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A obra de Prócoro Velasques Filho que ajudou a disseminar o pensamento bonhoefferiano foi a anteriormente citada Uma ética para nossos dias.219 Motivações particulares e denominacionais casaram-se para a elaboração desta obra. Velasques expressa suas motivações pessoais para a escrita do texto afirmando o desejo de trilhar “os árduos caminhos da busca de um cristianismo adulto, livre da religiosidade pietista na qual foi formado”.220 Já a Faculdade de Teologia da Igreja Metodista que ansiava a bastante tempo ampliar o alcance de seu trabalho, visando chegar “às bases da Comunidade Cristã para mútuo enriquecimento”, aproveitou a oportunidade para divulgar a sua Editora Teológica – EDITEO. Com isto expunha-se a palestra do Rev. Dr. Prócoro Velasques Filho na Semana Wesleyana de 1975. Ele era ex-aluno desta faculdade e pastor metodista na 2ª Região Eclesiástica (Rio Grande do Sul), dirigia, na época, o Instituto Educacional de Passo Fundo-RS e era membro

217

BONHOEFFER, Resistência e Submissão, 1968, p. 4.

218

Id., ibid., p. 10.

219 VELASQUES FILHO, Prócoro. Uma ética para nossos dias. Origem e evolução do pensamento ético de

Dietrich Bonhoeffer. São Bernardo do Campo – SP: EDITEO, 1977.

220

Id., ibid., p. 13. p d fMachine

do Conselho Diretor do Instituto Metodista de Educação Teológica de Porto Alegre-RS. Este texto é fruto de sua tese de doutorado apresentada para a obtenção do grau de “Docteur ès Sciences Religieuses” na Universidade de Estrasburgo, França,221 sob orientação do Prof. Roger Mehl, da Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo, que, segundo o próprio autor, o iniciou nos estudos de Dietrich Bonhoeffer.

Logo, na introdução, o autor fala de um suposto “declínio da influência de Karl Barth, Rudolf Bultmann e Paul Tillich”, diante dos quais, Bonhoeffer ainda seria “um dos poucos teólogos contemporâneos universalmente respeitados”. Ele é um dos que advoga que teria sido a obra do Bispo J. A. T. Robinson (Honest to God) a principal divulgadora e popularizadora do nome de nosso autor e do pensamento contido em sua Ética e em suas cartas da prisão. No entanto, para ele, Robinson teria misturado e confundido o seu pensamento com os de Bultmann e Tillich.

O problema inerente à obra é a própria dificuldade de compreensão e expressão do pensamento de Bonhoeffer. Problema este que o autor pensa resolver lendo o próprio Bonhoeffer e não seus muitos intérpretes, e seguindo suas próprias sugestões de leitura, ou seja, ler todo o material e perceber que há mutação, ou como ele prefere, evolução, no pensamento de Bonhoeffer. Ao que nos parece, de fato há grande rigor e riqueza na interpretação oferecida por Velasques, ressalvando-se que também nele, como não poderia deixar de ser, há chaves de interpretação - Bethge e Dumás.

Como dissemos, ele considera o pensamento de Bonhoeffer difícil de ser bem compreendido e expresso, de modo a prestar-se a diversas interpretações. “Os bultmanianos e os barthianos interpretam Bonhoeffer segundo suas próprias tendências teológicas. Os discípulos de Tillich tentam descobrir afinidades entre o mundo adulto (de Bonhoeffer) e a cultura teônoma (de Tillich). Os apóstolos da teologia radical pensam poder encontrar bases para suas idéias nas cartas que Bonhoeffer escreveu na prisão. Por outro lado, os secularistas regozijam-se com o seu anticlericalismo. A cultura de massas inspira-se na vida e morte deste mártir.”222

221

VELASQUES, Uma ética para nossos dias, p. 11.

222

Id., ibid., p. 15, 16. p d fMachine

Mesmo afirmando a dificuldade de compreensão do pensamento de Bonhoeffer e havendo exposto esta vasta quantidade de interpretações que se associam, melhor dizendo, que se identificam com a teologia bonhoefferiana, Velasques dá sugestões para que se leia “corretamente” os escritos de Bonhoeffer: 1º) “ler tudo o que ele escreveu, para evitar, assim, o risco de parcialidade e o de ater-se a alguma de suas muitas ênfases, deixando de lado outras e perdendo, então, o equilíbrio e a sobriedade”; 2º) “reconhecer que houve uma evolução em seu pensamento. A sua maneira de encarar Cristo, a Igreja, a ética e o mundo alterou-se no decorrer de sua vida e de suas experiências.”223 Ele concebe como temas recorrentes em Bonhoeffer: Cristo, a Igreja, a ética e o mundo.

A despeito de importantes classificações da evolução do pensamento de Bonhoeffer, John Godsey, Bethge e Mary Bosanquet, Velasques também propõe uma classificação temático-cronológica:

a primeira, vai de 1927 a 1931, quando toda a ênfase é dada à eclesiologia (que chega a subordinar a cristologia); a segunda, vai de 1931 a 1933, quando ele liberta a cristologia da eclesiologia e desenvolve a sua posição referente à relação Igreja-Estado; a terceira, vai de 1934 a 1935, quando ele se entrega, inteiramente, à Igreja Confessante e procura definir o seu status e missão; a quarta, é a de 1935, quando ele assume a direção do Seminário de Finkenwalde e volta sua atenção para a vida comunitária, imitação de Cristo e o Sermão da Montanha; a quinta, é a de 1939, quando ele começa a escrever a obra de sua vida, a Ética, e

também se engaja na Abwehr;224 a última, começa com sua célebre carta dirigida a Bethge,

em 30 de abril de 1944, onde inverte os postulados da teologia tradicional.

Embora tenha dividido desta forma as diversas etapas de pensamento e vida, não considera a existência de rupturas, mas uma evolução, de modo que em cada uma delas, um elemento novo seria acrescentado aos que já se encontravam presentes anteriormente, gerando apenas uma mudança temática.

Quanto aos temas abordados e ao plano da obra, o autor começa o texto expondo os principais problemas geradores de sua pesquisa e as respostas a que chegou frente a eles; já adentrando ao pensamento de Bonhoeffer propriamente dito, discorre sobre o que considera como sendo as principais influências em Bonhoeffer (Lutero e Barth); indo às

223

VELASQUES, Uma ética para nossos dias, p. 16.

224 “ABWEHR era o serviço de contra-espionagem da WEHRMACHT (Forças Armadas Alemãs), sob a direção

do Almirante Walter-Wilhelm Canaris, mas, na realidade, foi o principal centro de conspirações contra Hitler e o

regime nazista.” VELASQUES, op. cit., p. 17. p d fMachine

principais temáticas que envolvem a ética bonhoefferiana, o que ultrapassa os limites da própria obra Ética; também de seu cristocentrismo; do que chamou de “uma ética concreta” em que analisou a referenciação bíblica da ética bonhoefferiana e a participação política da igreja; além da atualidade desse pensamento diante do processo de secularização e sua proposta de disciplina arcana, ante a recusa à religiosidade pietista.