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e a literatura afro-brasileira

No documento BAQUARA MAIO/2019 VOL 1 NUMERO1 ISSN (páginas 119-132)

LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: MULTICULTURALISMO NA ESCOLA ESTADUAL QUILOMBOLA REUNIDAS DE CACHOEIRA RICA

Lei 11.645/2008 e a literatura afro-brasileira

Quilombo/Que todos tiveram de tombar amando e lutando. Quilombo/Que todos nós ainda hoje desejamos tanto.

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temática recai sobre a temática africana e afro-brasileira.

O autor começou a se destacar nesta área com a publicação, ainda nos

anos 80, da coleção Bichos da África com ilustrações de Ciça Fittipaldi. Nas quatro

da série, usa Vovô Ussumane como um contador de histórias que transmite

valores e ensinamentos de seu povo para o menino Malafi. A série Histórias de

Bichos da África procura dar destaque aos valores africanos, tão pouco conhecidos

pela comunidade negra brasileira.

Dentre os recontos africanos publicou Três contos africanos de adivinhação

(Paulinas, 2009); A Tatuagem – Reconto do Povo Luo (Gaivota, 2012); Histórias

africanas para contar e recontar (Editora do Brasil, 2001); Outros contos africanos para crianças brasileiras (Paulinas, 2011); Duula – A mulher canibal – Um conto africano

(Difusão Cultural do Livro, 1999); O segredo das tranças e outras histórias africanas

(Scipione, 2007); Bichos da África: lendas e fábulas (Melhoramentos, 2001); Ndule

Ndule: assim brincam as crianças africanas (Melhoramentos, 2011); Nyaangara Chena: a cobra curandeira (Scipione, 2006) dentre outras obras.

O autor tem se especializado em recontar, em suas obras, os mitos, as lendas, os contos e as fábulas das diferentes regiões e etnias africanas. Nesse sentido, sua produção literária contribui significativamente com sua escrita e ações voltadas para a formação de um leitor literário, em especial no que diz respeito à valorização e compreensão acerca da diversidade étnico-racial.

Merece destaque a produção literária de Joel Rufino dos Santos – considerado o precursor desta temática- destinada a criança e o jovem. Em sua obra, Joel tem primado pelo respeito à oralidade, que é marca da tradição cultural africana e dos povos que dela herdaram características de linguagem. Escreveu as

seguintes obras direcionadas ao público infantil e juvenil: Zumbi (Moderna, 1985);

Dudu Calunga (Ática, 1986); Rainha Quiximbi (Ática, 1986); Gosto de África (Global,

1998); O presente de Ossanha (Global, 2000), obras que oferecem ao pequeno leitor

vários elementos da cultura africana.

No quadro geral da literatura africana no Brasil, Reginaldo Prandi, tem dedicado suas pesquisas à Sociologia das Religiões, aos estudos afro-brasileiros e às religiões de matriz africana. Foi com a publicação da obra Mitologia dos Orixás (2001), obra que apresenta a maior coleção de mitos iorubanos e afro- americanos. O autor conseguiu reunir nesse extenso trabalho de campo quarenta

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No quadro geral da literatura africana no Brasil, Reginaldo Prandi, tem dedicado suas pesquisas à Sociologia das Religiões, aos estudos afro-brasileiros e às religiões de matriz africana. Foi com a publicação da obra Mitologia dos Orixás (2001), obra que apresenta a maior coleção de mitos iorubanos e afro- americanos. O autor conseguiu reunir nesse extenso trabalho de campo quarenta e duas histórias míticas.

A obra em questão serviu de ponto de partida para a publicação de

obras destinadas ao público infantil e juvenil, dos quais destacamos Ifá, o adivinho

(2002), premiada como reconto, em 2002, pela Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil; Oxumare, o arco-íris (2004); Xangô, o trovão (2003), publicados

pela Companhia das Letras, e ainda, Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-

brasileira (Cosac & Naify, 2001).

Podemos dizer que, com essas narrativas, o autor assume uma postura de trazer à tona informações acerca dos principais mitos que fazem parte das tradições afro-brasileiras.

Dentro desse segmento também surgem as obras da autora e ilustradora Carolina Cunha que em seus livros reconta histórias das tradições orais africanas

e afro-brasileiras. É autora de Ogum (2014, SM); Aguemon (2005, Martins Fontes);

Caminhos de Exu (2005, SM); Yemanjá (SM, 2007); Eleguá (2007, SM) Awani (2013,

SM) e ABC afro-brasileiro (2009, SM). As obras direcionadas ao público infantil e

juvenil de Reginaldo Prandi e Carolina Cunha revelam ricos aspectos dessa cultura de tradição oral e o (re)conhecimento sobre a diversidade religiosa, possibilitando desmistificar estereótipos preconcebidos.

Aparece também os livros da escritora, antropóloga e educadora Heloisa Pires Lima que retoma o universo das lendas africanas e valorização da cultura

negra. É autora de Histórias da Preta (Cia das Letrinhas, 1998); O espelho dourado

(Peirópolis, 2003); A semente que veio da África (Salamandra, 2005) e Lendas da África

moderna (Elementar, 2010).

O espelho dourado traz à luz a crença africana de etnia achanti, que

narra a origem do homem. Já A semente que veio da África reúne três lendas sobre

o baobá, árvore que pode viver até seis mil anos e que possui grande relevância

no imaginário do povo africano. Em Histórias da Preta, um livro informativo que

destaca vários aspectos da história de construção da identidade de uma menina

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negra, a protagonista Preta. Além de recontar a trajetória dos povos africanos, Heloisa Lima traz para o cerne da narrativa conceitos importantes, como etnia, e de problemas que assolam a comunidade negra brasileira, como o racismo.

Júlio Emilio Braz é um autor fundamental neste universo. As discussões sobre identidade racial, temáticas africanas e afro-brasileiras e relações raciais aparecem em muitos de seus livros.

Da mesma forma, Rogério Andrade Barbosa, Júlio Emílio Braz, Joel Rufino dos Santos, Reginaldo Prandi, Carolina Cunha, há outros escritores e ilustradores africanos dos países de língua oficial portuguesa, tal como José Luandino Vieira, escritor luso-angolano, Mia Couto, moçambicano, Ondjaki, angolano, e a tradução de vários autores africanos, que têm dedicado especial atenção para a África, suas histórias, contos, lendas, recontos e mito.

Mia Couto é um escritor nascido na cidade de Beira, em 1955. Em sua trajetória profissional, conjuga as funções de jornalista, biólogo, poeta, contista e ficcionista. A temática infantil encontra-se presente em vários contos e crônicas do autor moçambicano, sobretudo, nos livros escritos para o público infantil e

juvenil: O gato e o escuro (Cia das Letras,2008); O beijo da palavrinha (Língua Geral,

2006); A chuva pasmada (Lisboa, 2004) e A menina sem palavras (Cia das Letras,

2013). Em suas obras destinadas ao público infantil e juvenil visualizamos traços pertencentes as raízes da imaginação e da tradição oral moçambicana.

No Brasil, o escritor José Eduardo Agualusa, da cidade de Huambo,

tem as seguintes publicações para crianças e jovens os títulos: Debaixo do Arco-Íris

não passa Ninguém (Língua Geral, 2006); A Caçada Real (Matrix, 2012); Brincando, Brincando, Não Tem Macaco Troglodita (2011, Matrix) e A Vassoura do Ar Encantado

(2012, Pallas). Nos títulos mencionados identificamos um forte traço com a oralidade e arte de contar histórias que fazem parte dos povos africanos.

O escritor José Luandino Vieira nasceu em Portugal, em 1935. Cresceu no musseque do Braga, em Luanda. Foi nessa cidade que frequentou e concluiu o ensino secundário, tendo também atuado em diversas profissões. Para o público

infantil e juvenil publicou A guerra dos fazedores de chuva com os caçadores de nuvens.

Guerra para crianças (Nzila, 2006), narrativa carregada de simbolismos, criando um

campo de tensão entre a natureza, a guerra e a infância, temas tão caros a Angola.

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Destacamos ainda outros autores e obras, dentre eles: O rei mocho, de

Ungulani Ba Ka Khosa (Kapulana,2016); Nós matamos o cão tinhoso, Luís Bernardo

Honwana (Kapulana,2017), obra que trata de questões sociais como a exploração e a segregação. Expõe situações concretas de humilhação e preconceito. Identificamos nos livros mencionados o cuidado com a qualidade estética literária, bem como, o enriquecimento dos temas direcionados a valorização da cosmovisão africana.

Nossa intenção neste mapeamento não é abarcar a totalidade dos livros publicados a cada ano, mas apenas evidenciar uma ordem de grandeza, examinando o crescimento na publicação desse material, desde 2003, e a constante publicação dessa literatura verificada após alguns anos. A partir do levantamento constante dessas publicações, vamos destacando alguns elementos que consideramos importantes para análise, especificamente, em torno da produção literária de Ondjaki e Renê Kithãulu.

Alguns autores consagrados da literatura infantil e juvenil, como Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Silvia Orthof e outros já publicaram títulos importantes nessa temática. Várias destas publicações receberam indicações, prêmios nacionais e estrangeiros ou estão indicados para comporem o acervo da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). A presença desses livros no espaço escolar é indispensável para refletir nos efeitos desses discursos do ponto de vista de recepção, ou seja, entre crianças e professores.

A Escola Estadual Quilombola Reunidas Cachoeira Rica acha-se instalada a 30 km a Noroeste da cidade de Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, na região Centro-Oeste do Brasil, especificamente na comunidade que leva o nome do rio: Cachoeira Rica. Este rio surge da união das águas das cachoeiras do Jamacá e Geladeira e do córrego Vassoral e segue paralelo à estrada que leva ao vilarejo da

Escola Estadual Quilombola Reunidas de Cachoeira Rica: multiculturalismo e Projeto Político Pedagógico

Quilombo/Que todos fizeram com todos os santos zelando Quilombo/Que todos regaram com todas as águas do pranto Quilombo/Que todos tiveram de tombar amando e lutando Quilombo/Que todos nós ainda hoje desejamos tanto

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da comunidade, adentrando Fecho do Morro, um lugar ímpar, onde a estrada e o rio passam bem no meio de uma fenda de um grande chapadão.

A escola tem sua origem nos anos 30 como escola isolada de fazenda e escola isolada rural, consolidando-se como instituição pública de ensino em 1939, com a nomenclatura de escola reunida, por força do Regulamento da Instrução Pública Primária de 1927 (MATO GROSSO, 1927). Este regulamento, conforme Silva (2015), desmembra as escolas isoladas de fazendas em escolas isoladas rurais, escolas isoladas urbanas, escolas isoladas noturnas e cria escolas reunidas, reunião de escolas isoladas. Assim, por força da legislação, extinguiu-se as escolas isoladas Baús e Cachoeira Rica e criou-se a Escola Estadual Reunidas de Cachoeira Rica. Em 2005, no quase septuagenário tempo de existência, a unidade escolar ganha destaque como espaço privilegiado de saberes culturais, de relações étnico- raciais e de debate das questões afro-brasileira e quilombola, pois a Fundação Palmares, amparada pelo Decreto Presidencial nº 4.887/2003 (BRASIL, 2003a), identifica nas suas mediações, as terras da Fazenda Itambé como território tradicional de povos quilombolas. Este território foi identificado e certificado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Nº 5103007, com data de publicação no Diário Oficial da União (DOU) em 25.05.2005.

Assim, ao perfazer quase setenta anos de existência, a escola recebe outra alteração de nome, passando a denominar Escola Estadual Quilombola Reunidas de Cachoeira Rica (EEQRCR). Atualmente integra o conjunto de quatro unidades da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso, destinadas ao atendimento de povos remanescentes de quilombos. Entretanto, isto não significa apenas a alteração da nomenclatura de uma escola, mas a revelação de importantíssimos acontecimentos históricos em fragmentos que ainda precisam ser desnudados, completados e complexificados pela ação pedagógica multicultural e intercultural.

Antes da identificação, a ancestralidade do povo do território de Itambé e Cachoeira Rica e seu papel na formação da sociedade local era apenas uma curva histórica, encoberta pelo manto colonial na tentativa de silenciar. E, com o passar do tempo silencioso, apagar a memória afro-brasileira e africana de Chapada dos Guimarães, emergindo apenas o racismo e o preconceito presente ao negar a condição social, histórica e cultural da formação negra da localidade. Esta negação étnica e racial persiste na sociedade e nos livros didáticos, como

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recurso de branqueamento da população e da formação de um mosaico de culturas diferentes e estáticas sem vínculos com as relações de poder.

As evidências da presença de outras culturas encrustadas na territorialidade ou desterritorialidade do entorno das escolas identificadas pela Fundação Palmares remetem à necessidade de uma prática pedagógica multiculturalmente orientada e defendida por autores preocupados em marcar suas obras com a afirmação cultural da condição negra e do seu papel na realidade brasileira. Tomaz Tadeu da Silva (1999) sugere uma orientação curricular que vai além da ideia de convivência pacífica entre os indivíduos ao avançar para o enfoque de um multiculturalismo crítico que compreende as diferenças culturais sem estarem separadas das relações de poder.

Na trilha de Hall (2002, p. 7), “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. Assim, na riqueza da sua história e nos desafios encontrados, a septuagenária instituição escolar passa de isolada de fazenda para reunidas e depois para quilombola. Chega na contemporaneidade com o desafio de demarcar um espaço pedagógico imbricado nas relações éticas e raciais, para garantir uma proposta pedagógica de educação diferenciada e instaurar a Educação Escolar Quilombola.

O arcabouço legal da proposta pedagógica da Educação Escolar Quilombola tem sua base na Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), alterada nos arts. 26-A e 79-B pela Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003b) e pela Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008). A Resolução CNE/ CP 1/2004 define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004a), com fundamentação no Parecer CNE/CP 3/2004 (BRASIL, 2004b). São estes dispositivos legais impulsionadores a partir dos anos de 2000, da afirmação da diversidade cultural e da efetivação da Educação das Relações Étnico-Raciais nas escolas. De acordo com Gomes e Jesus (2013), tanto a legislação como seus dispositivos podem ser considerados como pontos centrais no processo de implementação das políticas de ações afirmativas na educação brasileira. Mas, ainda é preciso destacar a Resolução CNE/CP nº 4, de 13.07.2010 que define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação

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Básica (BRASIL, 2010a) com fundamentação no Parecer CNE/CEB Nº 7 de 09.07.2010 (BRASIL, 2010b); a Resolução CNE/CEB Nº 8, de 20.11.2012, que define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica (BRASIL, 2012a) com fundamentação no Parecer CNE/ CEB Nº 16, de 05.06.2012 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (BRASIL, 2012b).

Acrescenta-se nessas normativas a Resolução Nº 001 de 19.02.2013 do Conselho Estadual de Educação (CEE) de Mato Grosso (MATO GROSSO, 2013), que dispõe sobre a oferta obrigatória da Educação das Relações Étnicas e Raciais e do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena nos estabelecimentos de Educação Básica, públicos e privados do Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso. Esta Resolução institui procedimentos para a aplicação das leis federais Nº 10.639, 11.645 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicas e Raciais e para o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena, na Educação Básica.

Com a intencionalidade da valorização da sua diversidade cultural apresentada em alguns pontos do seu Projeto Político Pedagógico (PPP), a Escola Estadual Quilombola Reunidas de Cachoeira Rica ofertou no ano letivo de 2016 o total de 513 matrículas. São vagas para estudantes provenientes de assentamentos, fazendas, sítios e chácaras variando de 10 km a 48 km distantes da escola e matriculados no Ensino Fundamental e Ensino Médio, tanto no sistema regular de ensino como na Educação de Jovens e Adultos. O atendimento a esses estudantes ocorre nas salas de aula da própria escola e nas salas de aula de

escolas em comunidades vizinhas. São as chamadas salas anexas6 , instaladas nas

comunidades de Praia Rica, Córrego do Campo, J.J, Rio da Casca, Mata Grande e Jangada Roncador.

Em seu PPP define a escola como um espaço histórico onde se processa a construção do conhecimento a partir de uma educação emancipatória. São espaços de relações sociais entre agentes sociais, em meio aos conflitos que mobilizam a transformação social. Assim, “a educação escolar deve ser assumida

6 Considera-se como sala anexa os possíveis espaços de sala de aula fora da sede da unidade escolar localizados em um raio de 2 Km da sede, conforme a Resolução Nº 157/2002/ CEE/MT.

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como instrumento onde os valores de igualdade, responsabilidade, justiça, solidariedade e fraternidade sejam efetivamente conquistados e deixem de ser simplesmente mera declaração sem efetividade real.” (MATO GROSSO, 2012). Além disso, está presente na proposta da escola a intenção de garantir o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana conforme estabelece a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003b).

Além da ação pedagógica com enfoque cultural, o currículo é dotado de iniciativas com foco no meio ambiente e na sustentabilidade. Como exemplo, o projeto Itambé, que visa a instalação na escola de um viveiro com mudas de plantas nativas do bioma cerrado com a finalidade de recuperar nascentes degradadas. A iniciativa foi proposta por estudantes da 2ª fase do 3° ciclo do Ensino Fundamental. Conforme Soares, diretor da Escola 2014/2016, “a ideia da construção de um viveiro sustentável nasceu durante uma visita em uma propriedade rural da comunidade, onde os alunos tiveram a iniciativa de fazer uma limpeza em torno de uma nascente degradada pelo garimpo.”

Em 2014, com a aprovação do Projeto Arte no Quilombo pela Fundação Nacional da Arte (Funarte), vinculada ao Ministério da Cultura, Soares explicou que a escola trabalha com a afirmação do negro e de sua negritude “para superar a visão deturpada, preconceituosa e para a desconstrução da imagem negativa, deturpada, pejorativa que se percebe no momento da dança, música, arte culinária, passando pela cor da pele, cabelo e lábios entre outros”.

Observa-se a tentativa da escola de oportunizar uma busca do direito relativo à apropriação dos espaços culturais do local onde vivem. Entretanto, o PPP ainda evidencia um distanciamento da história, da cultura e dos saberes locais, faltam-lhe os conteúdos específicos da cultura afro-brasileira do município, a própria concepção de cultura e a necessária inter-relação dinâmica entre as culturas dos elementos éticos formadores da população. É preciso avançar para um PPP interculturalmente orientado, isto é, para além de um multiculturalismo que possa induzir a ideia de uma sociedade construída como um mosaico de culturas diferentes e estáticas.

Moreira (2001) sugere que a preocupação com a desigualdade social se preserve e se aprofunde nos estudos sobre multiculturalismo. Para o autor, as desigualdades e diferenças encontram-se inextricavelmente associadas à realidade

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brasileira e, por isso, a importância não somente de compreender a complexidade dessa articulação como também de formular estratégias de luta. Nesse sentido, se aproxima de Apple (2001) na defesa de teorias e práticas de reconhecimento das diferenças como o compromisso com a redistribuição da riqueza.

Em seus estudos, Moreira (2001) sugere utilizar a expressão interculturalismo, pois para ele o prefixo inter expressa o sentido de interação, troca, reciprocidade e solidariedade, uma inter-relação dinâmica entre as culturas. Para além do prefixo, o que confere o caráter estático, colonizador, dinâmico e descolonizador, é a concepção de cultura que escolhida, a clara expressão de um compromisso político contra toda e qualquer coerção e o debate da diferença articulada com a desigualdade social, “que nos encaminhe a desafiar, no currículo, os preconceitos, os estereótipos e os processos que nos têm categorizado e oprimido”.

Está presente no PPP da Escola Estadual Quilombola Reunidas Cachoeira Rica a intenção de garantir o Ensino da História e Cultura Afro- Brasileira e Africana, conforme estabelece a Lei 10.639/2003. Entretanto, observa-se que o mesmo carece de fundamentação baseada nas legislações e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, as quais pretendem orientar e balizar os sistemas de ensino e as instituições educacionais na implementação das Leis 10639/2003 e 11645/2008.

Além disso, observa-se a necessidade do fazer pedagógico estar intrinsecamente relacionado à realidade histórica, regional, política, sociocultural e econômica, uma construção pautada na realização de um diagnóstico da realidade da comunidade quilombola e de seu entorno. Assim, partir dos conhecimentos tradicionais da comunidade, da sua oralidade, ancestralidade, estética, formas de trabalho, tecnologias e história quilombola; das formas por meio das quais vivenciam os seus processos educativos cotidianos em articulação com os conhecimentos escolares e demais conhecimentos produzidos pela sociedade mais ampla.

Conclui-se, após a análise do PPP e das investigações empreendidas

Considerações Finais

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até o presente momento com os gestores e professores da Escola Estadual Quilombola Reunidas de Cachoeira Rica e salas anexas, que os aspectos históricos e culturais de Chapada dos Guimarães não estão disponíveis ou com visibilidade merecida. O desconhecimento da história e da cultura local alcança o espaço escolar. Consequentemente, os professores encontram dificuldades em trabalhar os conteúdos locais oriundos da cultura afro-brasileira, em desenvolver o projeto pedagógico e currículo que dialogue e incorpore saberes perspectiva da prática pedagógica intercultural.

Assim, urge investigar conhecimentos sobre o significado social da cultura afro-brasileira em Chapada dos Guimarães e a própria transmissão e transição do patrimônio cultural, no horizonte da produção de conhecimentos marcados pela história do lugar, quando as práticas culturais são produzidas nos percursos locais em conexão ou divergência com o contexto global.

No documento BAQUARA MAIO/2019 VOL 1 NUMERO1 ISSN (páginas 119-132)