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SEÇÃO 1: UM PANORAMA GERAL DA PESQUISA

2.3 Perspectiva Teórica e Epistemologia

Na realização desta pesquisa, estive inserido em um ambiente em que questões de poder se mostraram presentes. Por exemplo, em vários momentos estudantes, docentes e gestores relataram situações de microagressões raciais e de gênero28. Estas apresentam um lado psicológico, tanto para as vítimas quanto para os agressores, e, muitas das vezes, expressam relações de poder existentes no contexto universitário, visto que um grupo dominante as utiliza com o intuito de inferiorizar indivíduos de outros grupos, buscando impor seu status de superioridade. Além disso, minha postura enquanto pesquisador não foi a de apenas descrever as experiências de docentes e estudantes beneficiados por ações afirmativas em relação à educação matemática. Mais do que isso, além da busca de um profundo entendimento de como elas ocorreram, tenho a consciência de que as implicações práticas deste trabalho podem contribuir para modificar (ou desafiar) certas estruturas subjacentes do contexto universitário brasileiro. Por exemplo, as discussões e reflexões a respeito das microagressões raciais e de gênero presentes neste estudo podem contribuir para seu enfretamento. Da mesma forma, as experiências relatadas pelos estudantes que potencializaram sua integração social e acadêmica podem influenciar em decisões institucionais no que tange a novas práticas e ações pedagógicas nos cursos. Neste sentido, a compreensão das possíveis formas de engajamento da educação matemática relacionadas com as ações afirmativas pode propiciar estratégias de atuação significativas, contribuindo para o fortalecimento destas políticas e também para o empoderamento de grupos tradicionalmente marginalizados da universidade. Estes elementos são significativos na busca por equidade na educação em todos os seus níveis de ensino e aprendizagem. Não obstante, buscou-se neste trabalho compreender aspectos do ambiente acadêmico relacionados com as políticas de ações afirmativas mais em termos de falar com do que falar para grupos sub-representados na universidade. Por conta de tudo isso, todo o processo da pesquisa teve como pano de fundo a

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perspectiva do inquérito crítico (CROTTY, 1998; LATHER, 2004).

O inquérito crítico se preocupa com relações de poder e opressão, questionando valores e suposições, desafiando estruturas convencionais, engajando-se em questões sociais e expondo as forças de hegemonia e opressão existentes na sociedade. As pesquisas com essa perspectiva geralmente buscam desafiar mais do que compreender, ler uma situação em termos de conflito e opressão mais do que em termos de integração e comunidade, discutir mudanças mais do que aceitar o status quo. Na perspectiva do inquérito crítico, a pesquisa não é vista como uma parte discreta de uma ação que, alcançado seu objetivo, se encerra. Na verdade, assume-se que em toda ação ou situação modificada devemos criticar nossas suposições novamente. Dessa forma, o inquérito crítico emerge a partir de um projeto contínuo, que envolve reflexão e ação (CROTTY, 1998).

Para dar suporte a essa perspectiva teórica, a epistemologia adotada neste estudo aproxima-se do Construcionismo Social. Segundo Crotty (1998), o construcionismo social tende a colocar ênfase nas interações cotidianas entre as pessoas e na maneira como usam a linguagem para construir suas realidades, considerando as práticas sociais em que se engajam como foco de inquérito, assumindo que toda realidade significativa, precisamente como realidade significativa, é socialmente construída. Dessa forma, essa realidade se refere à experiência subjetiva da vida cotidiana, fazendo com que o pensamento humano emerja como social e público. As pessoas habitam instituições históricas e culturais ao mesmo tempo em que são habitadas por elas (CROTTY, 1998). Neste sentido, meu trabalho, enquanto pesquisador, não se limitou a descrever as realidades vividas por indivíduos em um contexto universitário, mas buscou compreender, de forma crítica, as relações existentes nesse contexto social que foram construídas a partir da convivência de estudantes e docentes com o meio acadêmico, com colegas, com coordenadores, com conteúdos matemáticos, com provas e trabalhos, com o racismo explícito, com microagressões, com preconceitos, com o esforço, com estratégias de estudo, e com tudo mais que envolve estar no contexto universitário. Essas relações, mais do que tudo, foram construídas em um meio social (a universidade) que muitas vezes traz crenças e valores da sociedade como um todo. O processo de organização e análise dos dados buscou evidenciar como essas relações foram construídas a partir deste meio social. Dessa forma, através da compreensão dessas relações, considero ser possível refletir sobre as possibilidades de engajamento da educação matemática e discutir possibilidades de contribuição para o progresso e a permanência de estudantes beneficiados por ações afirmativas no ensino superior.

metodologia de pesquisa qualitativa, produzindo-se dados através de entrevistas semiestruturadas e documentos oficiais. Estes foram organizados e analisados utilizando-se de ferramentas da análise de conteúdo, através de um processo de imersão nos dados. A perspectiva teórica utilizada no estudo foi o inquérito crítico, tendo como epistemologia subjacente o construcionismo social. O intuito é que os resultados desta pesquisa contribuam para a identificação de novas possibilidades para a inclusão social e racial no ensino superior brasileiro, principalmente no que diz respeito à questão da permanência e do progresso de estudantes beneficiados por políticas de ações afirmativas. Como já mencionado, expandir o acesso à universidade foi apenas o primeiro passo em direção à busca por equidade nesse nível de ensino. Mas é preciso ir além. Nesse sentido, a educação matemática desempenha um papel significativo. Ao longo deste trabalho, diversas reflexões serão feitas, com o intuito de corroborar essa afirmação.

Para finalizar este capítulo, cabe ressaltar que todos os aspectos éticos exigidos pela pesquisa científica foram respeitados neste estudo. Em particular, o documento referente à aprovação da pesquisa no comitê de ética da Universidade Estadual Paulista (Unesp) está disponibilizado na seção dos anexos que compõe este trabalho.

3 AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS: