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“Trabalhar de firma, em faxina...[...] como empregada doméstica, de carteira fichada. Eu morava na zona leste e ia trabalhar na zona sul. Saia 4 horas da manhã, ia pra firma, trabalhava na saúde, com a criança no braço de noite. Teve uma noite mermo que eu me assombrei, um cidadão... que quando eu cheguei lá tinha um cara acabando de morrer, que tinham matado. Eu me assombrei tanto, com um filhinho no braço. Sofri também por causa dessa criança, porque o menino era branco. E eu fui pra casa de minha patroa um dia de semana e ela disse, Lena, traz o Lucas pra eu conhecer, eu panhei o minino e levei. Viuge, quando eu cheguei na Sé as polícia me rodaram, sua negra, pra onde você vai com essa criança? Essa criança é robada. Eu não gosto nem de mim alembrar disso. Eu falei, não, é meu filho. Ele falou, uma negra qui nem você com uma criança dessa no braço, mostra o documento da criança aí. Aí eu corria, andava com tudo, aí peguei meu documento, o documento do Lucas, eu tinha tirado a identidade dele, aí, corri e mostrei pra ele. Aí ele, é, tem que ser negra mermo pra tá com uma criança dessa, nem assenta. Aí, eu virei pra ele e falei, mas ele é meu filho, eu não roubei, não. Se eu to com ele nos braço é porque Deus me deu, eu segui meu caminho e passei”.

(Maria Helena dos Santos da Cruz, Várzea Queimada, 2019)

Uma geografia do em movimento /deslocamento e circunstâncias moldadas pelos eventos condutores de novas configurações sobre diversos territórios e diversas espacialidades. Como representar o deslocamento forçado, a

imposição da ocupação para os viventes mediante regras externas estranhas ao mundo que conhecia, além de uma ocupação formada por povos e nações africanos forçadamente transportados?

A experiência vivida por Maria Helena dos Santos Cuz a partir de sua visão sobre viver em Várzea Queimada e São Paulo nos indica possíveis interpretações necessárias em pleno século XXI, cuja presença geográfica do corpo negro demonstra ser fator de preocupação e controle através de sua marginalização como cidadão brasileiro, marcado sobretudo por um racialismo institucionalizado que se materializa no próprio espaço geográfico.

Estes condicionantes operatórios, inclusive das relações sociais e de trabalho estabelecidos, colocam o negro brasileiro diante de constantes geografias, também ameaçadoras, visto que tanto o espaço urbano como o rural estão cada vez mais sendo instrumentalizados por sistemas de segurança, aparentemente, protetores de uma “ordem social”, mas que na prática tem como alvo principal os povos das margens e periferias destas centralidades geográficas.

Assim, o território brasileiro mantem seu status ameaçador, violento e, junto com ele, promove também um racismo complexo diluído na sua aparentemente normalidade legalista, cujo legado histórico do escravismo e racialismo brasileiro encontra porto seguro.

Este racismo revestido de ordem social e legal não só envolve sua contemporaneidade na ocorrência , mas coloca o negro diante de seu passado ancestral vivido sob uma ordem opressora no Brasil e que também se fazia geográfica, resultando em uma história constantemente acionada por trágicos eventos da história social brasileira , que vai do escravismo, dos massacres e perseguições aos quilombos, da segregação social e urbana, do ataque aos povos da floresta, da agricultura familiar e das comunidades tradicionais.

Maria Helena dos Santos Cruz, negra, quilombola e mulher do sertão, carrega consigo várias camadas geográficas do pertencer ao “mundo” brasileiro. E estas, quando interpretadas pela sua mulltiescalaridade relacional , nos revela que as geografias das narrativas e as experiências no plano do vivido e do mundo prático desafiam o nosso olhar sobre formas de classificações e generalizações sobre a frívola sociedade em que estamos .Pensar essa geografia que se estabelece na forma de acontecimentos e ocorrências múltiplas, levando em consideração os explorados de um mundo cuja velocidade da técnica e do capital se

apropriam do fazer geográfico mediados pelas novas e limitadas regras definidas por grupos que exercem hegemonia, poder e controle, torna-se um processo extenuante e complexo, visto que a voz e o pensar sobre o mundo a partir destes povos não encontra regra ou parâmetro lógico diante da oficialidade e voz nos dominantes.

A presença negra no sertão, aqui caracterizado pelo centro- norte baiano, inevitavelmente estava atrelada a um conjunto de práticas laborativas fundamentadas no projeto europeu de ocupação. No entanto, a experiência colonial de ocupação e sua exclusiva metropolização tornava a geografia transatlântica em caminho ou estrada que alimentaria este processo. Técnica e deslocamento fundamentarão a configuração territorial da estrutura colonial, cujos indivíduos ou grupos de alinhamento promoverão o surgimento de vilas, colônias e povoados.

Esta configuração social não impedirá que os grupos sociais alijados de participação nos reclames e decisões e posicionamentos diante do poder central, produzissem suas próprias interpretações sobre esta mesma conjuntura opressora. Uma vez deslocado, a extensão territorial exigia reinterpretações geográficas necessárias para a condição efetiva de ocupação.

Agricultura, pecuária e mineração permitirão a entrada no sertão e promoverá uma sustentação da colônia regidos pelo controle e manutenção da terra produtiva, o que não impedia, por sua vez, disputas e conflitos constantes em função das orientações e fiscalização contínua exercida pela metrópole. Estas unidades produtivas eram estabelecidas ao longo das margens dos rios, em matas e áreas vinculadas aos donatários e agregados.

Moraes (2002-2003) recorre ao sertão para além de uma materialidade na ocupação. Desta forma:

[...] o sertão não é um lugar, mas uma condição atribuída a variados e diferenciados lugares. Trata-se de um símbolo imposto - em certos contextos históricos - a determinadas condições locacionais, que acaba por atuar como um qualificativo local básico no processo de sua valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade da superfície terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia geográfica. Trata-se de um discurso valorativo referente ao espaço, que qualifica os lugares segundo a mentalidade reinante e os interesses vigentes neste processo. (MORAES, 2002- 2003, p.13).

É certo que este empreendimento não estava desprovido paralelamente de reinterpretações deste mesmo sertão pelos negros usados como instrumentos ou bens de propriedade na instalação territorial em andamento.

Neves (2007) identifica o sertão:

[...] tanto na condição de categoria geográfica como na perspectiva socioantropológica, ‘sertão' revela-se polissêmico, carregado de novos e velhos sentidos. Mais que uma alteridade negativa de litoral, firma-se como referente do regional e se expressa como representação da cultura nacional. De espaço vazio do imaginário colonial converteu-se, quase de súbito, no eldorado de ávidos aventureiros na corrida do ouro. Esse movimento promoveu maior demanda por terras para a pecuária, associada à policultura agrícola, produtoras do suprimento das unidades pecuaristas, que evoluiu para o abastecimento regional e deste para o comércio interprovincial, responsável pela formação do mercado colonial e reforço das exportações (NEVES, 2007, p. 22).

Ivo (2012) observa que:

Assim como os espaços rurais, os núcleos urbanos centrais do Brasil não abrigaram o pleno estabelecimento das instituições do Estado durante o século XVIII. A linha tênue que separava o mundo urbano do rural nesse período exige cautela na instrumentalização de conceitos excludentes que categorizam e pouco explicam os universos culturais que os constituíram distantes das áreas litorâneas. Os sertões guardavam singularidades múltiplas, trânsitos e mobilidades e, assim como as cidades coloniais, abrigavam movimentos de pessoas e de produtos das mais diferentes partes do Império ultramarino português, tal como se verifica nas áreas urbanas. Os sertanejos forjaram situações de interpretação e de reconstrução de variadas formas de trabalho e de vida, ações condicionadas pelas leis, pela justiça e pelos costumes, constantemente reinventados e reinterpretados. As culturas múltiplas criaram novos espaços de vida econômica para além da vocação puramente agropecuária. Abrindo caminhos e conectando-se ao mundo ultramarino, os sertanistas, ao buscarem riquezas e acumularem grandes propriedades rurais, foram os responsáveis pelo ir e vir de práticas culturais num trânsito até então desconhecido para os sertões (IVO, 2012, p.33).

É certo que a organização social em curso e aqui, na incursão sobre o sertão, representava uma aventura geográfica8 em que uma vez propriedade, o

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[...] o sertão para ser identificado demanda o levantamento do seu oposto: o não-sertão, visto como o lugar que possui as características de positividade ali inexistentes. Vale salientar que é sempre a partir dessa oposição oposta que o sertão é qualificado enquanto tal. Isto é, o lugar a partir do qual se

contingente negro se apresentará com papeis definidos no processo. Em atividades domésticas, na lavoura e também fabril, a prática exercida pelos mesmos designarão o valor e o sentido estabelecido pelos seus “donos” sobre a permanência ou não na propriedade e em outras paragens negociais.

Segundo Neves e Miguel (2007) a configuração geográfica se estabelecerá sobre estes moldes relacionais:

Como resultado do entrelaçamento deste conjunto de lugares, caracterizado pela existência de minas, fazenda de gado e aglomerações humanas, os sertões encontram-se parcialmente conquistados, repartidos e explorados no século XVIII. Sesmarias (sítios e fazendas), minas, e currais distribuíam-se por toda a área, à exceção dos territórios ainda dominados pelos botocudos, aimorés e outros povos nativos. Arraiais, povoados, vilas, "capões" e vendas, distribuíam-se ao longo dos rios, nos fundos de vales e nos altiplanos. Descrições de viagens e expedições não deixam dúvidas de que, casas, taperas ou mocambos não se encontravam distantes mais de quatro ou cinco léguas uns dos outros (NEVES & MIGUEL, 2007, p. 207).

Neves e Miguel (2007) observam que este movimento é caracterizado como um intercâmbio que:

[...] evoluiu da dimensão local para a regional, a provincial e a colonial, na proporção em que precárias trilhas nas matas, abertas por agentes de todos os tipos de negócio, inclusive o ilícito, transformavam-se em caminhos palmilhados regularmente por mineradores tropeiros e boiadeiros, responsáveis pela ocupação e povoamento dos sertões e por essa dinâmica mercantil colonial (NEVES & MIGUEL, 2007, p. 207)

O deslocamento negro no Piemonte revela os caminhos tanto do processo de ocupação como também da conflituosa posse sobre os mesmos pelo colonos ou proprietários das terras. Ao mesmo tempo que o sertão se constituía em uma possibilidade para o colono de manutenção e sustentação, transformava-se paralelamente no vetor principal de recusa ao escravismo através das fugas e conflitos revelados na sua ocupação. É importante observar que a manutenção da

qualifica uma localidade como um sertão está sempre localizado no campo contraposto. Neste sentido trata-se de uma imagem construída por um olhar externo, a partir do qual se qualifica uma localidade como um sertão está sempre localizado sempre no campo do contraposto (MORAES, 2002-2003, p.15)

posse sobre o negro representava a garantia de valor agregado ao processo produtivo de cada propriedade atendendo ao interesse do sistema colonial, assim, “No século XVII " os caminhos dos sertões foram efetivamente abertos a partir da necessidade do deslocamento de gado, de escravos, de ouro e outras mercadorias” (NEVES & MIGUEL, 2007, p. 77).

Segundo Vasconcelos:

Desde os tempos coloniais, considerado ‘inculto e cheios de façanhas barbarescas’, o sertão foi concebido como o abrigo da pobreza, da desordem e do isolamento, características opostas à forma de viver das regiões litorâneas, considerados espaços privilegiados para a ‘civilização’, para a diversidade econômica e para o exercício da política (VASCONCELOS,1999, p. 92)

E, a Villa de S. Antônio de Jacobina surgirá como lugar central, tanto na ocupação como na organização da sociedade, que se estabelecerá sobre aquele território. A posição do sítio geográfico da Villa9 diante do ciclo de exploração do ouro fez deslocar o interesse da metrópole para o sertão. Neste relato destacado por Neves e Miguel (2007), Joaquim Quaresma Delgado destaca passagem pela Villa de S. Antônio de Jacobina (Figura 15) destacando as características da área:

Da Tapera à villa há nesta viagem, andando uma légua, umas casas com moradores e, algumas roças ; daqui um quarto de légua se passa o rio Tapicurú-mirim e depois à mão esquerda e já daqui para cima se larga elle, até mais adiante desta passagem há outro riacho e uma casa e este riacho chamam de Casa da Telha, mais adiante outra casa com um riacho que chamam a Taboca e até aqui 2 leguas do caminho de toda a jornada.[...]Mais adiante um quarto de legua ou mais está o riacho da Bananeira e mais outro quarto de legua adiante o riacho do Ouro Fino que é já dentro da villa e já desde a Tapera vem o caminho por entre as serras que são bastantes altas.[...]Tem esta uma rua arruada leste oeste, com casa de uma banda e da outra , ficando-lhe o rio á parte de sudoeste e terá desde o rio de Ouro Fino até a Missão dos Padres e metade e um quarto de legua, desta villa ao arraial das Figueiras há 4 leguas e por distância recta 2 e tres quartos ao norte quarta de nordeste . Aqui se tira ouro em um riacho daqui ao norte uma legua e meia e por estrada 3 aonde se está trabalhando com boas esperanças e chamam Sacomã que também está tirando ouro. [...]

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Ao longo da Estrada Real, " constituíam-se vias de ligação entre fazendas e povoações, que entabulavam pequenos comércios entre si e estabeleciam redes de intercâmbio que deram origem e implementaram o mercado interno " (NEVES & MIGUEL, 2007, p. 79), integrando o fluxo mediante caminhos vicinais. Quaresma Delgado (apud NEVES & MIGUEL, 2007) destacou em seu relato de viagem Jacobina para Rio de Contas a presença de roças na altura da serra do Tombador indo para Morro do Chapéu.

Da villa para o sul quarta do sudoeste está um sítio aonde vive o coronel Manoel Figueiredo Mascarenhas, aqui chamado de Jaboticabas em distância de 2 e meia e por estrada 3 e meia. Neste sitio se tem tiradobastante ouro e tirará havendo Água por toda esta distância até a villa em vários corregos de Serras que o tem.[...] Cerca esta Villa um cordão de Serras que corre norte sul mais uma quarta para o sudeste, a estese encostam outras, que em umas partes são três cordões e em outras quatro e também cinco ficando a parte de oeste da Villa uma Serra que chamam o Tombadouro, que é bastante alta para a parte de Leste a da Bananeira que não é menos e para a parte de sudoeste em distância de duas leguas o sitio chamado Brejo que tem seus moradores e roças e deste a Serra do Timbó uma legoa de distância ao rumo do sul quarta do sudoeste, ficando estas duas jornadas de três legoas : ao pé desta serra se tem tirado muito ouro e por todo este continente desde o Jacomoá até Jabuticabas e ainda mais abaixo há ouro descoberto em muitas e várias partes: É o que se me offereceu desta (NEVES & MIGUEL, 2007, p.72-73)

A conformação do território mostra que o caminho de Ouro Fino (Figura 13) e o roteiro de observação no século XVIII com sua “geografia colonial”, já indicava um movimento em direção ao atual Território do Piemonte da Diamantina, levando em consideração a extração de ouro, utilizando para isso o percurso dos atuais rios Itapicuru- Mirim e do Ouro. Note-se a presença de roças no entorno das vilas, cuja função posteriormente será também o abastecimento das áreas urbanas e dos seus principais centros na época. Neste contingente humano e social envolvido através da mineração, novas relações provenientes ocorrerão, inclusive aparecendo também como ameaça política diante da ordem agrária tradicionalmente posta.

Figura 13 - Mapa Roteiro de Ouro Fino adaptado,2019 Fonte: Fábio Nunes, 2019.

Segundo Ivo (2012), este processo desencadeará preocupações para os proprietários locais, que poderiam perder também seus escravos e se verem prejudicados com a ausência dos mesmos na lavoura, engenho e produção correlata10.

Nos primeiros anos do século XVIII, a denúncia de Rocha Pita, assim como as preocupações de Dom João de Lencastre, colocavam em pólos excludentes a lavoura e a mineração, já que desta deslocava a mão de obra da produção do açúcar e do tabaco: ‘o ouro das Minas do sul foi a pedra- irmã da gente do Brasil, e com tão veemente atração, que muita parte dos moradores das suas capitanias (principalmente da província da Bahia) correram a buscá-lo, levando os escravos que ocupavam em lavouras’. Seu discurso desnudara o imaginário negativo do ouro: ‘se a ambição não trocara quase sempre o mais útil pelo mais vão” e esclarece que a demanda de cativos para a região das Minas, além de aumentar o preço de aquisição dos escravos ‘do gentio da Guiné’, afetaria diretamente a produção de mantimentos (IVO, 2012, p. 42).

Assim, entre fortes interesses e dissonâncias, uma economia em mutação, cujos interesse e foco atendiam a um mercado internacional sobretudo, vai se desenhando na colônia as primeiras insatisfações que sinalizam a produção de um território em trânsito e ao mesmo tempo em conformação11.

Jacobina tornou-se uma área estratégica diante da emergência da exploração mineral no século XVII na rota entre a Bahia e as Minas Gerais, e sua criação passa efetivamente pelo controle e pela arrecadação dos quintos das minas da serra.

Portanto, através dela tornou-se possível a fiscalização das minas da serra da Tromba, a cobrança do quinto e o efetivo escoamento do ouro com a segurança e a rapidez possíveis. Por ter sido uma obra determinada pelo rei de Portugal, a primeira estrada aberta no interior da Bahia, ligando as duas minas, ficou conhecida como Estrada Real (NEVES & MIGUEL, 2007, p.79).

10“A descoberta de minas de ouro em Jacobina aumentou o fluxo de pessoas para as margens dos

rios de acesso ao sertão no limiar do século XVIII. [...] Domingos Neto Pinheiro fora nomeado por Dom Rodrigo da Costa para capitão das entradas de Jacobina e Carinhanha” (IVO, 2012, p.39).

11 “A crença nos males e vícios que o ouro traria aos povos da conquista e a certeza de que o metal

já produzia problemas em outros reinos, orientaram o governo português a ter cautela em relação às minas da Bahia” (IVO, 2012, p.41).

O espaço geográfico da Villa de S. Antônio de Jacobina estará ligado a uma nova rota ligando a Bahia as Minas Gerais através da produção do ouro envolvendo o Piemonte e a Chapada Diamantina.12

Ao longo da Estrada Real "constituíam-se vias de ligação entre fazendas e povoações, que entabulavam pequenos comércios entre si e estabeleciam redes de intercâmbio que deram origem e implementaram o mercado interno" (NEVES & MIGUEL, 2007, p. 79), integrando o fluxo mediante caminhos vicinais.

Durante todo o século XVIII, as comarcas do Serro do Frio e de Jacobina, Alto Sertão da Bahia - foram territórios de conflitos de interesses privados em função de uma ordem pública distante e pouco definida para estes lugares. De outro modo, o domínio político exercido pelos potentados locais escapava ao controle das iniciativas públicas de governantes que pouco sabem acerca dos limites e fronteiras de suas atribuições, a exemplo, os conflitos de jurisdição existentes entre as Capitanias da Bahia e de Ilhéus sobre questões referentes à política colonizadora de João Gonçalves da Costa no Sertão da Ressaca (IVO, 2012, p. 32-33)

Por conta destas relações envolvidas na complexidade estrutural de uma sociedade forjada sobre padrões e normas externas aos grupos envolvidos, a questão negra passa a ser uma preocupação na redefinição do ideal de nação, o que vai recair sobre os mesmos limites impositivos e definidores do lugar a ser ocupado. Moura (1994) destaca a condição destes como “semoventes”, visto que eram objetos de troca e venda, destacando ainda o sistema de controle.

O sistema escravista aqui implantado para ordenar, desenvolver ou regular quer econômica, quer social e culturalmente, tinha de estabelecer um aparelho ideológico de dominação que o garantisse quer simbólica, quer estruturalmente, da mesma forma que tinha de estabelecer um aparelho de repressão material com a mesma função (MOURA, 1994, p. 151).

Era uma sociedade de modelo classificatório e seletivo cuja ideia principal passava pela manutenção da estrutura social e econômica com a criação de barreiras para indígenas e negros em detrimento do branco.

O sistema de valores propagado representava:

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No século XVII "os caminhos dos sertões foram efetivamente abertos a partir da necessidade do deslocamento de gado, de escravos, de ouro e outras mercadorias" (NEVES & MIGUEL 2007, p. 77).

[...] uma estrutura social na qual se ordem hierarquicamente, através de níveis de pressão e controle variáveis, e com diferenças relevantes ou pouco significativas, os membros das etnias na estrutura de estratificação social das mesmas. O fato de estar a sociedade brasileira em uma área cujos pólos [sic] iniciais de poder e