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DIMENSÕES EDUCACIONAIS DA AMÉRICA LATINA NO PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE PAULO FREIRE E ANISIO TEIXEIRA

No documento BAQUARA MAIO/2019 VOL 1 NUMERO1 ISSN (páginas 45-58)

Odorico Ferreira Cardoso Neto1

RESUMO

O ensaio é um esforço acadêmico para se compreender dois professores que foram homens de seu tempo e contribuíram de maneira diferente, mas próxima no sentido de que eram educadores fundidos na ação política, que ocuparam cargos públicos, elaboraram propostas educacionais, estudaram exaustivamente os problemas da educação brasileira, expressaram ao seu modo as necessidades da educação latino-americana e mundial e, fundamentalmente, lutaram por um mesmo ideal: fazer do Brasil um país à altura de suas potencialidades econômicas e culturais.

PALAVRAS-CHAVES: Anísio Teixeira. Paulo Freire. Educação. Escola.

Democracia.

INTRODUÇÃO

1 Odorico Ferreira Cardoso Neto, professor da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Universitário de Barra do Garças - E-mail: kikoptbg@gmail.com

Aproximar Teixeira e Freire exige escolher caminhos dentro da vastidão teórico-prática dos pensadores/educadores. A escolha feita pendeu para potentados ou categorias que são referências às reflexões apresentadas: democracia, emancipação, sistema, educação e escola. A problematização compreende a visão que envolve o discurso que se quer construir, tendo como centralidade a dimensão dialógica da educação e da escola engajada, emancipatória, transformadora, libertadora e crítica intermitente da realidade. Assim entendido, nasce a primeira pergunta: Quando o pensamento de Anísio Teixeira encontra o pensamento de Paulo Freire? Para Nunes (2010, p. 58), o encontro se dá na seguinte perspectiva: “Não prescindimos do rigor teórico, mas ousamos com a nossa imaginação. Comprometemos a nossa fidelidade exclusivamente à construção dos nossos objetos à sua necessidade social.”

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Assim, com Anísio, a pesquisa como apreensão criativa do mundo, a pesquisa como modo de educar e educar-se. Nesse ponto, o pensamento de Anísio antecipa e se aproxima da tematização do diálogo em Paulo Freire. A meta ainda é a maioridade do povo brasileiro, não só pela valorização da cultura popular, mas também pela sua transformação em instrumento efetivo de construção da sua autonomia, entendida como um valor da educação.

O olhar de reflexão espraia-se, então, para se compreender em que bases se pode construir a maioridade do povo brasileiro. Em Freire, “a primeira condição está em ser capaz de agir e refletir” (1985, p. 16), tendo em vista que o objetivo precípuo da educação é a busca de uma pedagogia do homem, uma pedagogia humanista e libertadora, em que os oprimidos encontram forças para buscar sua libertação.

A maioridade do povo brasileiro, em Teixeira, tem justificativa no seu empenho em torno da educação como tarefa democrática, sob viés da concepção liberal de democracia, pois que o modelo escolar mais adequado fosse o modelo da fábrica, onde a racionalização do tempo, a divisão do trabalho, o cumprimento de tarefas em prazos determinados, os exercícios de prontidão, determinariam a tão sonhada solidariedade social propugnada pelos signatários do Manifesto dos Pioneiros.

Uma amarração quase maniqueísta não pode tornar turva a reflexão em torno do pensamento de Teixeira e Freire, pois como homens de seu tempo não podem ser rotulados, devendo-se enfatizar a relevância, a atualidade e o engajamento social das concepções freirianas e; por outro, destaca-se o pioneirismo de Anísio Teixeira em relação a vários temas, entre os quais: escolas em tempo integral e educação superior, bem como a defesa intransigente de Anísio em relação à escola pública e o seu compromisso democrático.

Convergências, Divirgências e Outras Converas

Para efeito de comparação, ao analisar os pensamentos de Teixeira e Freire pode-se afirmar que ambos consideram as relações de poder na sociedade mediada pelas questões de natureza religiosa, social, política e cultural. Teixeira enfoca, por exemplo, a democracia sob o viés do liberalismo para dentro e para fora da escola e da educação. Já Freire, tem viés voltado ao pensamento marxista. Do ponto de vista cultural, existe um olhar mais vivo de Teixeira para a cultura

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dominante, enquanto, Freire tem olhar focado, principalmente, na cultura popular. Do ponto de vista religioso, Moacir Gadotti (1991, p. 78). assim sintetizou a orientação religiosa de Freire:

A prática pedagógica à qual Paulo Freire se entregou desde a juventude tem muito a ver com a sua religiosidade. Ele conta que certa vez, ainda muito pequeno, foi aos córregos e aos morros de Recife, nas zonas rurais, impulsionado por ‘certa intimidade gostosamente petulante com Cristo’, e imbuído de uma visão ‘adocicadamente cristã’. Chegando lá, a dramática e desafiante realidade do povo o remeteu a Marx, o que não o impediu de encontrar-se com Cristo nos becos da rua. Como pensador de esquerda, Paulo Freire acredita que ser cristão não é ser reacionário, e ser marxista não significa ser um burocrata desumano. Os cristãos devem rejeitar a exploração

Por sua vez, GHIRALDELLI Jr (1994, p. 63), se refere a Teixeira no que se acena à questão religiosa:

Ao se aproximar das idéias do pedagogo estadunidense John Dewey na década de 1920, romperia com a longa tradição educacional jesuítica, tendo como marco histórico um documento da maior importância para o legado cultural do Brasil: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932 (TEIXEIRA. 2001). No Manifesto, fica bem nítida a necessidade de laicizar a educação nacional, assim como a importância de sua gratuidade e obrigatoriedade.

A laicização é cara tanto ao liberalismo quanto às tendências marxistas de compreensão da organização do Estado. O Estado laico é pauta que tem incidência na apropriação dialógica e dialeticamente de forças de pensamento instaladas e/ou reduzidas a extensões de um determinado conhecimento. É preciso um olhar para si, construir um entendimento crítico de si mesmo, se apropriando do que está na pele, no sangue, no respirar, no comer, no beber, no falar e no pensar, superando as forças hegemônicas que estão instaladas na vida das pessoas e consolidadas por uma invenção mecanicista histórica.

Política e culturalmente, existem as provocações de Teixeira e Freire que reforçam a necessidade de compreender, enfrentar, mudar e/ou, ao menos, não se conformar com o rumo que o “planeta” quer dar à escola e à educação na contemporaneidade. Não se pode em hipótese alguma perder a capacidade de indignar-se, mas é preciso que se tenha causa. O indignar-se pelo indignar-se é apenas ativismo, não é compromisso com o enfrentamento dos problemas que afligem o cotidiano das representações coletivas e que trazem dificuldades de enfrentamento aos indivíduos. Freire exalta a humanidade ao compromisso com

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a história e a transformação do mundo.

Impedidos de atuar, de refletir, os homens encontram-se profundamente feridos em si mesmos, como seres do compromisso. Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história.

Este compromisso com a humanização do homem, não pode realizar- se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga do mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos (FREIRE, 1985, p. 19).

Para investigar a realidade, compreender o ser dela mesma no seio da educação e da escola, existe um chamado aos profissionais da educação medida pela régua da capacidade de instigar, perquirir, indagar sobre a realidade e tudo que a cerca. No falar de Teixeira:

O educador, com efeito, estudando e resolvendo os problemas da prática educacional, obedecerá às regras do método científico, do mesmo modo que o médico resolve, com disciplina científica, os problemas práticos da medicina: observando com inteligência e precisão, registrando essas observações, descrevendo os procedimentos seguidos e os resultados obtidos, para que possam ser apreciados por outrem e repetidos, confirmados ou negados, de modo que sua própria prática da medicina se faça também pesquisa e os resultados se acumulem e multipliquem. (TEIXEIRA, 2006, apud, NUNES, 2010, p. 96)

Freire, por sua vez, pensa no educador engajado, comprometido, que avance sobre aquilo ou aqueles em que já estão dados os “feitos” e os “ditos”, sem chances de se pensar em outro “mundo possível”. O mundo possível tem a ver com não perder de vista que o sonho é realidade se movendo para assegurar o que Gramsci (2007, p. 36-37, v. 3) compreendeu como capacidade de análise de uma situação concreta, de olhar para a própria história, para as “relações de força”, e então, traçar novas estratégias de ação, obviamente sem distanciar-se dos princípios e bases ideológicas. Na obra Educação e atualidade brasileira (1959), assim se expressa Freire:

Cada vez mais nos convencíamos ontem e nos convencemos hoje, de que o homem brasileiro tem de ganhar a consciência de sua responsabilidade social e política, existindo essa responsabilidade. Vivendo essa responsabilidade. Participando. Atuando. Ganhando cada vez maior ingerência nos destinos da escola de seu filho. Nos destinos de seu sindicato. De sua

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empresa, através de agremiações, de clubes, de conselhos. Ganhar ingerência na vida de seu bairro. Na vida de sua comunidade rural, pela participação atuante em associações, em clubes, em sociedades beneficentes. Assim, não há dúvida, iria o homem brasileiro aprendendo democracia mais rapidamente. (FREIRE, 1959, p. 13)

As lutas pela democratização da educação e da escola têm seu lócus nos movimentos populares, sindicatos, associações, que no final da década de 1970 e anos 80, apontava para uma discussão fundamental para o enfrentamento das dificuldades afrontadas por essas organizações.

[...] O homem é o sujeito da práxis, existe se inventando a si mesmo, num movimento incessante, sempre condicionado – necessariamente – pela situação em que se encontra no ponto de partida; mas sempre capaz de tomar iniciativas e projetar sua ação, impondo – até certo ponto livremente – limites ao condicionamento necessário.

O plano em que o ser humano age, faz suas escolhas, expressa sua práxis, é o plano da história [...] (KONDER, 2002, p.17)

A prática democrática colocou Teixeira e Freire em momentos próximos na história recente de nosso país e, tanto um como outro, acabaram sendo usados pela ditadura militar. Freire, por exemplo, teve sua obra rodando em diferentes territórios em nome do revolucionário método de alfabetização de adultos, sendo “espantosamente cooptado pelo mesmo regime que o enviou para o exílio [...], seus textos também são alvos de apropriação liberal, retirando de seu método a sua filosofia política fundamental [...]” (MAYO, 2004, p.120).

Já Florestan Fernandes em seu texto “Anísio Teixeira e a Luta pela Escola Pública” relata: “O educador prevalecia em todas as suas ações e chega a ser inacreditável que as mãos da ditadura militar tenham se erguido contra esse homem ao qual nós todos devemos, e que ele tenha sofrido incompreensão, incerteza e amargura, em vez de receber honras, compensação e carinho” (Brasília, 2002, p. 51).

Aprendendo com Teixeira e Freire

Partindo para uma análise que envolve o pensamento de Teixeira e Freire, abrangendo as políticas públicas para a educação do nosso tempo, quais contribuições encontradas são importantes para o cotidiano da educação e da escola? Segundo Angeluci (2014, p. 28), “a partir da Pedagogia de Paulo Freire, o

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processo de Educação deve ser ao mesmo tempo capaz de libertar e fazer pensar, propiciando um diálogo franco e aberto entre os protagonistas do processo de ensino/aprendizagem”, pois “a história é tempo de possibilidade e não de determinismo” e “que o futuro é problemático e não inexorável” (FREIRE, 1996, p. 19). Acrescentando, ainda o dizer fundamental para se compreender o que ainda não foi feito pela educação brasileira

para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender sobre bases sólidas e largas a um conjunto de ideias abstratas e de princípios gerais com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos. (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932)

Nos primórdios da organização de um SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (SNE), Teixeira (2005 apud NUNES, 2010, p. 114-115), assim se expressa:

A organização da educação no Brasil está a exigir uma revisão corajosa dos meios até agora ensaiados para sua implantação. [...] Cumpre criar um mecanismo simples e dinâmico, capaz de se adaptar às contingências mais diversas e de trabalhar com os recursos mais desiguais; por isto e para isto, dotado de força própria, de autonomia e de responsabilidade, a fim de se desenvolver indefinidamente. E é o que se conseguirá e só se conseguirá entregando às comunidades a responsabilidade pela educação. Em vez das centralizações, sejam federal ou estaduais, a educação passa a ser, primordialmente, de responsabilidade local. [...] Sugeriríamos, assim, a criação de pequenos Conselhos Escolares locais, constituídos por homens e mulheres de espírito público, e não propriamente partidário, dos munícipes. Tais conselhos iriam administrar um Fundo Escolar municipal – outra sugestão de não menor alcance –, a ser instituído com os recursos provenientes dos 20% da receita tributária do município constitucionalmente determinados, e com os auxílios estaduais e federal para a educação, decorrentes por seu turno das correspondentes porcentagens constitucionais de aplicação exclusiva. Dotados de poder financeiro e governamental, seriam tão importantes e tão desejados quanto o poder municipal (prefeito e Câmara) enriquecendo a comuna com um novo órgão representativo, singelo e fecundo, para expressão das aspirações locais [...].

Cury (2010, p.31) faz lembrar uma fala de Anísio Teixeira quando se tentava esvair o sentido de um Plano Nacional de educação no ano de 1962.

Na realidade, cada uma de nossas leis representava um plano ideal de perfeição à maneira da utopia platônica. Chegamos, nesse ponto, a extremos inacreditáveis. Leis perfeitas, formulações

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e definições ideais das instituições e, como ponto entre a realidade, por vezes, mesquinha e abjeta, e essas definições da lei, os atos oficiais declaratórios, revestidos do poder mágico de transfundir aquela realidade concreta em uma realidade oficial similar à prevista na lei. Tudo podíamos metamorfosear por atos de governo. [...] Resistindo à ideia de planejamento econômico e financeiro, insinuamos implicitamente que se pode fazer educação sem dinheiro, animando campanhas de educandários improvisados [...] (TEIXEIRA, 1962)

As contribuições de Paulo Freire ao Plano Nacional de Educação estão dadas na perspectiva da Educação Popular ao desenvolvê-la como construção da qualidade social da educação numa perspectiva de cogestão e corresponsabilidade entre os diversos atores envolvidos no processo e orientados na direção da construção de um modelo de desenvolvimento baseado nos princípios da justiça social, equidade, sustentabilidade e autonomia. Existem outras, mas somente essa será exemplificada.

Gadotti (2014) preceitua que a educação popular é uma proposta político-pedagógica transformadora de política educacional, como fez Paulo Freire quando chegou à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 1989:

a educação popular saiu do campo da resistência social para a disputa de um projeto de sociedade no campo da política pública. Como a maior contribuição da América Latina ao pensamento pedagógico universal, a educação popular é uma concepção geral da educação que pode aplicar-se a todo e qualquer nível e modalidade de ensino. Ela não se refere só a “experiências de educação não formal” e nem se limita à educação das camadas populares ou dos movimentos populares.

Teixeira e Freire irradiam reflexões, pois teem força expressiva de lidar com as contradições, apontando fissuras, mostrando caminhos aos que chegam ao poder e se submetem a manter contratos, compreendendo as correlações de força de cada tempo e numa permanente batalha de ideias criar meios e estratégias para as utopias se produzirem e acontecerem como realidade. Em sendo assim,

[...] o pensamento é parte integrante da realidade e existe uma ligação inseparável entre o agir e o conhecer. A leitura dos fatos e a compreensão das coisas não são abstrações aleatórias e assépticas, mas derivam da trama sociopolítica nas quais os indivíduos estão situados. (SEMERARO, 2006, p.17)

Enquanto sujeitos situados, uma possibilidade de percepção já se constitui neste nosso contexto de pensamento, sendo um produto de uma materialização que está ai situado num corpo, expressa numa linguagem, permeado por um discurso que tem uma proveniência, que constitui um modo de pensar, narrar

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e configura-se uma existência capaz de sinalizar um pertencimento de alguém, que está lançado num elaborar constante de possibilidade na compreensão, como possível sujeito de uma consciência crítica e um corpo inevitavelmente situado numa concepção de mundo. Esse aspecto encontra ressonância em Teixeira quando problematiza o país

No momento em que o país impõe, por todos os modos a ampliação de oportunidades educativas, o meio único que vejo de não coartar justos anseios, mas de impedir suas perigosas consequências – é este de restaurar a liberdade de iniciativa educacional, mas ao invés de lhes dar qualquer privilégio ou direito, submetê-las ao teste eficaz do julgamento a posteriori dos alunos e, ainda depois disto, não lhes dar o direito ao exercício profissional senão depois de um segundo e novo julgamento pelos seus pares, nos órgãos de classe. Liberdade e responsabilidade em vez de regulamentação e privilégio é a minha sugestão para a conjuntura educacional em que nos debatemos. (TEIXEIRA, 2005 apud NUNES, 2010, p. 119- 120)

Ressalta Teixeira:

A conjuntura educacional ensejava a necessidade de pensar condições de superação para que o agir da educação se constituísse como saber pedagógico construído no espaço e tempo-social, enfrentando as carências e deficiências de aprendizagem e/ou com informações, conhecimentos e sabedorias insuficientemente críticas. Para enfrentar as lacunas, um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros, prega a unidade que decorre do “grau de consciência que possui a comunidade para integrar, vitalmente, as mudanças, variedades e diversificações. É a percepção e o conhecimento desse processo de crescimento que promovem e alimentam a nova, sempre nova unidade dinâmica da cultura” (TEIXEIRA, 2011, p.381)

Teixeira e Freire protagonizam um alerta em relação à cultura educacional com uma leitura do mundo ambientada no risco da idealização pura e simples do que se acredita ser a realidade, por isso, desconsiderar o caráter conflitivo da sociedade, da educação e da escola é negar o antagonismo de classe. Nada acontece harmonicamente, ao contrário, são tensionadas pela matéria-prima dos pensadores. Por isso, Freire apela à esperança

Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de uma certa educação da esperança. É que ela tem uma tal

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importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a desesperança e o desespero. Desesperança e desespero, conseqüência e razão de ser da inação ou do imobilismo. Nas situações-limites, mais além das quais se acha o ‘inédito viável’, às vezes perceptível, às vezes, não, se encontram razões de ser para ambas as posições: a esperançosa e a desesperançosa (FREIRE, 1992, p. 11).

Para alavancar os desesperançados e dar juízo aos esperançosos, o convite histórico que aguarda o engajamento dos educadores introduz a perspectiva de um espaço de interlocução entre sociedade e Estado para além das políticas de governo, alertando para as políticas públicas conjunturais, dimensionando qual projeto de educação se quer em curso, a favor de quem, qual concepção de mundo o ampara, aonde se quer chegar, quais recursos financeiros, sociais, culturais e infraestruturais ajudarão desenvolvê-lo. Na toada dos engajados, Teixeira (2006, p. 253) aduz que o postulado democrático é de que “todos os homens são suficientemente educáveis, para conduzir a vida em sociedade, de forma a cada um e todos dela partilharem como iguais, a despeito das diferenças propriamente individuais”.

Os educadores, via de regra, são formados numa perspectiva que é histórica e dialética, a fim de compreenderem os limites do real, para ousarem e se superarem, para pensar o sujeito individual e coletivo, pois lidam com uma realidade viva, em movimento, na qual os sujeitos atuam, a alteram e por ela são alterados.

Outros aspectos comuns observáveis no pensamento dos dois estudiosos no tocante à educação referem-se à questão do compromisso, das formas de alianças e opressão, mecanismos presentes no processo educacional.

Em relação à ideia de compromisso, ambos a mencionam ao abordar as questões referentes à educação de jovens e adultos (EJA) como forma de transformar as relações existentes na sociedade. Segundo Freire

a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de fazer instrumento também do educando e não só do educador e que identificasse, como claramente

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