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Proposta complementar de conceituação do discurso do ódio e seus tipos

Com efeito, o discurso do ódio se apresenta com o uso de expressões que tenham o objetivo de depreciar, menosprezar, desqualificar e humilhar determinadas pessoas. Através da fala odiosa, o ser humano é tratado como objeto, desrespeitado socialmente. Não se trata de mera implicância ou discordância, o hate speech relaciona-se com a discriminação e vai além dela (SILVEIRA, 2007). Elizabeth Thweatt (2002) sublinha que definir o ódio, elemento central dessa manifestação desenvolvida no presente estudo, é problemático. O seu alcance é vasto o suficiente para tocar vários aspectos das vidas dos indivíduos. O ódio afeta o subconsciente das pessoas, pode lesar e até matar suas vítimas. Reconhece-se que o cerne do ódio é exatamente a desvalorização do outro. Há uma falha em aceitar e reconhecer o valor alheio, assim também como em reconhecer a contribuição que cada cidadão pode ofertar à sociedade.

É oportuno sublinhar que o discurso do ódio é composto por dois elementos primordiais: a discriminação e a externalidade. Não há de se falar em discurso do ódio quando não é externalizado, apenas quando manifestado. Como manifestação segregacionista, fundamenta-se no biombo superior/emissor e inferior/atingido. Além de manifestado, saindo da esfera de pensamento do emissor, o hate speech deve expressar discriminação e desprezo. As pessoas que partilham algumas características que as fazem integrantes de um determinado grupo são tratadas como inferiores, indignas. A fala odiosa também pode ser dividida em dois atos. O primeiro é o insulto, que está diretamente relacionado com a vítima, é a própria agressão e ofensa à dignidade do atingido e do grupo a qual ele pertence. O segundo ato é a

instigação, que traduz a possível natureza panfletária do discurso do ódio quando também

pode suscitar a participação alheia, de indivíduos que não se identificam como vítimas de tal discurso, a partilharem das mesmas ideias e alargar a amplitude do primeiro ato, inclusive com ações (SILVA et al, 2011).

Feitas essas considerações, verifica-se que o discurso do ódio é um fenômeno cuja conceituação é dificultosa e a doutrina não o define de maneira satisfatória. A complexidade da sociedade atual, o fato dos cidadãos serem “forçados” a conviver com indivíduos possuidores de inúmeras características diferentes, além do advento da revolução tecnológica, que possibilitou uma maior propagação de tendências – inclusive as negativas, como o hate

speech – e o surgimento de uma nova era no setor de comunicações, são fatores que geram a

Portanto, do ponto de vista da construção de um conceito normativo, em conformidade com os conceitos e critérios contidos na própria lei internacional, pode-se dizer que o discurso do ódio consiste na manifestação de ideias

intolerantes, preconceituosas e discriminatórias contra indivíduos ou grupos vulneráveis, com a intenção de ofender-lhes a dignidade e incitar o ódio em razão dos seguintes critérios: idade, sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idioma, religião, identidade cultural, opinião política ou de outra natureza, origem social, posição socioeconômica, nível educacional, condição de migrante, refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno, deficiência, característica genética, estado de saúde física ou mental, inclusive infectocontagioso, e condição psíquica incapacitante, ou qualquer outra condição. (SCHÄFER; LEIVAS; SANTOS, 2015, p. 149-150, grifo nosso).

O conceito acima apresentado é o que mais se harmoniza com o pretendido pelo presente estudo. Não obstante, ainda carece de alguns ajustes, assim como os outros exposados ao longo deste tópico e do tópico anterior. À vista disso, propõe-se a tentativa de um conceito complementar, que não se limite a determinadas características gerais ou se prenda às vítimas mais habituais do hate speech. A fala odiosa atinge cada vez mais indivíduos, podendo vitimar pessoas que não façam sequer parte de grupos estigmatizados ou

vulneráveis, até mesmo das chamadas minorias, como usualmente sugerem as definições dos

autores brasileiros e estrangeiros. Ainda há, como exemplo, o discurso do ódio feito pelos indivíduos que são vítimas do hate speech contra aqueles que os discriminam e humilham.

O discurso do ódio pode ser definido como manifestação de pensamentos que tenham o condão de insultar, intimidar, assediar, desprezar, desqualificar, discriminar e ainda instigar o preconceito, a discriminação, o ódio e a violência contra suas vítimas, sejam de grupos

estigmatizados/vulneráveis ou não. O discurso do ódio deve utilizar o direito fundamental da

liberdade de expressão – de forma genérica, não abarcando somente a liberdade de expressão do pensamento – para atingir e ofender diretamente a dignidade da pessoa humana da vítima ou de suas vítimas, bem como os seus mais básicos direitos, como o direito à igualdade. Além de desqualificar a vítima como detentora de direitos e de dignidade, pode ainda suscitar ideias de supressão e negação desses direitos, provocando um cenário onde as vítimas sintam- se excluídas, segregadas e dificultando sua participação na sociedade e no debate público.

O hate speech tem o condão de utilizar argumentos emocionais para ganhar mais adeptos, bem como cria estereótipos, seleciona fatos convenientes ao ponto de vista do emissor, taxa as vítimas como se fossem inimigos, além de se aproveitar da afirmação e da repetição. Isto é, o discurso do ódio não pretende apenas manifestar uma ideia do agressor, ele também se empenha para ampliar a discriminação. Rosane Leal da Silva et al (2011) observa que além de atacar a dignidade da vítima, o discurso do ódio viola a característica de todo o

grupo a qual ela pertence e das pessoas que compartilham as características que causaram a discriminação. A vitimização difusa é ocasionada pela fala odiosa, não sendo possível identificar quem e quantas são as vítimas. Considerando o aspecto da vitimização difusa, propor-se-á, neste trabalho, uma classificação própria, com o propósito de compreender a amplitude do discurso do ódio e, consequentemente, a conjuntura que pode levar a restrição à liberdade de expressão, os efeitos do hate speech e as suas consequências.

No primeiro caso originado dessa classificação, identificam-se três elementos:

emissor, grupo atingido e sociedade. O emissor é aquele que perpetra a fala odiosa,

manifestando seus pensamentos e atingindo diretamente um grupo, ofendendo a dignidade dos membros desse grupo, sem proferir (o discurso odioso) ou agir contra uma vítima em particular, pois a vítima é exatamente o grupo e seus integrantes. Em um último grau, atinge a sociedade, que também é vítima do hate speech. Na segunda hipótese, também detectam-se três elementos: emissor, vítima direta e sociedade. Essa hipótese leva em consideração o conceito defendido por este estudo, que o discurso do ódio não precisa necessariamente atingir um determinado grupo. O atingido é a vítima direta, e a vítima secundária é a sociedade.

A terceira possibilidade de discurso do ódio, a mais comum, é exatamente a que congloba o maior número de elementos: emissor, vítima direta, grupo a qual a vítima

pertence e sociedade. O emissor, nesse caso, ofende diretamente a vítima e fere sua dignidade

humana, mas também, ao manifestar seu pensamento odioso, ofende o grupo a qual ela pertence e a dignidade humana dos seus membros. Novamente, a sociedade também perde com o hate speech, sendo a vítima secundária. A partir da análise das possibilidades e dos graus em que o discurso do ódio pode ser manifestado, observa-se que a sociedade sempre é sua vítima, ou seja, a vitimização difusa é uma característica constante do discurso do ódio. Não é possível a existência de um cenário em que o discurso do ódio não atinja a sociedade, uma vez que pretende atingir a dignidade humana de suas vítimas e torna inviável a participação delas na sociedade, fere o princípio da igualdade, o debate público livre, o princípio democrático e o Estado Democrático de Direito.