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2.3 Os dilemas da educação teológica

Havia graves temores por parte das igrejas em relação ao reconhecimento formal, em boa medida, também por isso o processo de reconhecimento demorou tanto sob o poder do Ministério de Educação. Talvez tenha havido falta de um esforço conjunto com vistas à aceleração de tal processo. Adriana de Souza nos propicia uma listagem de alguns

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SOUZA, Mulheres docentes em instituições teológicas protestantes da grande São Paulo, p. 53.

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É de 1888 a decisão de criá-lo, período de nascimento do Sínodo Presbiteriano do Brasil, depois de inúmeras discussões a respeito de sua localização por alas vinculadas às missões americanas e pela tendência nacionalista. Foi fundado na cidade de São Paulo, em 1894, e atualmente localiza-se na cidade de Campinas. Cf.: SOUZA, ibid., p. 55.

77

ANDRADE apud SOUZA, ibidem.

78

MOON, John. Batista. In: MATEUS, Odair Pedroso (ed.). Situação da educação teológica. São Leopoldo: Sinodal, 1989. p. 16.

79 O ano de 2006 marcou o trigésimo aniversário do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da

Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), que foi o primeiro instituído no país.

80

MARTINS, Implantação, marginalidade e reconhecimento formal, p. 61-65. p d fMachine

desses motivos: o medo da secularização dos espaços teológicos, o que implicaria na perda de controle sobre quem entra nessas instituições; o medo de que o MEC pudesse interferir nos objetivos, currículos e na administração das casas de ensino teológico; além da possibilidade de perda do domínio confessional.

Não obstante o problema do reconhecimento formal, mas também ligado a ele, o espaço de discussão teológica por excelência imergiu, ainda segundo Adriana de Souza, numa crise com relação à escolha de seu corpo docente: brilhantismo intelectual e titulações ou vida particular de acordo com as prescrições de determinada linha confessional à qual vincula-se o referido centro de formação?

Estas observações são determinantes sobretudo para situar os temores do reconhecimento, num horizonte de crise identitária causada pelas incongruências de duas forças que interagem entre si: “tradição e modernidade.” Veja-se a escolha do corpo docente que era e ainda é um aspecto de muita importância para o Seminário ou Faculdade de Teologia. Todavia nota-se uma suspeita, ainda hoje, com o teólogo-pesquisador, o que parece contraditório, uma vez que o protestantismo é uma religião racional e elitizada. Normalmente os professores são também pastores em exercício de sua atividade pastoral. O

resultado desta alquimia pode ser visto em suas práticas, como no exemplo citado,81 o

brilhantismo intelectual e a titulação são preteridos à confissão, a vida de acordo com a teologia e com a moral da Igreja. Diria-nos Foucault (2004) que estas são evidências dos mecanismos para se controlar a produção da "vontade de verdade". É necessário selecionar bem o corpo docente para o Seminário cumprir seu papel funcional, ou seja, continuar como um organismo que faz parte de um todo orgânico como deve ser a igreja. Determinar o modus vivendi de um docente e preferir que este seja pastor a teólogo-pesquisador deixa claro o medo que a igreja tem das inovações teológicas. Nesse sentido, Bourdieu e Passeron (1975:205) chamam a atenção para a “tendência à auto-reprodução que caracteriza as instituições escolares e a recorrência própria das práticas ligadas às exigências próprias da

instituição ou das tendências próprias a um corpo de docentes profissionais”.82

O dilema suscitado pelas novas escolas teológicas (os institutos) frente aos já estabelecidos Seminários Teológicos, ao qual já fizemos referência, tinha como pressupostos um pretenso academicismo teológico nos seminários que traria como conseqüência o despreparo dos obreiros para a Missão. Os representantes do ensino teológico desenvolvido nos seminários, por outro lado, consideravam a educação teológica dos institutos como um treinamento de “técnicos”, “formação deficiente, que rompe o diálogo com a cultura e cria

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A autora fazia alusão a uma observação de Jean-Paul Willaime: “É precisamente porque o protestantismo, em uma certa perspectiva, foi uma ‘religião moderna’, que a sua pertinência se encontra hoje profundamente questionada”. Cf.: SOUZA, Mulheres docentes em instituições teológicas protestantes da grande São Paulo, p. 66.

82

Id., ibid., p. 66, 67. p d fMachine

esquemas teológicos rígidos, bem ao gosto dos fundamentalistas”.83 Mas Longuini Neto considera que este dilema não se situava entre academicismo e não academicismo.84 Relacionava-se, antes, com a concepção de Educação Teológica, sua natureza e fins, a concepção de Missão e o preparo dos obreiros para desempenhá-la. Motivados pela realização de uma consulta sobre educação teológica, convocada para agosto de 1970 pela Associação Sul-Americana de Instituições Teológicas (ASIT), Associação Andina de Educação Teológica (AAET), Associação Latino-Americana de Escolas Teológicas (ALET) e ASTE, teólogos brasileiros iniciam um processo de reflexão sobre a natureza da educação teológica.

A busca da renovação passava pelo questionamento das estruturas da educação teológica, relacionando algo que se podia considerar como falhas do sistema com o transplante que se fazia das igrejas européias e norte-americanas, a reprodução de esquemas teológicos do passado e a criação de comunidades artificiais para educar teologicamente tirando o jovem teólogo do mundo em que vivia. Outro grupo preocupava-se mais com o preparo pastoral: praticidade, consagração pessoal, incentivo ao fervor evangelístico. Entretanto, surgiu uma questão muito mais radical: a necessidade de se fazer uma “teologia da educação teológica”. Era preciso discutir a educação teológica naquilo que até então ela tinha julgado ser sua essência, métodos e modelos.

Falando sobre o conceito tradicional de educação teológica Rubem Alves destaca que a mesma baseia-se em dois fundamentos. O primeiro relaciona-se com o fato da teologia ser uma função da Igreja. O segundo fala que a função da teologia tem valor permanente, regenerador e crítico, faz-se educação teológica em função da edificação, expansão e reforma da Igreja. Busca-se com ela a criação de um tipo especial de homem, determinado pela Igreja na qualidade de profissional da fé, de clérigo, teólogo, especialista e burocrata

eclesiástico.85

Como o que está por trás destas duas idéias é a consideração de que a Igreja é o instrumento mediador da atividade libertadora de Deus na história, a sua limitação, conforme Rubem Alves, está no fato de que ela não conseguiu relacionar-se estruturalmente com a realidade da secularização. “Discutir sobre este problema significa influenciar os

83 LONGUINI NETO, Educação Teológica Contextualizada, p. 61.

84

Idem.

85

Id., ibid., p. 64, 65. p d fMachine

caminhos de uma teologia da educação teológica, fazendo com que esta não tenha a igreja como seu fim e sim como mediadora para novos horizontes.”86 Para ele,

o alvo da educação teológica é a criação de uma consciência crítica inserida no presente, destinada a negar tudo o que for desumano em qualquer tipo de sociedade, seja ela conservadora ou revolucionária. Partindo da negação do presente, ela se dirigiria à exploração do caráter inacabado do mundo, na busca das possibilidades criativas que até o momento permanecem agrilhoadas. Deve, portanto, determinar-se pela esperança. E vemos pelo exame da consciência profética que essa consciência só pode ser criada no contexto de profundo envolvimento no mundo secular, com suas dores e esperanças. Nesse contexto a

educação teológica poderia vir a ser uma prática de liberdade.87

Podem-se colocar mais duas questões pertinentes: O fato de que àquele a quem é concedida uma educação teológica transformadora é, contraditoriamente, vedada a possibilidade de pô-la em prática em seu ambiente eclesial, pois os seminários são atrelados a um sistema eclesiástico que exige o enquadramento dos alunos à sua estrutura. Outro dado é a “elitização pastoral”, como percebida por Sapsezian,88 a produção pelos seminários de uma elite intelectualizada e profissionalizada em franca ascensão social, se comparada à realidade social de boa parte da membrezia de suas igrejas. Isto forja líderes e comunidades perfeitamente adaptados às camadas sociais financeiramente e “culturalmente” mais elevadas.

Diante de todas essas reflexões, de posse das conclusões da Consulta mencionada acima e sob orientação dos mantenedores do Fundo de Educação Teológica (FET), impôs-se uma nova maneira de fazer educação teológica e uma nova maneira de fazer teologia: A contextualização. Contextualização foi a palavra-chave no universo teológico dos anos 70 e 80. Concordamos com Longuini Neto sobre que tanto a abordagem quanto o conteúdo da reflexão teológica que até este momento se fazia tendiam “a limitar-se pelo esquema fornecido pelos problemas e pressupostos culturais estritamente ocidentais, deixando de relacionar de forma vigorosa o Evangelho de Jesus Cristo com a situação particular,”89 com o contexto.

86

LONGUINI NETO, Educação Teológica Contextualizada, p. 65.

87 ALVES apud LONGUINI NETO, ibid., p. 66.

88

SAPSEZIAN apud LONGUINI NETO, ibidem.

89

LONGUINI NETO, ibid., p. 72. p d fMachine