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Inicialmente, cabe ilustrar o que são limites imanentes. José Carlos Vieira de Andrade os conceitua como “as fronteiras definidas pela própria Constituição que os cria ou recria” (2012, p. 271). A doutrina da imanência surgiu na Alemanha como justificativa às limitações de direitos que não o eram pela reserva legal. Os limites seriam derivados da sua própria natureza e da necessidade de conciliar os direitos e valores constitucionais. Tal teoria vai ao encontro da concepção de que os direitos fundamentais não são absolutos e que devem ser harmonizados entre si. Outrossim, a palavra imanente está diretamente ligada àquilo que é intrínseco, natural e indispensável (PEREIRA, 2006). A imanência decorre do fato de que cada direito fundamental compreende em si mesmo determinados limites (GAVARA DE CARA, 1994 apud PEREIRA, 2006). Os limites imanentes são aqueles que não estão escritos, resultam da essência dos direitos fundamentais (PEREIRA, 2006). Em alguns casos, os limites imanentes só podem ser determinados por meio de interpretação, visto que podem estar implícitos no ordenamento constitucional. Nesse sentido:

Preferimos, por isso, considerar a existência de limites imanentes implícitos nos direitos fundamentais, sempre que (e apenas quando) se possa afirmar, com segurança e em termos absolutos, que não é pensável em caso algum que a Constituição, ao proteger especificamente um certo bem através da concessão e garantia de um direito, possa estar a dar cobertura a determinadas situações ou formas do seu exercício; sempre que, pelo contrário, deva concluir-se que a Constituição as exclui sem condições nem reservas. [...]

O problema deve, portanto, ser resolvido como problema de interpretação dos preceitos que preveem cada um dos direitos fundamentais no contexto global das normas constitucionais. O que se pergunta é se o programa normativo do preceito em causa inclui ou não um certo aspecto ou modo de exercício, isto é, até onde vai o domínio de proteção (a hipótese) da norma. Se num caso hipotético ou concreto se põe em causa o conteúdo essencial de outro direito, ou quando se atingem

intoleravelmente valores comunitários básicos ou princípios fundamentais da ordem

constitucional, deverá resultar para o intérprete a convicção de que a proteção constitucional do direito não quer ir tão longe. E, então, o domínio protegido do direito é delimitado pelos direitos dos outros ou por valores comunitários fundamentais [...] (ANDRADE, 2012, p. 274-276, grifo do autor).

Os limites imanentes são estipulados tendo em consideração os casos – hipotéticos ou concretos – em que, sem dúvida alguma, o direito fundamental não pode ser aplicado (ANDRADE, 2012). Parte da doutrina conceitua os limites imanentes como externos, alheios ao conteúdo do direito, sendo demarcados após a ponderação6 (PEREIRA, 2006). A despeito

da discussão teórica acerca dos limites imanentes, reporta-se que a dignidade da pessoa humana é o cerne para o desenvolvimento das referidas limitações e limites. A dignidade da pessoa não é só parte do conteúdo dos direitos fundamentais, mas é, também, limite imanente à aplicação dos mesmos. Ora, em um Estado Democrático de Direito que tem como base o princípio da dignidade humana, coração do ordenamento jurídico, não há de se falar em aplicação ou exercício de um direito se ele violar a dignidade de terceiros ou da própria comunidade. Deve-se observar, com efeito, o que deve prevalecer no caso concreto: se a dignidade que seria violada – de um indivíduo ou de vários – com o exercício de determinado direito fundamental, ou a dignidade – que também seria violada – daquele que pretende a fruição de tal direito, já que a dignidade da pessoa é núcleo e limite imanente dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, além de alicerce e elemento coadunante material dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa também é um limite ao próprio poder de restrição desses direitos. Deve-se privilegiar a proteção à pessoa humana, à sua dignidade. O Estado não deve agir apenas abstendo-se para proteger a dignidade dos cidadãos e a fruição dos direitos fundamentais, mas deve atuar tendo a ciência de que os próprios particulares podem violar a dignidade e obstar o exercício de direitos fundamentais de terceiros. Ademais, como exposto, os limites imanentes resultam da essência dos direitos fundamentais, e a dignidade da pessoa humana faz parte do núcleo do conteúdo desses direitos. Sendo os direitos fundamentais concretizações, projeções da própria dignidade da pessoa humana, decorrentes e emanados dela, não se poderia admitir que eles fossem concebidos já violando a dignidade da pessoa. Portanto, defende-se a dignidade humana como limite a esses direitos.

6 Jane Reis Gonçalves Pereira (2006) entende que os limites imanentes como internos e intrínsecos, ou como

limites definidos após o resultado da ponderação, apresentam problemas. Deve-se, segundo a autora, adotar a

teoria interna e reconhecer tais limites como intrínsecos, ou há de se adotar a teoria externa e reconhecer que os

limites não podem ser chamados de imanentes, pois são limites a posteriori. Neste estudo, defende-se a adoção da teoria externa concomitantemente à concepção dos limites imanentes como intrínsecos. A dignidade da pessoa humana é o limite imanente (intrínseco) aos direitos fundamentais. E, mesmo sendo reconhecida a concepção de limites imanentes, no caso da dignidade da pessoa, justifica-se a colisão entre os direitos fundamentais, tendo em vista que a colisão teria como objeto a dignidade humana.

Os direitos fundamentais devem ser compreendidos a partir do ponto de vista de que, a

priori, possuem aplicabilidade máxima, já que seu exercício presume a concretização da

dignidade humana – como núcleo de conteúdo. No entanto, uma sociedade livre e plural deve prestigiar a existência de direitos fundamentais de terceiros e suas dignidades, bem como o próprio valor comunitário, o que justifica a existência da dignidade da pessoa humana como limite imanente (ao exercício) dos direitos fundamentais. Confere-se, assim, função quádrupla à dignidade da pessoa humana quando da interpretação constitucional e colisão entre direitos e bens constitucionais. Quatro elementos que hão de ser observados, a saber: 1) dignidade da

pessoa humana como núcleo de conteúdo dos direitos fundamentais; 2) dignidade da pessoa humana como limite imanente dos direitos fundamentais; 3) dignidade da pessoa humana como elemento limite às restrições dos direitos fundamentais e 4) dignidade da pessoa humana como princípio de unidade da Constituição.

De modo semelhante aos outros três elementos, o princípio de Unidade da Constituição determina que a Lei Maior deve ser interpretada à luz da dignidade da pessoa. Percebe-se que os quatro elementos explicitados decorrem do reconhecimento da dignidade humana como “super princípio” da Constituição Federal. Os conflitos e casos constitucionais devem ser interpretados à luz da dignidade da pessoa humana, havendo de ser privilegiada nas mais diversas situações. Como exceção, admite-se sua inaplicabilidade, mas não de forma absoluta, principalmente quando ocorrem os casos difíceis: dignidade da pessoa humana

versus dignidade da pessoa humana. Um dos exemplos desses casos é a liberdade de

expressão versus o discurso do ódio – uma possível limitação ao exercício daquele direito fundamental –, tema que será abordado a partir dos tópicos seguintes.