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Henri Wallon assume o meio como peça fundamental para a sua teoria, pois

considera que a pessoa se constitui a partir do meio em que está inserida. Como

Wallon faleceu em 1962, ele não teve a oportunidade de incluir, em seus estudos, o

meio digital e sua influência na constituição da pessoa e suas possíveis

consequências.

Para esse trabalho, entende-se a importância de descrever como a nossa

sociedade vem sendo alterada pelas tecnologias. Essa evolução interfere

sistematicamente na maneira de oferecer, planejar e executar a Educação a

Distância.

Processos novos que a tecnologia oferece são responsáveis por nos colocar

em uma rotina com hábitos e costumes muito diferentes das outras gerações. Tais

mudanças aconteceram de uma maneira muito rápida, se compararmos com outros

fatos marcantes da história da humanidade, como a Revolução Industrial, por

exemplo. Sobre essa rapidez dos acontecimentos, Gómez comenta:

É surpreendente observar a aceleração exponencial da mudança e da

evolução do ser humano: a hominização durou vários milhões de anos; a

pré-história nômade, quase um milhão de anos; a época agrícola e

pecuária, já sedentária, cerca de sete mil anos; a era industrial não chega

aos 300 anos; e da era digital temos apenas quadro décadas (GÓMEZ,

2015 p. 15).

A revolução tecnológica digital nos proporcionou uma mudança na maneira

como nos relacionamos e comunicamos para algo nunca visto até então. Os muros

caíram e a sociedade vive, agora, em um espaço sem limites. Os autores Jenkins,

Green e Ford destacam esse período como sendo

Um momento de transição, em que um sistema antigo está se

despedaçando sem que saibamos ainda o que vai substituí-lo – um

momento que está envolvido em contradições, uma vez que públicos e

produtores fazem propostas que concorrem entre si para uma nova

economia moral que substituirá o paradigma da radiodifusão, que dominou

a produção e a distribuição cultural ao longo do século 20 (JENKINS,

GREEN, FORD, 2014, p. 355).

Seguindo a análise dos autores, trata-se de uma cultura em

desenvolvimento, (JENKINS, GREEN, FORD, 2014, p.355) mais participativa e,

dessa forma, mais diversificada, pois desafia algumas tradições arraigadas e amplia

as oportunidades econômicas, comunicacionais e sociais.

Santaella afirma que milhões de pessoas passaram a interagir

comunicacionalmente praticamente em tempo real, já que muitas relações

interpessoais acontecem na internet. Como se não existisse mais a distância, de

certa forma, tudo está se tornando digital. Sobre isso a autora relata que:

A entrada do século XXI deverá ser lembrada no futuro como a entrada dos

meios de comunicação em uma nova era: a da transformação de todas as

mídias em transmissão digital, como se o mundo inteiro estivesse, de

repente, virando digital (SANTAELLA, 2001, p.14)

Podemos datar os anos 50 como o período precursor dos estudos em

informática e cibernética, seguidos dos anos 70 que foi a década que viveu o

apogeu desses estudos, solidificando-se nos anos 80 pela informática de massa. A

maior revolução acontece, no entanto, nos anos 90 com o aparecimento das

tecnologias digitais e a popularização da internet, momento esse que foi possível

tornar as relações ainda mais interativas, premissa fundamental para a cibercultura

(LÉVY, 1999).

O termo “cibercultura” foi cunhado por Pierre Lévy, que, ao longo da sua

trajetória acadêmica, dedicou-se ao estudo do impacto da internet na sociedade e

como ela afeta as humanidades digitais e virtuais. Para o autor, a cibercultura é um

fenômeno provocado pelos avanços tecnológicos, em especial a internet. Ele afirma

que o

Neologismo "cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais

e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de

valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço

(LÉVY, 1999, p.17)

Nesse contexto, o espaço onde se desenvolve a cibercultura é definido por

Lévy como o registro histórico da gênese do processo, o ciberespaço:

O ciberespaço designa o universo das redes digitais como lugar de

encontros e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira

econômica e cultural. Existe no mundo, hoje, um fervilhar de correntes

literárias, musicais, artísticas, quando não políticas, que falam em nome da

“cibercultura”. O ciberespaço designa menos os novos suportes de

informação do que os modos originais de criação, de navegação no

conhecimento e de relação social por eles propiciados (LÉVY, 2010, p.104).

Os dispositivos eletrônicos permitem que as atividades antes complexas

sejam concretizadas em intervalos cada vez menores. Eles também possibilitam

uma mobilidade nunca vista antes, já que celulares e tablets – conectados à internet

– fazem com que não haja mais restrição a um determinado espaço, remetendo-nos

a uma existência sem muros ou lugares fixos. A respeito desse potencial dos

computadores, (hoje também representado pelos dispositivos eletrônicos), Lévy traz

uma contribuição para o entendimento de seus potenciais:

O computador não é mais um centro, e sim um nó, um terminal, um

componente da rede universal calculante. Suas funções pulveirizadas

infiltram cada elemento dos tecnocosmos. No limite, há apenas um único

computador, mas é impossível traçar seus limites, definir seu contorno. É

um computador cujo centro está em toda parte e a circunferência em lugar

algum, um computador hipertextual, disperso, vivo, fervilhante, inacabado: o

ciberespaço em si (LÉVY, 1999, p.45).

Pierre Lévy afirma que a cibercultura propaga a presença e a interação do

espaço físico, social ou informacional (1999, p. 49), por isso ela é complementar a

outro fenômeno: a virtualização.

Lévy constrói o conceito de virtual a partir de três definições: o técnico –

relacionado à informática –, seguido da corrente e do filosófico. A ideia de corrente

serve para demonstrar como o virtual, em muitas vezes, é usado para significar a

irrealidade. No entanto, o real presume uma efetivação material, isto é, uma

presença tangível.

Nos termos filosóficos, o virtual é aquilo que existe apenas em potência e

não em ato (1999, p.49) e não é uma oposição ao real e ao material. O virtual existe,

mas é uma entidade “desterritorializada”, que tem capacidade de gerar

manifestações concretas em momentos diferentes e em determinados locais, sem

estar preso a um espaço ou tempo pré-fixado (1999, p.49).

Para completar o conceito de Lévy, trazemos a ideia defendida por Coelho,

que afirma que:

A expressão realidade virtual designa a situação real (um ambiente físico

real, concretamente existente) na qual se experimenta de modo artificial a

sensação própria de uma outra experiência real ou imaginada diretamente

não vivida nesse mesmo momento. É uma experiência interativa

proporcionada por computador num ambiente que é simulacro de um outro,

existente ou imaginado (COELHO, 2019, p.140).

Dentro desse contexto de mudança de paradigma e de forma de interagir no

ciberespaço, Henry Jenkins (2009) colabora com uma teoria que nos introduz ao

conceito de cultura da convergência. Para ele, o cruzamento das velhas com as

novas mídias, em um processo de ressignificação de conteúdo, cria formas de

contar e criar histórias, o que se define como “narrativa transmídia”.

Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de

mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para

o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de

melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser

expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser

explorado em games ou experimentado como atração de um parque de

diversões (JENKINS, 2009, p.138).

A virtualização das coisas nos permite viver experiências disruptivas nas

esferas econômicas, sociais e culturais. Henry Jenkins chama essa transformação

de “convergência”:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas

plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e

ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que

vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento

que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir

transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais,

dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando

(JENKINS, 2009, p.29).

A conectividade das pessoas no meio digital traz à tona uma relação de

dependência e conexão entre pessoas, como também a forma de nos relacionar,

segundo Teixeira Coelho.

Todos estão ligados a todos, tudo está ligado a tudo, uma coisa depende da

outra, uma coisa provoca outra. Mais do que em qualquer outro momento

da história da humanidade, a distância foi encurtada ou abolida para quase

todos os efeitos... A ideia de rede, de malha, encontra concretude real – e a

rede é de tal natureza que toda intervenção numa parte dela é uma

intervenção em toda ela, intervenção em cadeia como num ecossistema.

Estar conectado é o novo imperativo – e as pessoas estão de fato

conectadas a muitas outras, em tempo real quase sempre ou logo em

seguida (COELHO, 2019, p.71).

Outra característica determinante do meio digital é a exponencialidade.

Coelho afirma que:

A exponencialidade é um dos registros próprios e motores da eCultura.

Trata-se de uma exponencialidade não apenas da velocidade trazida pela

inovação (inovação é outro modo da velocidade, outro nome para

velocidade) que foi gradativamente aumentada no passado com a máquina

a vapor, o navio a vapor, o trem, o telefone, o telegrafo sem fio, a luz

elétrica, a televisão ao vivo; agora, essa velocidade é exponencializada –

inclusive na sua possibilidade de destruição (o risco existencial, enorme

desde a bomba atômica e agora aumentado pela implosão do ser humano

via computação), nas combinações previsíveis e nas inesperadas, na

amplificação, na unificabilidade (COELHO, 2019, p. 128).

Podemos afirmar que a velocidade é base para essa nova sociedade em

que vivemos, composta por uma logística da percepção que oferece um poder sobre

aquilo ou algo que se move mais devagar. Coelho explica que um território não se

controla por fronteiras e barreias, mas pelo movimento e pela circulação acelerada

de conteúdo (2019, p. 129). Sobre a disrupção dos fatos e como empresas surgem

desta alteração do tempo e das realizações das coisas, o autor conta que

A disrupção das fronteias e do que define sua existência, como as leis e o

contrato, é uma consequência imediata da velocidade, mais ainda da

velocidade exponencializada, como atestam as práticas (de Uber, Airbnb e

equivalentes, todas elas práticas intencionais, conscientes de seu efeitos):

não há tempo para o adversário (o táxi tradicional, o hotel) recuperar-se a

menos que o controle central (do Estado) seja igualmente rápido, algo que

por definição o Estado não consegue ser e, hoje, não quer ser (COELHO,

2019, p. 129).

Todo esse processo nos remete a uma imersão em novas formas de

relações e de comunicação. Isso revela diferentes maneiras de interação que

interferem diretamente na geração e compartilhamento do conhecimento.