• Nenhum resultado encontrado

2.1 NEGROS NOS "SERTÕES": DIÁSPORA E DESLOCAMENTO

2.1.1 Piemonte e Interiorização: Caminhos e Lugares na

Os caminhos resultantes da colonização na Bahia não se resumem aos oficiais (estradas, rios, entrepostos, vilas, propriedades), envolvendo somente o interesse da coroa portuguesa, pois como já dito anteriormente, muitas comunidades, vilas e povoados acabaram compondo e se instalando em virtude da inserção no sertão e a partir da viabilidade de sobrevivência e dos diferentes papéis exercidos nas práticas sociais estabelecidas sobre distintas regiões. Este controle no movimento mediado pelas terras coloniais e seus representantes outorgados, também estariam sob um complexo sistema de dispersão populacional quilombola e negra conflitivo e ameaçador através das fugas constantes e a instauração de redes conectivas com a metrópole, a África e os sertões, ou interior do país.

Neste sentido, o recôncavo baiano, a cidade de Salvador e o oeste da África se constituiriam em caminhos além fronteiras, cujo limiar representava tanto o interesse de uma economia colonial como também a negação da mesma em uma ordem paralela e produtora de novas comunidades ou agrupamentos. Assim, a diáspora representava não só a retirada forçada e a distribuição dos diferentes grupos étnicos africanos sobre o território brasileiro, mas também o surgimento de novas apropriações originados na fuga e resistência, o que posteriormente se destacariam pela unidade comunitária de interesse comum e sobrevivência. O movimento sobre rios, mata e estradas foram se multiplicando, na medida em que o território em formação ia avançando e as novas relações impostas se tornariam mecanismos que justificassem a regulação social, através, tanto de um legalismo em instauração como de sua redefinição. Este ponto, movimento, deslocamento e regulação junto com os fluxos que lhe caracterizam, coloca a ocupação sob o viés de um internacionalismo através da própria formação diaspórica deste território, e que acompanha paralelamente a costa africana de oeste a leste do continente. Desta forma, a ênfase nesta análise será o espaço geográfico diaspórico africano no

Brasil e sua contribuição para o entendimento da dispersão populacional negra sobre os sertões da Bahia.

O atual Território do Piemonte da Diamantina, já no século XVII povoação de Jacobina e no século XVIII como Vila de Santo Antônio de Jacobina, era importante cenário por conta dos caminhos da mineração, onde a rota Jacobina - Rio de Contas, via estrada Real para as regiões das Minas Gerais representaria a nova ordem de movimentação colonial, gerando deslocamentos em massas ao interior da Bahia.

Ao mesmo tempo, este interesse vai se constituir em uma ordem comercial e social cujas relações de produção e trabalho tornariam algumas vilas e povoações em pequenos centros nucleares de distribuição e consumo de produtos fundamentais, tanto para a manutenção do sistema colonial metropolitano, como para a alimentação e o funcionamento da população na própria colônia. Assim, a agricultura, a pecuária e a manufatura se tornarão o apoio e também a sustentação dos quilombos em franca expansão por todo o território colonial. Vale ressaltar que as fugas diante do bandeirantismo e das estratégias de sobrevivência e permanência produziriam novas rotas, tanto para indígenas como para negros durante a ocupação do Piemonte. Os muitos povoados e distritos com população majoritariamente negra mais do que pela dispersão territorial, sugerem um agrupamento por interesses coletivo e de fortalecimento do grupo, demonstrando muitas vezes que as fugas e ou fixação sobre o território eram processos de reapropriação contínuos diante da oficialidade e controle impeditivo da metrópole sob seu próprio sistema administrativo.

A disputa por espaços no território em formação e diante do centralismo latifundiário dos seus agentes administradores designados, permitiu que o Brasil transformasse o espaço geográfico em valor de uso capitalista e patrimônio que será usado como moeda e forma operatória de inserção e controle das relações tornando-se fundamento condicionador da criação do trabalho compulsório.

De mão-de-obra escrava rural e urbana, aos povos originados da África no Brasil, a luta pelo direito a terra envolvia o enfrentamento, a negociação ou a disputa com os grandes proprietários e a consequente herança latifundiária envolvendo os respectivos familiares dos mesmos. Ao mesmo tempo propriedade e, ao mesmo tempo um sujeito de si e de seu grupo representativo, o negro brasileiro produzirá novas geografias simuladoras de territorialidades fundamentais para a sua

manutenção como grupo social e cultural, justamente através das revoltas e produção de espacialidades contraofensivas ao hegemônico território em que se encontra. O quilombo e o espaço negro acabam sendo o lócus principal de uma futura sociedade onde a terra colocaria o negro como alvo principal do controle social estabelecido.

Os conflitos pelo uso e apropriação das terras em comunidades negras e quilombolas são constantes, visto que o legalismo estatal condiciona a validade de sua ocupação fora do quadro de reconhecimento, o que de certa forma produz ilhas de comunidades e até mesmo um certo isolamento e fechamento destes grupos. O Estado brasileiro é ainda uma ameaça constante diante de seu quadro configurador, marcado sobretudo pelo amparo aos sistemas repressores que criminalizam os mais pobres.

Ninguém falava em política ... Aqui o pessoal só falava de política aqui quando era para ir votar de quatro em quatro anos...[...]Não, o pessoal não sentava para discutir. [...] Isso aconteceu, é... mas, eu acho que não foi muito a frente em dois mil, não, em noventa, noventa não, em oitenta e seis, oitenta e seis, mais ou menos foi quando Pedro Franco tomou as terras do pessoal daqui[...]Entendeu? Mas assim, mas o pessoal foi no impulso não foi assim em uma coisa planejada, que se fosse hoje a gente fazia, né? [...]Mobilizava, você fazia planejamento pra montar estratégias, no caso né? [...] Então o pessoal foi no impulso e quando viram que Pedro Franco estava bem recuaram. Não houve assim uma coligação, não. Não tinha assim um líder assim para conduzir... (José Jesus dos Santos, Várzea Queimada, 2019)

Este acontecimento descrito por José Jesus dos Santos revela que a situação de conflito envolvendo as comunidades quilombolas marcam ainda em pleno século XXI a negligência institucional e proposital do Estado sobre a questão da regularização fundiária e no acesso à terra pelos povos tradicionais e de quilombos, em que o próprio sistema se torna ameaçador e arma contra seus cidadãos a partir de seus agentes.

Em Várzea Queimada, é comum o relato da tentativa de invasão do território da comunidade no passado pela produção pecuarista, através da derrubada de licurizeiros e palmeiras, além de impactar o ecossistema da área, interferindo e impedindo que a comunidade se apropriasse da mata e continuasse desenvolvendo atividades extrativas, como atesta o Senhor Joaquim Pereira dos Santos:

Aqui eu vi aqui, teve uma briga aqui cum bucado de de gente aqui cum cum um povo que cumprô umas fazenda aí, aí pra tirar o povo aí [...] Não... Não tinha nada no Brasil não [...] Não... Não tinha nada no Brasil não [...] o outro era médico [...] Judiou muito do povo aqui[...]Sabe quantas vez ele botou nós pra comer na roça dos outro? [...] Duas mil cabeça de gado [...] Botou dois trator [...] Novo. Uma uma concha, um trator lá e de uma concha lá pro outro que num rival uma uma concha daquela do chão. É... Eu tava na casa de farinha, na casa de farinha que tinha. Só vi o pau quebrar, trouxe dezesseis puliça (Joaquim Pereira dos Santos, Várzea Queimada, 2019).

Segundo José de Jesus, o ato em defesa do território da comunidade diante do invasor naquele momento revelou, ao mesmo tempo, a dificuldade de organização e resistência da comunidade diante da ausência de uma liderança política local que representasse os anseios da comunidade. Ao criticar a forma como a política se revelava na localidade eventualmente e por período eleitoral, José de Jesus acaba questionando o fazer político revestido de práticas que geram submissão, impedem o avanço e a coletividade na discussão e tratam os membros da comunidade como objetos de interesse e manipulação política.

A ocupação do sertão revela esta disputa e a dinâmica da ocupação territorial na colônia, mas também o fluxo econômico, social e político impresso no transatlântico cotidiano envolvendo a Europa, a África e as Américas. Moraes (2011) destaca a expansão ultramarina como fundamental importância para a acumulação e sedimentação do empreendimento colonial na inserção do capitalismo na América. Dos fatores de produção ao monopólio das terras e do trabalho.

O fato é que o comércio crescente e a abundante exploração das novas terras envolvendo países europeus, como Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra, exigia cada vez mais um quantitativo populacional que atendesse ao desejo europeu de ampliar e dominar mais terras. O aumento do tráfico e sua instalação estavam atreladas também ao deslocamento e a criação de centros de produções no novo mundo. Em franca concorrência e disputa econômica, estes centros alternam a mão- de- obra de suas colônias entre o colono designado, o colono do trabalho compulsório, indígenas escravizados e os negros africanos, cujo continente sofre expressivamente com o comércio lucrativo e escravista.

Cabe destacar que a escravidão europeia na África fundamentará a instalação de um capitalismo visando a maximização do lucro com a exploração do Novo Mundo.

Moraes (2001) chama atenção para os dados envolvendo o contingente de negros vítimas do tráfico escravo:

[...] Segundo Klein, até 1500 eram embarcados de quinhentos a mil escravos por ano na zona do Senegal - Gâmbia, passando após essa data a dois mil por ano [...]. Após 1530, o principal ponto de embarque português é São Tomé, que mantém sempre uma ‘reserva’ estocada de 5.000 a 6.000escravos (p.31). No último quartel do século, Angola vai ganhando espaço, até tornar-se no século XVII a ‘base essencial do comércio de escravos’ português (K. Q. Mattoso [...]. Segundo Mannix & Cowley, entre 1575 e 1590, cerca de 52.000 escravos foram enviados de Angola para a América ibérica (cerca de 5.000 ao ano na última data), e só em 1617 foram embarcados 28.000 [...]. F. Browser estima cerca de 15.000 o número de escravos embarcados em Angola por ano no início do XVII [...] (MORAES, 2011, p. 246-247)

Para Moraes (2011), os milhões de africanos “transplantados” via tráfico negreiro estavam vinculados ao fator produtivo e o mercado mundo, tornando-se fundamentais para a emergência da configuração territorial capitalista e produtiva definidoras do espaço geográfico colonial. Junte-se a isso a distribuição e a movimentação populacional5 de africanos “transplantados” via tráfico negreiro.

O cálculo da quantidade de africanos transplantados do continente conhece relativa concordância: Herbert Klein estima uma cifra entre dez e quinze milhões de imigrantes escravos, sendo 2,2 milhões antes de 1700.Frederick Bowser dá um número mais preciso: seriam 9.566.100 escravos embarcados entre 1451 e 1870, destes 1,5 milhões para a América hispânica. Katia Mattoso se aproxima desses valores, falando em 9,5 milhões de escravos existentes na América entre 1502 e 1860, sendo 6,2 milhões só no século XVIII. E Octávio Ianni também acata este último número, estabelecendo a seguinte distribuição 38% localizados no Brasil, 17% no Caribe Francês, outro tanto no inglês, também 17% na América hispânica, e 6% no sul dos Estados Unidos. Nota-se que havia um estoque populacional disponível, o que torna inútil a discussão de se foi a demanda que criou o tráfico negreiro ou se foi este que criou a opção escravista na América (MORAES, 2011, p. 246-247).

O fator produtivo e o mercado mundo tornaram-se fundamentais para a emergência da configuração territorial capitalista e produtiva definidoras do espaço

5 “Segundo Klein, até o final do século XVII, o Brasil havia recebido entre 500.000 e 600.000

africanos; o caribe não ibérico cerca de 450.000; a América hispânica entre 330.000 e 400.000; e a América do Norte extra-espanhola cerca de 30.000 (MORAES, 2011, p. 247)

geográfico colonial. Ademais, a formação e a efervescência populacional6 tocante, que de fato revelava a dimensão do processo escravista na diáspora africana na América pelos portugueses.

6Analisando os dados produzidos por Artur Ramos, Moura observa que na “Bahia, com irradiação

para Sergipe, onde os escravos negros africanos foram redistribuídos para os campos de plantação de cana-de-açúcar, fumo, cacau e para os serviços domésticos urbanos e, especialmente, em época posterior para os serviços de mineração na zona diamantina" (MOURA, 1994, p. 142).

Figura 12 - Mapa da Diáspora Africana para o Piemonte e Chapada Diamantina,2019 Fonte: Adaptado com base nas obras de: Anjos, 2006; Neves, 2011 e Vieira Filho, 2010.

O Mapa da Diáspora Africana para o Piemonte e Chapada, representado na Figura 12, mostra como em três séculos diferentes a movimentação do tráfico negreiro seguiu a costa litorânea africana de oeste para sul e leste do continente, paralelamente abastecendo o território brasileiro de norte a sul. Com base nos estudos de Anjos (2006), Neves (2011 ) e Vieira Filho (2010) sobre os possíveis grupos étnicos e nações africanas procedentes, além dos registros oficiais que demonstram a compra/venda e, ao mesmo tempo, a chegada e a dispersão na Vila de Santo Antônio de Jacobina e Rio de Contas. Este contingente será uma preocupação constante diante do grau de escravismo que sustentará o nascente empreendimento colonial e capitalismo brasileiro.

Em muitos lugares, a população negra dobrava o volume da presença branca europeia, como atesta ainda Moura:

Essa escravia africana que chegava aos portos brasileiros durante o século XVI E XVII era praticamente enviada ao Nordeste e Leste do Brasil, especialmente ao Nordeste açucareiro. O auge da prosperidade açucareira, por outro lado, fez com que a Holanda ocupasse o Nordeste e praticamente monopolizasse o tráfico naquela região durante o tempo em que aqui permaneceu. Vieira afirmava, definindo essa situação de acordo com os interesses dos senhores de engenhos, ‘sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros’ (MOURA, 1994, p.143).

Se a preocupação com a produção aumentava, também ocorria paralelamente a necessidade de aparato humano para o empreendimento colonial, desta forma, o trabalho e a mão-de-obra negra serão deslocados junto com a técnica e a necessidade do próprio sistema produtivo. Moura (1994) observa que, na Bahia,

[...] seus engenhos do interior a proporção era de 100 escravos para seis brancos no início do século XIX, índice que bem demonstra a prosperidade dos senhores de engenhos locais, e, ao mesmo tempo, a sua insegurança latente face à desproporção entre a população branca livre e a escrava negra. Em Salvador, no mesmo período a proporção era de 14 a 27 negros para cada homem branco (MOURA, 1994, p.143)

De certa forma, a composição social e étnica negra da sociedade brasileira estava vinculada direta ou indiretamente ao continente africano, justamente na ligação transatlântica entre os dois continentes7.

Sodré (2005) chama atenção para os conteúdos diaspóricos do conhecimento negro transpostos na empreitada colonial e o real significado da cultura e civilização negra na emergência do território colonial brasileiro:

[...] é preciso deixar bem claro que não se tratou jamais de uma cultura negra fundadora ou originária que aqui se tenha instalado para, funcionalmente, servir de campo de resistência. Para cá vieram dispositivos culturais correspondentes às várias nações ou etnias de escravos arrebatados da África entre os séculos XVI e XIX. Tais culturas já conheciam mudanças no próprio continente africano em função das reorganizações territoriais e das transformações civilizatórias (substituições de antigos reinos e impérios por novos dispositivos políticos de natureza estatal), precipitadas pelas estruturas de tráfico de escravo montadas pelos europeus. (SODRÉ,2005, p.92)

Portos e feiras nas vilas seriam as conexões ou ponto de ligação e dispersão entre estes negros sobre vastas áreas territoriais, suprindo fazendas, comércio e trabalhos domésticos, dentro de um sistema produtivo e mercantil para o litoral brasileiro e, consequentemente, a metrópole.

O processo de mundialização aqui considerado refere-se às ações resultantes das ambições planetárias experimentadas por um conjunto político sob o poder do rei Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), a partir de 1580, quando a união das duas Coroas ibéricas acrescentou Portugal e suas possessões de além-mar à herança de Carlos V. As monarquias católicas, sob controle de um único soberano, edificaram um gigantesco Império que perdurou até 1640, abrigando uma diversidade de lugares, costumes, línguas e os mais distintos diálogos em espaços não -europeus: católicos e seguidores de Confúcio, em Macau; judeus; anglicanos e calvinistas em Pernambuco; negros islamizados e católicos em Salvador, na Bahia. (IVO, 2012, p. 29).

7

O espaço africano dos séculos XV e XVI, metamorfoseado pelos portugueses em um espaço para estas vivências, foi o locus das primeiras imersões europeias. Foram os mulatos e os brancos, sendo alguns destes deportados, outros aventureiros ou cristãos novos, denominados "lançados", os primeiros encarregados europeus de imergirem no universo tropical africano. De acordo com Boulégue (VENÂNCIO apud LOUREIRO, GRUZINSKI, 1999) eram, em sua maioria provenientes da ilha de Santiago, em Cabo Verde; outros seriam europeus, não- portugueses, mas assimilados à cultura lusitana. Esse deslocamento já ocorria em todo o continente africano e foram expandidos com as conquistas oceânicas e comerciais daquele momento (IVO, 2012, p.30).

Esta estrutura social e de fluxo não impedia, entretanto, a busca pela liberdade e fuga, como fundamento.

A conformação social diante de uma sociedade escravista e, ao mesmo tempo de trabalho compulsório baseada na mão-de-obra livre, torna complexo o entendimento destas relações no âmbito da estrutura social que se instalara diante de uma formação social em curso. Joaquim dos Santos (2019) relata, em sua memória, registros do lugar ocupado por sua mãe nesta estrutura social escravocrata:

Quem criou ela foi uma mulher que criou ela não tinha a mãe, a mãe morreu e ela criou ela e... meu pai... O pai de meu pai saiu daqui, não era o daqui era nim nim nim no Japipe[...]Coisa rapaz é nu. Sem calçola e as muié e as moça cum os pano marrado na cintura, tudo nu, má rapaz...[...]É só minha mãe que falava [...]Que ela... morava mais a a mãe que criou ela tinha seis fazendas [...]Ela falava que... ôh... “Oh Dona Chiquinha..” ela disse “fale”... “e a Princesa Isaber? Vai passar alforria?” [...] Ela disse “Quem num deu, rapaz...” e ela disse “Passar alforria o quê?” Mãe disse que cum quinze dias chegou [...]Cum quinze dias chegou [...] Pra sortar... pra sortar os escravo tudo. Aí despachou e disse que os escravo ficou tudo trabaiando lá pra eles [...]Que eles... que eles num tinham nada né? Ficou aí [...] Na propriedade ficou bom pra eles[...]Mas aí... a a mulher também era muito boa. O genro dela chama o Doutô João Barbosa [...] Era um homem que mandava né? Se se jogasse um chapéu e caísse em cima dele e falasse “Bora, Doutô?” ele ia pra Salvador buscar [...]E nesse tempo fazia frio né?[...] Mãe disse que morreu um monte [...] ela quem criou quem criou [...] mãe, [...] era uma mulher que tinha cheia de escravo (Joaquim dos Santos, Várzea Queimada, 2019).

Esta condição do ser negro onde Joaquim dos Santos referencia Dona Chiquinha, invariavelmente determinava o lugar compreendido pela lógica e determinação escravista, inclusive pelo fato do Brasil ser um dos últimos países na abolição da escravatura na América.

A alforria e o distanciamento do seus entes resultantes do próprio escravismo tornavam o escravo dependente de um mecanismo perverso de permanência na fazenda, ao mesmo tempo como morador e ocupante, mas também como propriedade regido por uma relação social ainda com traços coloniais.

Logo, não ter para onde ir transformava o ato de libertação limitado, já que do ponto de vista legal, não significava para o negro acesso ou garantias de sobrevivência a não ser um sonhado retorno para a África distante, mas presente na memória de muitos.

Neste sentido, a geografia demonstra ter sido também fundamental para esta almejada liberdade e sobrevivência do negro brasileiro, mesmo diante do sistema opressivo e de controle vigente .Ao mesmo tempo aprisionamento e também espaço aberto possível de fuga e retorno, o território brasileiro será o lugar de uma disputa e revelação sobre os meandros do empreendimento colonialista escravista e também de suas limitações como referência formativa, ao buscar desconsiderar a existência de povos e culturas no seu interior e periferias nucleares (vilas e/ou cidades) de sua projeção.

2.2 DINÂMICA SOCIAL DOS “POVOS NEGROS” NA LUTA PELO ESPAÇO NO