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SEÇÃO 1: UM PANORAMA GERAL DA PESQUISA

1.3 John Rawls e Ronald Dworkin: as ações afirmativas são justas?

O liberalismo igualitário9 é uma das vertentes da filosofia política na qual é possível encontrar um considerável respaldo teórico em relação à utilização de políticas de ações afirmativas no ensino superior10. John Rawls, seu principal representante, reacendeu a discussão sobre o ideal de uma sociedade justa, com cidadãos livres e iguais, por meio da obra Uma Teoria da Justiça, de 1971 (RAWLS, 2002), fornecendo um novo ânimo para as reflexões da filosofia política, bem como ao debate sobre as bases de uma sociedade justa. Rawls abriu espaço para uma série de trabalhos posteriores que o seguiram na mesma tarefa, com posicionamentos muitas das vezes diferenciados, mas que também procuraram compartilhar os fundamentos da moralidade política liberal-igualitária. Dentre estes, é possível mencionar os trabalhos de Ronald Dworkin. Conforme aponta Gargarella (2008), mais do que criticar, Dworkin busca aperfeiçoar o igualitarismo de Rawls, em uma tentativa de mitigar algumas aparentes imprecisões em sua teoria da justiça. Mesmo com diferenças em suas concepções, Rawls e Dworkin podem ser vistos como dois personagens importantes cujas teorias fornecem subsídios que sustentam a utilização de políticas de ações afirmativas no ensino superior.

Segundo Rawls, a equidade é a base articuladora da justiça. Sua teoria busca combater a tese utilitarista que prioriza o bem em relação ao justo, a ideia libertária de Estado-mínimo e o que Rawls denomina de “intuicionismo”, formado por variadas intuições sobre justiça, sem

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Vejam-se Werle (2012), Gargarella (2008) e o Capítulo 3 de Kymlicka (2006) para uma discussão mais completa sobre o liberalismo igualitário.

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Não significa que todos os assim chamados liberalistas igualitários sejam favoráveis às políticas de ações afirmativas. Vejam-se Feres Júnior e Campos (2013) para uma discussão mais detalhada sobre este assunto. Há outras vertentes que também justificariam a utilização de políticas de ações afirmativas, como o comunitarismo, o multiculturalismo e a teoria do reconhecimento. Neste capítulo, limito-me a discutir apenas a vertente do liberalismo igualitário.

nenhuma estrutura11. A justiça como equidade proposta por Rawls (2003) busca administrar as desigualdades de vida entre os indivíduos, resultantes de posições sociais de partida, de vantagens naturais ou de eventualidades históricas. A ideia central é que as desigualdades sociais e econômicas são permitidas apenas se beneficiarem os membros menos favorecidos da sociedade. Isso não implica uma obrigação de distribuição igualitária de bens e riquezas, mas que os consensos básicos sejam estabelecidos de forma equitativa. Os dois princípios de justiça de Rawls afirmam que:

(a) cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos; e

(b) as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (RAWLS, 2003, p. 60).

O primeiro princípio é relativo à igualdade formal e à liberdade entre as pessoas. Sua função é incluir todos os indivíduos na estrutura básica da sociedade, de forma que possuam uma situação de igualdade legal, garantindo assim suas liberdades básicas: liberdade de pensamento e consciência, liberdades políticas e de associação, as liberdades incluídas na noção de integridade da pessoa e aquelas abarcadas pelo Estado de direito. Tais liberdades são definidas pelas regras públicas da estrutura básica da sociedade e são estabelecidas e asseguradas pelas instituições mais importantes, por meio de direitos e deveres estipulados por elas. A delimitação destas liberdades torna tais instituições menos abrangentes, evitando assim que interfiram umas nas outras. Dessa forma, quando se tem um sistema de regras formatado e aceito por todos, esses princípios passam a regular os sistemas das instituições básicas.

Na perspectiva de Rawls, o primeiro princípio sempre prioriza o segundo. Dessa maneira, uma liberdade básica só pode ser restringida em nome da liberdade, ou seja, elas só podem ser limitadas ou negadas a fim de defender uma ou várias outras liberdades básicas, e jamais em nome do bem público ou de valores perfeccionistas12. Essa restrição continua válida “mesmo quando os que se beneficiam da maior eficácia ou compartilham a maior soma de vantagens são aqueles mesmos cujas liberdades básicas são limitadas ou negadas”

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O intuicionismo, segundo Rawls (2002), é entendido como uma variedade de princípios fundamentais que podem entrar em conflito, oferecendo diretrizes contrárias em certos casos. Além disso, salienta que não existe uma regra de prioridade para comparar esses princípios entre si.

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Por “bem público” e “valores perfeccionistas”, Rawls faz referência à noção de “bem” que aparece nas doutrinas morais teleológicas utilitaristas e perfeccionistas, respectivamente. Tais noções são definidas independentemente da noção de justo, enquanto satisfação dos interesses, dos desejos ou das preferências dos indivíduos.

(RAWLS, 2000, p. 150).

O segundo princípio é dividido em duas partes. A ordem lexical também deve ser seguida. As desigualdades devem ser ordenadas de uma forma que sejam, ao mesmo tempo, consideradas vantajosas para todos, dentro dos limites razoáveis. Ainda, devem ser vinculadas a posições e cargos públicos acessíveis a todos os indivíduos. Esse princípio é relativo aos interesses materiais das pessoas, orientando a alocação dos bens primários, sociais e econômicos. Este princípio também estimula a cooperação social e colabora para que a igualdade democrática seja mantida.

Mas o que Rawls quer dizer com “condições equitativas de oportunidades”? O próprio Rawls aponta que esta pode se tratar de uma noção difícil e não totalmente clara. Salienta que “talvez sua função possa ser inferida das razões pelas quais ela é introduzida: para corrigir os defeitos da igualdade formal de oportunidades – carreiras abertas a talentos – no sistema da chamada liberdade natural” (RAWLS, 2003, p. 61). Esta noção pode ser pensada da seguinte forma: criam-se todas as possibilidades para que todos venham a participar da corrida, independentemente de sua classe social ou raça. Por exemplo, criam-se programas de saúde para os mais pobres, escolas públicas, etc. A ideia não é que apenas cargos públicos e posições sejam abertos no sentido formal, mas que todas as pessoas tenham uma chance equitativa de ter acesso a eles. Segundo Rawls, “supondo que haja uma distribuição de dons naturais, aqueles que têm o mesmo nível de talento e habilidade e a mesma disposição para usar esses dons deveriam ter as mesmas perspectivas de sucesso, independentemente de sua classe social de origem, a classe em que nasceram e se desenvolveram até a idade da razão” (RAWLS, 2003, p. 61-62). Dessa forma, em termos gerais, a igualdade equitativa de oportunidades significa a igualdade liberal. Para alcançar seus objetos, é preciso impor certas exigências à estrutura básica, além daquelas exigidas pela igualdade formal. O intuito é que não exista, por exemplo, concentração excessiva da propriedade e riqueza, principalmente aquelas que levam à dominação política.

A última parte do segundo princípio, chamada de princípio da diferença, é uma característica importante da perspectiva de Rawls e traz consigo a ideia do liberalismo igualitário. Promover vantagens aos mais desfavorecidos e alcançar uma justa igualdade de oportunidades entre os indivíduos é o objetivo em última instância de sua justiça como equidade. O ministro do Supremo Tribunal Federal Brasileiro relator das ações contra as políticas de ações afirmativas julgadas em 2012, entre elas a de Giovane Fialho, destacada nas considerações iniciais desta tese, citou este princípio ao dar voto favorável à utilização das ações afirmativas no ensino superior brasileiro.

Segundo Rawls (2003, p. 90-91), o princípio da diferença estabelece que, “por maiores que sejam as desigualdades em termos de renda e riqueza, e por mais que as pessoas queiram trabalhar para ganhar uma parte maior da produção, as desigualdades existentes devem efetivamente beneficiar os menos favorecidos. Caso contrário, as desigualdades não são permissíveis”. O princípio da diferença exige que, sendo alto ou baixo o nível geral de riqueza, as desigualdades existentes devem satisfazer à condição de beneficiarem os outros tanto como a nós mesmos. Nesse sentido, Rawls (2003, p. 175) enfatiza que o princípio da diferença é um princípio de reciprocidade: “as instituições sociais não devem tirar vantagem de contingências tais como talentos naturais, posição social inicial, boa ou má sorte no curso da vida, senão de uma maneira que beneficie a todos, inclusive os menos favorecidos”. O propósito do princípio da diferença não é o de penalizar aqueles mais capazes por serem mais afortunados em termos de talentos naturais. Ao invés disso, ele propõe que “para nos beneficiarmos ainda mais dessa boa sorte temos de treinar e educar nossos talentos e colocá- los para funcionar de um modo socialmente útil e que beneficie aqueles que têm menos” (RAWLS, 2003, p. 224).

Conforme aponta Kymlicka (2006), em conjunto, os dois princípios de Rawls formam uma “concepção especial” de justiça e tentam oferecer uma orientação sistemática que o intuicionismo não seria capaz. Estes princípios apontam que alguns bens sociais são mais importantes do que outros e não podem ser sacrificados para melhorar outros bens. As liberdades iguais têm prioridade sobre a igual oportunidade, que, por sua vez, tem prioridade sobre os recursos iguais. Porém, “dentro de cada categoria, permanece a simples ideia de Rawls – uma desigualdade só pode ser permitida se beneficiar os menos favorecidos” (KYMLICKA, 2006, p. 56).

A sociedade bem-ordenada, segundo Rawls (2003), é interpretada como um empreendimento cooperativo que visa à vantagem de todos. Ela age com um sistema justo de cooperação por meio de seus cidadãos, pessoas morais, livres e iguais, que consideram a si mesmos e aos outros como tais nas relações políticas e sociais. Segundo Rawls,

os membros de uma sociedade bem ordenada são pessoas morais no sentido de que, a partir do momento em que atingem a idade da razão, todos possuem e reconhecem nos demais um senso de justiça, bem como uma compreensão do que é uma concepção do seu bem. Os cidadãos são iguais na medida em que se consideram uns aos outros como detentores de um direito igual de determinar e de avaliar de maneira ponderada os princípios primeiros de justiça que devem reger a estrutura básica da sociedade. Eles são livres na medida em que pensam ter o direito de intervir na elaboração de suas intuições comuns em nome de seus próprios objetivos fundamentais e de seus interesses superiores. Entretanto, na condição de pessoas livres, eles não se consideram ligados de forma indissolúvel à perseguição de fins particulares que podem ter num momento dado, mas antes como capazes de revisar e de modificar esses fins com base em argumentos racionais e razoáveis (RAWLS,

2000, p. 55).

A estrutura básica da sociedade é o traço essencial de sua concepção contratualista de justiça e é o objeto primário da justiça política e social. Ela é o contexto social de fundo dentro do qual as atividades de associações e indivíduos ocorrem. Uma estrutura básica justa garante o que Rawls denomina de background justice (justiça de fundo). Por meio da estrutura básica são distribuídos os direitos e deveres fundamentais pelas instituições sociais mais importantes. Além disso, determinam a divisão das vantagens provenientes da cooperação social. Segundo Rawls (2003), os princípios de justiça devem ser aplicados a esta organização. Isso implica que Rawls não pretende elaborar um entendimento moral abrangente de justiça que seja aplicável a questões práticas cotidianas. Ao contrário, salienta que um aspecto importante da justiça como equidade é que nela “a estrutura básica é o objeto primário da justiça política (...). Isso é assim em parte porque os efeitos da estrutura básica sobre as metas, aspirações e o caráter dos cidadãos, bem como sobre suas oportunidades e sua capacidade de tirar proveito delas, são profundos e estão presentes desde o início da vida” (RAWLS, 2003, p. 14). Para Rawls, é nesta estrutura que se encontram os principais motivos das desigualdades:

A menos que a estrutura básica seja regulada ao longo do tempo, distribuições iniciais justas de todo tipo não garantem a justiça das distribuições posteriores, por mais livres e equitativas que as transações particulares entre indivíduos e associações possam parecer quando consideradas localmente e separadas das instituições de fundo. Isso porque o resultado dessas transações, tomadas em seu conjunto, é afetado por todo tipo de contingências e de consequências imprevisíveis (RAWLS, 2003, p. 75).

Para John Locke, por exemplo, se os bens foram distribuídos de forma justa, qualquer distribuição posterior será justa. Rawls não concorda com essa ideia, por isso defende que os princípios de justiça devem ser aplicados à estrutura básica da sociedade e que sejam criados artifícios no intuito de regular a sociedade nas suas variadas relações. Nesse sentido, a justiça como equidade busca eleger um modelo que seja baseado na igualdade de bens primários, que são os meios necessários para que alcancemos um ideal de boa vida. Eles podem ser divididos em dois grupos. O primeiro é formado pelos bens distribuídos diretamente pelas instituições sociais e incluem renda e riqueza, oportunidades e poder, direitos e liberdades. O segundo grupo está ligado a aspectos naturais como saúde, inteligência, imaginação, vigor físico e talentos, os quais são afetados pelas instituições sociais, mas não são distribuídos diretamente por elas.

Rawls propõe um procedimento que pretende estabelecer os princípios básicos de justiça, os quais devem gerir uma sociedade democrática. Partindo de uma situação hipotética,

os representantes da sociedade, em uma “posição original” de igualdade, fariam um contrato utilizando esses princípios, para depois formularem uma constituição e criarem as instituições onde a cooperação social se manifestaria. Nesta posição original, os indivíduos estariam em uma situação de igualdade, pois seriam cobertos por um “véu da ignorância”, que não lhes permitiria conhecer seus próprios interesses, nem ao certo sua posição na sociedade. Ou seja, estes representantes não conheceriam a classe social a que pertenciam, não saberiam seus gostos, características psicológicas, sorte na distribuição dos talentos naturais (como força, beleza e inteligência, por exemplo) nem conheceriam sua concepção de bem. Para Rawls, esta situação hipotética descreve uma posição inicial de igualdade. A este argumento junta-se o argumento intuitivo da igualdade de oportunidades, o qual apela à intuição de que o destino dos indivíduos não deve depender das circunstâncias em que, por acaso, se encontram, mas sim de suas escolhas. Ou seja, ninguém merece ter suas escolhas e ambições negadas pelo fato de pertencer a certa classe social ou possuir determinada raça. Estes dois argumentos procuram defender a concepção de igualdade que fornece um suporte mais apropriado às nossas intuições de igualdade e justiça.

As pessoas na posição original estão tentando garantir o melhor acesso possível aos bens primários que as capacitam a conduzir uma boa vida. Elas possuem vários princípios de justiça à disposição. Por exemplo, poderiam escolher um princípio totalmente igualitário para a distribuição dos bens primários. Apesar disso, Rawls afirma que esta escolha seria irracional, principalmente quando certas desigualdades (aquelas patrocinadas pelo princípio da diferença, por exemplo) melhoram o acesso de todas as pessoas aos bens primários. Outra possibilidade seria escolherem princípios utilitaristas que conduzissem as instituições básicas da sociedade a distribuir os bens primários de forma a maximizar o bem-estar geral. Contudo, há um risco de que alguns deles terminem em alguma posição da sociedade que deve ser sacrificada para se alcançar esse bem-estar. Como diz Kymlicka (2006, p. 83), “isso faz do utilitarismo uma escolha irracional, em certas descrições de racionalidade, pois é racional assegurar que seus direitos e recursos básicos sejam protegidos, mesmo que, com isso, diminua a sua chance de receber benefícios acima e além dos bens básicos que você busca proteger”. Rawls defende que, dentre os possíveis princípios de justiça que seriam adotados na posição original, seus dois princípios de justiça seriam escolhidos.

Segundo Rawls, a posição original garante a universalidade e a imparcialidade na justiça como equidade, sendo que os consensos básicos são estabelecidos de forma equitativa. O véu da ignorância permite que estes consensos sejam, de fato, equitativos, pois faz com que os indivíduos não saibam em qual grupo estariam inseridos. Ele é um teste intuitivo de justiça.

Se quisermos garantir uma distribuição justa, o responsável pela distribuição não pode saber a parte que lhe caberá. Os indivíduos na posição original devem estar situados simetricamente, para que sejam considerados como representantes de cidadãos livres e iguais. Neste sentido, Rawls salienta que “o dado de ocuparmos uma certa posição social não é uma razão válida para que aceitemos, ou esperemos que outros aceitem, uma concepção da justiça que favoreça os que ocupam essa posição” (RAWLS, 2000, p. 221). Um exemplo13 bem simples das implicações do véu da ignorância poderia ser ilustrado da seguinte forma: imaginando-se, em uma posição original de igualdade, que fosse necessário escolher um entre três tipos de distribuições de bens primários para uma sociedade de três pessoas:

a) 10: 8: 1 b) 7: 6: 2 c) 5: 4: 4

Qual destas distribuições garantiria um melhor acesso aos bens primários? Segundo Rawls, seria racional adotar uma estratégia maximin, isto é, maximizar aquilo que teríamos se acabássemos ficando com o mínimo ou em uma pior posição. Em outras palavras, nossa intuição de justiça nos conduziria a escolher (c), mesmo esta possuindo a menor quantidade de bens primários disponíveis e a menor utilidade média em relação às outras distribuições. O problema com as duas primeiras distribuições é que existe alguma chance de que a vida seja completamente insatisfatória. Coberto pelo véu da ignorância, o responsável pela escolha não saberia qual seria a sua posição nesta sociedade e consequentemente qual seria sua quantidade de bens primários. Como cada um de nós possui apenas uma vida, seria irracional aceitar a chance de viver de forma insatisfatória.

Em Rawls (2003) não há uma discussão em especial referente à utilização de políticas de ações afirmativas no ensino superior. Contudo, seus princípios de justiça, em especial o princípio da diferença, fornecem novas possibilidades para discussões neste sentido, principalmente aquelas pautadas em aspectos socioeconômicos. Para Rawls (2003, p. 83), os menos favorecidos são aqueles “que pertencem à classe de renda com expectativas mais baixas”. Dessa forma, aparentemente Rawls aborda lateralmente a questão das diferenças raciais, de gênero e etnia, não admitindo critérios não econômicos para operar seus princípios de justiça. Afirma que, se utilizadas de forma correta, “as distinções de gênero e raça dão lugar a outras posições relevantes às quais uma forma especial de princípio de diferença se aplica (...). Esperamos que numa sociedade bem-ordenada em condições favoráveis, com

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liberdades básicas iguais e igualdade equitativa de oportunidades garantidas, gênero e raça não determinem pontos de vista relevantes” (RAWLS, 2003, p. 93). Isso poderia mostrar certa dificuldade em amparar as ações afirmativas de cunho racial em sua justiça como equidade.

Segundo Feres Júnior e Campos (2013), essa dificuldade existe, pois envolve a questão da interpretação. Por um lado, Rawls afirma que não há necessidade de se considerar raça, gênero ou etnia no plano de uma teoria ideal. Por outro lado, fornece vários indícios de que tais posições devem ser consideradas em uma sociedade onde são determinantes na produção de desigualdades injustificáveis. Por exemplo, afirma que “a justiça como equidade, e outras concepções liberais semelhantes a ela, seriam por certo seriamente defeituosas se carecessem dos recursos para articular os valores políticos essenciais para justificar as instituições legais e sociais necessárias para garantir a igualdade das mulheres e das minorias” (RAWLS, 2003, p. 93). Concordando com Feres Júnior e Campos (2013), mesmo faltando clareza nessa questão, uma interpretação da teoria de Rawls sugere que, em sociedades nas quais a posição étnico-racial tem marcado desigualdades significativas, políticas que objetivem a promoção da igualdade e combatam tal efeito nocivo são claramente justificáveis.