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SEÇÃO 1: UM PANORAMA GERAL DA PESQUISA

3 AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS:

3.3 Dimensões das políticas de ações afirmativas

3.3.1 Dimensão de Ingresso

Como já mencionado, por meio dos dados produzidos na pesquisa documental foi possível identificar diversas ações que compõem as dimensões das políticas afirmativas no ensino superior. A primeira dimensão diz respeito ao ingresso do estudante sub-representado na universidade. Desde 2003, esta dimensão tem sido amplamente discutida no Brasil e diversas ações têm sido fomentadas. Basicamente elas dizem respeito aos seguintes aspectos:

a) Constitucionalidade: Este aspecto ganhou força no cenário brasileiro na última década.

Leis foram criadas com o objetivo de garantir acesso ao ensino superior público por estudantes pertencentes a grupos sub-representados. A reserva de vagas para candidatos que se enquadram em certos critérios foi a principal ação utilizada. A Lei Federal 12.711/2012 (BRASIL, 2012) é um exemplo de ação neste sentido. Existem ainda leis estaduais que preconizam a lei federal. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei Estadual 3.524/00 prevê a reserva de 45% das vagas em universidades públicas estaduais para estudantes formados em escolas públicas (RIO DE JANEIRO, 2000). Nesse mesmo Estado, foi instituída a Lei 3708/01, que também prevê a reserva de 40% das vagas para estudantes negros (RIO DE JANEIRO, 2001). Outros Estados possuem leis semelhantes.

b) Criação de programas específicos: Este aspecto diz respeito a ações que fomentam a

oficialização de programas nas universidades que busquem garantir o ingresso de estudantes de grupos sub-representados por meio de alguma política afirmativa. Estas ações podem ser

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estabelecidas por governos ou pelas próprias universidades. Em 2012, por exemplo, o Estado de São Paulo oficializou o chamado Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (PIMESP), que previa a garantia de 50% das vagas no ensino público estadual para estudantes egressos de escolas públicas de ensino. Este programa, diferentemente de uma lei, poderia ser ou não aderido pelas universidades estaduais paulistas. O PIMESP estabelecia que, antes da matrícula efetiva nos cursos de graduação, o candidato deveria ingressar e ser aprovado em um curso sequencial de dois anos. Ao final do segundo ano, o candidato teria o acesso garantido aos cursos da graduação, escolhendo a vaga de acordo com seu desempenho no curso sequencial. Outro exemplo foi o Programa Diversidade na Universidade, criado em 2002 pelo Ministério da Educação. Este programa visava promover a equidade e diversidade na educação superior para afrodescendentes, indígenas e outros grupos sub-representados, por meio do apoio e incentivo à criação de políticas públicas de inclusão social e combate à discriminação racial. O programa financiava projetos elaborados pelas próprias universidades que visavam ampliar a presença de estudantes negros e indígenas nas universidades.

c) Pontuação diferenciada: No Brasil, muitas universidades públicas e privadas utilizam

ações relacionadas com a utilização de pontuação diferenciada do exame de seleção. Uma delas é a adição de pontos extras no resultado final do exame de seleção da universidade, levando em consideração aspectos sociais e/ou raciais. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, utiliza uma ação nesse sentido. O Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), que, de acordo com a instituição, é um programa de ação afirmativa “sem cotas”, fornece 60 pontos adicionais na nota da prova da segunda fase de seu processo seletivo para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente na rede pública de ensino, e também mais 20 pontos adicionais para estudantes autodeclarados negros ou indígenas (UNICAMP, 2004). Outras instituições utilizam notas de corte relativamente mais baixas para estudantes pertencentes a grupos sub-representados ou egressos da educação básica pública.

d) Recrutamento: Algumas universidades utilizam ações que fazem referência ao aspecto de

recrutamento de estudantes que se destacaram em avaliações diante de seu grupo ou escola. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, utiliza uma ação neste sentido. Por meio do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFis), a instituição busca recrutar o melhor estudante de cada escola pública da cidade de Campinas-SP para um curso superior sequencial de formação geral, com duração de dois anos. Os alunos que são aprovados neste curso podem se matricular em cursos tradicionais da universidade,

respeitando uma ordem classificatória de acordo com seu desempenho durante os dois anos.

e) Processo de seleção específico: Algumas universidades brasileiras buscam implantar ações

que visam atingir grupos específicos da sociedade. Para tanto, utilizam provas de seleção diferenciadas. Um exemplo são os processos seletivos específicos para candidatos indígenas, refugiados ou de comunidades quilombolas. As provas geralmente são elaboradas por uma comissão de professores da instituição. Contudo, esta prática ainda é muito tímida no cenário brasileiro. Outros países sul-americanos também utilizam ações referentes a este aspecto, como, por exemplo, a Colômbia e o Chile (ALVARADO et al., 2010; SVERDLICK; FERRARI; JAIMOVICH, 2005). A prova de seleção é elaborada por uma comissão designada e, na maioria dos casos, os candidatos devem ter cursado a educação básica em comunidades indígenas ou em escolas da rede pública de ensino. Estes alunos geralmente necessitam de uma autorização do chefe da tribo para se matricular na universidade.

f) Cursos preparatórios comunitários: Diversas universidades e organizações não

governamentais fornecem cursos preparatórios gratuitos para o exame de seleção das instituições de ensino superior. Na grande maioria dos casos, os beneficiados pertencem a grupos sub-representados no ensino superior ou de famílias com baixa renda. De forma geral, o fator financeiro é o principal critério de seleção para estas ações. Quando oferecidas por universidades, as práticas geralmente assumem uma perspectiva de extensão universitária.

g) Divulgação da universidade em escolas públicas: Uma ação recorrente das universidades

diz respeito a aspectos de divulgação de seus cursos para estudantes da rede pública de ensino. Para tanto, utilizam-se de ações como feiras e exposições, além de palestras e divulgação das políticas de incentivo para estudantes da rede pública e dos critérios das ações afirmativas, visando a um maior alcance das mesmas.

h) Programas de Iniciação Científica para estudantes do ensino médio: O Governo

Federal tem incentivado as universidades a trabalharem com os programas de iniciação científica para estudantes do ensino médio da rede pública de ensino34. Tais programas geralmente fornecem um auxílio financeiro para o estudante e um docente da universidade conveniada desenvolve um papel de orientador, buscando introduzir o estudante à pesquisa e auxiliando-o em questões de ensino. O objetivo é incentivar o estudante a ingressar na pesquisa e, consequentemente, no ensino superior.

A dimensão de ingresso é, sem dúvida, o primeiro passo para o fomento das políticas de ações afirmativas no ensino superior. Discutir novas formas e avaliar as existentes faz parte

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Veja-se, por exemplo, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio – PIBIC-EM. Disponível em <http://www.cnpq.br/web/guest/pibic-ensino-medio>. Acesso em: 25 ago. 2014.

da discussão para o aprimoramento destas políticas no contexto universitário. Apesar disso, considero que cuidar apenas do ingresso do estudante tradicionalmente sub-representado no ensino superior pode não ser suficiente. Neste sentido, preocupar-se com a dimensão de permanência destes estudantes no ensino superior torna-se um ponto chave na busca de equidade nesse nível de ensino.