• Nenhum resultado encontrado

Em sua Cristologia a partir da América Latina, Jon Sobrino afirma que o conhecimento de Jesus Cristo não é possível sem sua concretização no discipulado. Desenvolve seus pensamentos cristológicos sempre com referência expressa ao contexto latino-americano especialmente ao sofrimento injusto dos pobres e oprimidos. Encarnação, para ele, acontece ainda hoje. Jesus deixa-se encontrar entre os pobres latino-americanos, pois aqui seu sofrimento continua, e é assim que Ele encoraja os crucificados a que a nova existência do Reino de Deus se torne experienciada, embora sempre escatológica. Com isto, já estamos demonstrando o encontro temático existente entre Sobrino e Bonhoeffer que se concretiza na imagem do “Servo sofredor”. Assim, ele expressa: O pensamento baseado na lógica grega não pode imaginar o sofrimento como modo de existir de Deus, porque seria uma contradição em si. Os homens e as mulheres na América Latina parecem sentir como evidente o que Dietrich Bonhoeffer expressou em palavras intuitivas e poéticas, assim: “Somente um Deus que sofre pode nos salvar”.260

Outro ponto em que se aproximam é a crítica da religião expressa através de seu comentário a Cristãos e pagãos:261

A primeira coisa que a cruz revela sobre Deus é a hibris do homem para se fazer imagens de Deus que nunca correspondem ao Deus real, pelo contrário, estão em estreita contradição. A teologia natural, como mecanismo de aproximação do homem a Deus não é senão o modo de o homem se auto-justificar diante do verdadeiro Deus, o modo de contornar a situação para não encontrar-se com o Deus crucificado (k. Barth). Segundo expressou D. Bonhoeffer intuitivamente em alguns versos famosos, a cruz é a crítica a todo o acesso natural do homem a Deus. A alternativa não se apresenta entre teísmo e ateísmo,

mas entre duas formas diferentes e irreconciliáveis de ir a Deus.262

259

Basco, nascido em 1938. Viveu, desde 1957, em El Salvador e se naturalizou salvadorenho. Passou a ensinar teologia fundamental, desde 1975, na universidade jesuíta Jose Simeón Canas em San Salvador. É tido como o cristólogo mais importante da Teologia da Libertação. Sua obra principal é (original): no original: SOBRINHO,

Jon. Cristología desde América Latina:esboço a partir do seguimento do Jesus histórico. Rio Hondo, México:

Centro de Reflexión Teológica, 1976.

260

SOBRINO, Jon. Cristologia a partir da América Latina: Esboço a partir do seguimento do Jesus histórico. Trad. Orlando Bernardi. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983. p. 207. Também pode ser encontrado em: SOBRINO, Jon.

Jesus, o libertador: A história de Jesus de Nazaré. Trad. Jaime A. Clasen. Tomo III. São Paulo: Vozes, 1994. p. 337. (Coleção Teologia e Libertação, Série II – O Deus que liberta seu povo).

261 Poema Cristãos e Pagãos. Cf.: BONHOEFFER, Resistência e Submissão. Trad. Nélio Schneider. p. 469,

470.

262

SOBRINO, Cristologia a partir da América Latina, p. 231, 232. p d fMachine

Em Sobrino, o Deus de Jesus Cristo se revela como o Deus dos pobres através da cruz. Neste sentido, a cruz não é resposta a nossa pergunta por Deus, mas é ao contrário, a pergunta radical por nós mesmos quando nós perguntamos por Deus. Como a cruz rompe nosso interesse pelo conhecimento de Deus, isso aparece nos versos clássicos de Dietrich Bonhoeffer.263

Sobrino, em seu Jesus, o libertador, numa passagem que atribui a Leonardo Boff, em citação de Bonhoeffer, “falar de Cristo significa calar”,264 expressa que a cristologia está sempre diante de um mistério, pois é conhecimento imerso em luminosidade e escuridão. Segundo Schoenborn, que leu a edição de 1991, em espanhol, nessa mesma obra de Sobrino, novamente apareceriam estrofes do poema Cristãos e Pagãos. Tal passagem não foi encontrada na edição em português a que tivemos acesso. De qualquer modo, expomos o trecho referido por Schoenborn, onde Sobrino interpretaria as primeiras estrofes do poema da seguinte forma:

Estes versículos merecem uma boa reflexão, eles permitem um modo de leitura brutal e outro cristão. O modo de leitura brutal seria anular a primeira estrofe como expressão de uma possibilidade impossível ou de interpretá-la como expressão da Hybris humana. Mas os homens precisam daquilo que estão pedindo e mais ainda os pobres. A leitura cristã significaria olhar para os crucificados deste mundo, porque eles se aproximam de Deus não com intenções ilegítimas, mas porque eles precisam do pão, porque eles querem ser reconhecidos na sua dignidade, porque eles imploram que Deus lhes ajude a descer da cruz (uma outra coisa é daqueles que os crucificam, quando estes querem ainda mais riqueza e mais poder e procuram a Deus por causa disso).

A segunda estrofe é a que está numa medida especial, isso porque ela, falando polemicamente, desmascara os interesses que a primeira poderia expressar, ela o é especialmente, porque reafirma, atesta, a realidade, também Deus está no sofrimento. Também quando a gente encontra Deus assim isso pode significar o questionamento, o consolo, a alienação, o encorajamento para o engajamento, maldição ou bênção e, em última instância, depende daquele que se aproxima da cruz. Na América Latina, o egoísmo dos explorados o levou a recitar a primeira estrofe sem se cansar, enquanto para eles, a segunda estrofe parece um absurdo absoluto, apesar de que se eles a entendessem de maneira certa, eles iriam vivenciá-la como o maior questionamento de si. Os pobres recitam necessariamente a primeira estrofe, mas muitos deles aceitam também aquilo que está sendo falado na segunda estrofe, sem que isto exija deles alienação. Eles aceitam porque eles enxergam na cruz o seu próprio Deus. E este Deus na cruz lhes dá de maneira paradoxal esperança e coragem. A poesia de Bonhoeffer termina assim: “cristãos estão ao lado de Deus no sofrimento dele”. Conhecimento de Deus tem sempre um lugar concreto. E o lugar concreto do sofrimento de Deus são sempre os crucifixos, as cruzes deste mundo que funcionam mesmo apesar de funcionarem mecanísticamente ex opere operato quer dizer são auto-evidentes para os cristãos. Assim se conserva o NT ao expor de qual tipo é o sofrimento que o Deus cristão está presente, não em qualquer sofrimento, mas no sofrimento das vítimas deste mundo. Deus está presente na cruz de Cristo, disse Paulo. Deus está presente

263

SOBRINO, Cristologia a partir da América Latina, p. 231, 232.

264

Id., Jesus, o libertador, p. 13. p d fMachine

no empobrecido deste mundo diz o 25º capítulo de São Mateus. As vítimas deste mundo são o lugar do conhecimento de Deus, mas eles o são de uma maneira sacramental. Deus se revela aí porque ele está presente aí. Como na cruz de Cristo assim está escondido, como diz Inácio nas suas meditações das paixões, citando “a divindade esta aí”, Deus está aí escondido nas pessoas que se tornam vítimas. Estar ao pé da cruz de Jesus e estar ao pé da

cruz da história é absolutamente necessário para reconhecer o Deus crucificado.265

Voltando à obra Cristologia a partir da América Latina, Sobrino, ao tentar expressar O significado soteriológico da ressurreição de Jesus, seguindo o pensamento bonhoefferiano exposto em Discipulado, refletiu sobre o fato da graça de Deus ser anunciada no Jesus sofredor, mas também na mensagem da ressurreição do Cristo e sobre como ela é apreendida somente no seguimento daquele que é “o homem para os outros”.266 Por seguimento, ele entende a tomada crente e engajada da graça cara que custou a Deus o seu Filho,267 pois fé é mais do que sacrificium intellectus é sacrificium vitae.