maioria dos alunos consegue aplicar os conceitos e propriedades estudadas “embora demonstrem algumas dificuldades em enunciá-las, usando linguagem mais formal” (p.77). Capa (2015), no seu estudo que pretendia analisar as aprendizagens desenvolvidas pelos alunos de 9.º ano de escolaridade no tópico Circunferência, menciona igualmente o rigor da linguagem como uma dificuldade evidenciada pelos alunos, referindo que ao tentar relacionar a medida da amplitude de dois arcos, os alunos concluíram que “𝛼 é igual a 𝐴𝐵̂ mais 𝐷𝐸̂ a dividir por dois” (p.62), não esclarecendo que se estão a referir ao conceito de amplitude.

A compreensão do vocabulário utilizado e a comunicação de raciocínios geométricos constituem, igualmente, duas dificuldades evidenciadas pelos alunos, como mostram alguns estudos. Guillén (2000), num estudo com alunos do 6.º ano de escolaridade, fez menção às dificuldades que os alunos “apresentam em utilizar e expressar corretamente o vocabulário próprio da Geometria quando enunciam propriedades ou relações” (p. 59), como forma de justificar algo.

Por último, uma dificuldade frequentemente presente nos alunos, quer em Geometria, quer, mais geralmente, em Matemática, diz respeito à compreensão dos enunciados propostos. Esta ideia é referida por Braga (2014), no seu estudo sobre a resolução de problemas no ensino-aprendizagem do tópico Circunferência, desenvolvido com alunos do 9.º ano de escolaridade:

Perante os problemas propostos, e tendo em conta as dificuldades que se prendem com a resolução destes, talvez a primeira dificuldade verificada se prenda com a interpretação do enunciado, ou seja, a interpretação do texto em si e de informações concretas, não interpretando os alunos corretamente o que o problema transmite. (p.60)

Em suma, a Geometria, apesar de ser um meio privilegiado para o desenvolvimento da intuição, raciocínio e capacidades transversais do aluno, comporta diversas dificuldades, como (a) o uso de desenhos e sua compreensão; (b) a visualização espacial; (c) a desconexão de ideias e incapacidade de interligação das mesmas, construindo uma argumentação coesa; (d) o rigor da linguagem utilizado; e (e) a compreensão e apropriação do vocabulário próprio da Geometria.

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