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Se nos detivermos estritamente em sua teologia, nos depararemos também com uma questão para a qual é possível encontrar mais de um caminho, a sua inclusão numa vertente teológica. Dizemos isso, porque, como Francisco Alencar Motta41, discordamos de

39

BETHGE, Teólogo, cristiano, hombre actual, p. 1006 – 1013, 1052 – 1064, 1099.

40

BONHOEFFER apud MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p. 170; BETHGE, op. cit., p. 1237 – 1246. Bethge faz alusão apenas ao trecho “Isto é o fim; para mim é o princípio da vida”, afirmando que isto foi dito a Payne Best. p. 1245.

41 MOTTA, Francisco Alencar. Igreja: Missão, Testemunho e martírio. O modelo de igreja em Bonhoeffer para

a América Latina. São Bernardo do Campo, SP, 1986. Monografia (Trabalho de conclusão do curso de Bacharel

em Teologia) – Faculdade de Teologia da Igreja Metodista. p d fMachine

seu enquadramento na chamada Teologia da Morte de Deus, mas sabemos que alguns grandes nomes da teologia, a exemplo de Thomas Altizer, WilliamHamilton42, deram isto por certo.

O nome de Bonhoeffer se encontra entre aqueles que fazem parte da “teologia da morte de Deus”; e muitos o entendem como um teólogo de tal corrente. O primeiro impacto que nos surge é o risco de tamanha incoerência ao falar de tal teólogo, como é o nosso objetivo para um continente, cuja desestabilidade social precisa de um Deus que seja vivo e atuante, como é o continente latino-americano. Esta aparente contradição talvez seja melhor esclarecida se levarmos em consideração as preocupações últimas que levaram Bonhoeffer à recorrer a esta morte de Deus, que acredito eu, tenha sido para mostrar o quanto Deus está

vivo no mundo, na realidade e na histórica. (Sic) 43

Outra vertente teológica na qual ele44, e também Friedrich Gogarten, é comumente inserido, neste caso com maior propriedade, é a Teologia da Secularização. Essa Teologia pode ser considerada como a confrontação da fé cristã com o mundo secularizado, “o mundo maior de idade” que já não aceita a antiga maneira de falar a respeito de Deus, porque tem chegado à autonomia da razão. Comentando a teologia da secularização, o teólogo Heinz Zahrnt disse:

E assim se tem aberto caminho para a secularização do mundo e a autonomia da razão humana, portanto a dominação e organização do mundo mediante a ciência e a tecnologia moderna [...] o núcleo do moderno processo de secularização que começa agora a fazer-se patente consiste em que a liberdade do homem frente ao mundo se desliga da fé cristã e da liberdade para Deus [...] o homem [...] se basta a si mesmo, é autárquico. Já não é quem

depende de Deus, senão mais bem lhe parece que Deus depende dele.45

Uma marca de seu pensamento teológico é a crítica contundente à Teologia Moderna, ainda que percebendo e afirmando a sua filiação a esta. No próprio ambiente onde a teologia em moldes “estritamente” modernos foi formulada, após a primeira guerra, este tipo de teologia passa a sofrer duras críticas, especialmente do grupo que afirmava a Teologia Dialética. Ela

foi acusada por uma nova geração de teólogos de ter capitulado diante do pensamento moderno.

42

ALTIZER, Thomas J. J.; HAMILTON, William. A morte de Deus: introdução à Teologia Radical. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

43

MOTTA, Igreja: Missão, Testemunho e martírio, p. 4.

44

ROBINSON, John A. Sincero para con Dios: Honest to God. Barcelona: Ariel, 1969.

45 ZAHRNT, Heinz apud NUÑEZ, Emilio. Influencia europea en la teología de la liberación. In: NUÑEZ,

Emilio. A teología de la liberación. Una perspectiva evangélica. San José, Costa Rica: Editorial Caribe, 1988. p.

37. [Trad. nossa.] p d fMachine

Assim, começaram a abrir caminho novas perspectivas teológicas, que pretendiam assumir mais criticamente esses desafios, reafirmando a presença e o juízo da Palavra em um mundo que entrou em crise. Os nomes de Barth, Bultmann e Tillich destacam-se nos esforços tendo em vista romper com o passado teológico imediato e desbravar novas trilhas

para a proclamação do Evangelho e a vida da Igreja.46

No entanto, Bonhoeffer considera que nenhum deles responde realmente ao “mundo maior”. Para ele, a tentativa de Tillich deve ser repelida por sua ênfase na interpretação religiosa do mundo. “Com efeito, Tillich fez da noção de religião uma chave para compreender o ser humano e fazer frente aos assaltos do mundo moderno”. Mesmo em concordância com Tillich sobre que enfrentavam os mesmos conflitos entre “a tradição religiosa” e o “espírito moderno”, Bonhoeffer era da opinião de que encontraram coisas muito diferentes. À concepção tillichiana de “teonomia” Bonhoeffer chama de “tratar de reservar ansiosamente um espaço para Deus”.47

A teologia barthiana, por sua vez, foi mais bem aceita por Bonhoeffer, pois desfraldava “a bandeira do Deus de Jesus Cristo contra a religião” 48. Mas como nela não é possível encontrar qualquer indicação concreta para a interpretação não-religiosa dos conceitos teológicos, ele a considera também limitada; chegando mesmo a dizer que sua teologia da Revelação passa a ser “positivista”, e que este “positivismo” transforma-se até mesmo numa tentativa de “restauração conservadora”. Acrescente-se às críticas de Bonhoeffer, como afirma Gustavo Gutiérrez, a “freqüente censura a Barth por estabelecer uma separação radical entre a fé e o mundo e, portanto, por deixar o mundo entregue às próprias forças, a fim de assegurar a transcendência da Palavra de Deus”.49 Mesmo de modo insuficiente, a teologia barthiana foi a mais fecunda para Bonhoeffer.

Ele entende que, de certo modo, Bultmann conseguiu perceber os limites de Barth, mas que os interpretou erroneamente, através da “teologia liberal, reincidindo por isso no típico procedimento liberal da redução (no qual o cristianismo é despido de seus elementos ‘mitológicos’, ficando assim reduzido à sua ‘essência’)” 50. Também considera que a busca

46

GUTIÉRREZ, Gustavo. Os limites da teologia moderna: Um texto de Bonhoeffer (Janeiro de 1979). In: A

força histórica dos pobres. Trad. Álvaro Cunha. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 317.

47

Id., ibid., p. 318.

48

Ibidem. Referência à carta de Bonhoeffer de 8-6-44 para Eberhard Bethge. Cf.: BONHOEFFER, Resistência e

Submissão, p. 433 – 441. A citação encontra-se na página 437, com pequena diferença na tradução.

49

GUTIÉRREZ, op. cit., p. 319; BONHOEFFER, op. cit., p. 438. Veja também p. 380.

50

Id., ibid., p. 320; Id., ibid., p. 439. Veja também p. 379. p d fMachine

pela “essência” religiosa “não passa de uma resposta pobre às verdadeiras questões do mundo adulto”. Além disso, tomar como ponto de partida o ouvinte da Palavra, simplesmente como um espírito moderno, modelado pela razão científica e consciente de sua capacidade de livre decisão, ao contrário do que se percebe em algumas interpretações a seu respeito, é manter-se numa perspectiva fundamentalmente liberal, e acusa o mundo moderno de tentar determinar “o lugar de Cristo no Mundo”. O que Bonhoeffer tanto chama de “pensar teologicamente, é pensar a partir de Cristo.” (sic.)51.

Esta insistência em perguntar “como falar de Deus em um mundo adulto?” traz em si o peso de outras questões que lhe são internas, tais quais o próprio mundo adulto em que vivemos, o Deus em que cremos, o que é o cristianismo realmente, ou melhor, o que ele deve ser para este mundo adulto, ou, como ele preferia, “quem é Cristo para nós hoje?”52 “E isto, para ele, é pensar teologicamente, é pensar de forma não-religiosa”.53 Ainda, é tentar dar significados aos conteúdos cristãos, ou verificar os seus significados, diante das perguntas do mundo, e não somente tentar adequá-los a esse “novo homem”.

Pela expressão, “maioridade”, ele entendia a nova situação criada a partir do século XVIII, à luz de Kant. Considerava que esta expressão não havia sido tomada adequadamente, que suas verdadeiras questões não foram ouvidas e tampouco respondidas. Para ele, nem mesmo a teologia de Barth responde radicalmente aos desafios do mundo moderno, terminando por esgotar-se em “manter os grandes conceitos da teologia cristã” 54. O que, afinal, é a sua interpretação não religiosa dos conteúdos cristãos?

Essa tentativa de chegar a Deus pressupõe a recusa da interpretação religiosa do cristianismo, que significa, “por um lado, falar de forma metafísica e, por outro lado, falar de forma individualista”. Ambos os modos de falar nos afastam do mundo: o primeiro porque encerra Deus nas categorias do absoluto e do infinito; o segundo porque coloca Deus “fora do mundo, fora do âmbito público da existência humana” para alojá-lo “no âmbito pessoal,

íntimo e privado”.55

51

GUTIÉRREZ, A força histórica dos pobres, p. 320. Referência à carta de Bonhoeffer de 5-5-44 para Eberhard Bethge. Cf.: BONHOEFFER, Resistência e Submissão, pp. 378 – 381.

52

GUTIÉRREZ, op. cit., p. 321. Referência à carta de Bonhoeffer de 30-4-44 para Eberhard Bethge. Cf.: BONHOEFFER, op. cit., pp. 367 – 374 passim.

53

GUTIÉRREZ, loc. cit. Referência à carta de Bonhoeffer de 30-4-44 para Eberhard Bethge. Ibidem.

54 Id., ibid.,. p. 319.

55

Id., ibid., p. 323. Referência às cartas de Bonhoeffer de 5-5-44 e de 8-7-44 para Eberhard Bethge. Cf.:Id., ibid.,

pp. 378 – 381 e 463 – 467. p d fMachine

Quem nos fornece uma explicação ainda mais clara do que seja a “interpretação não religiosa dos conceitos bíblicos”, é, novamente, o teólogo Zahrnt:

A interpretação não religiosa dos conceitos bíblicos de Bonhoeffer constitui traço por traço na contrapartida exata do que ele tem escrito como essência da “religião”. Se o característico da religião consistia, antes de tudo, em admitir dois mundos, um mundo superior do mais além e um mundo inferior do mais aquém, e, portanto, na preocupação individualista pela salvação pessoal da alma, no desejo de redenção num mais além melhor, em mudança, a interpretação não religiosa da Bíblia recalca o profundamente deste mundo

que é o cristianismo.56