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Nossa perspectiva está privilegiando a história evolucionista e complexa no sentido multidimensional e polidisciplinar sugerido por Morin (2002: 357), em linha com as contribuições da Psicologia Analítica. Com isso, ao se correlacionar o dinheiro com o sagrado a serviço do processo de individuação, como processo evolutivo, torna-se necessário percorrem alguns aspectos evolutivos de alguns temas pertinentes a esta tese. Isso remete a uma análise mais acurada do processo de individuação, da evolução das manifestações do sagrado, da espécie humana e do dinheiro, para que seja possível levantar as possibilidades de reconciliação ou de união do dinheiro com o sagrado no sentido evolutivo da individuação.

Para que seja possível constatar um processo evolutivo, é necessário percorrer a história do objeto analisado. Sem um compromisso histórico não é possível situar na linha do tempo as dimensões humanas e, conseqüentemente, perceber o processo evolutivo que está presente em praticamente todo universo manifesto ou imanifesto. Nestes termos, é importante a percepção de que a história registra a evolução, na maioria das vezes, pelo relato de crises, revoluções, revoltas, traumas, dramas e conflitos, violentos ou não. Com isso, é possível deduzir que sem a tensão das polaridades não existe crescimento evolutivo. O resultado da tensão é a manifestação que, por sua vez, se diferencia do imanifesto, que pode ser chamado de inconsciente, dando origem à infinidade de pares de opostos que conhecemos.

O ser humano, pela aquisição da consciência, passa a ser simultaneamente agente e paciente do processo evolutivo. Desta forma, o novo sempre trará ao ego o sofrimento de uma experiência que lhe provocará a percepção, consciente e delimitada e/ou inconsciente e indefinida, como o resultado de um terceiro elemento advindo do confronto das polaridades. Por isso, o novo geralmente produz desconforto, medo do porvir, ansiedade de separação do que já é conhecido e tendências regressivas ao passado. Nessa dinâmica é que a evolução ocorre, por

ser o devir expresso no fluxo permanente, ininterrupto e atuante como uma lei geral do universo, que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes.

Todo manifesto foi originado pelas tensões que resultaram em divisões. Desta forma, a busca consciente de integração das partes possibilitará a realização do todo. Essas são as razões que levam a Psicologia Junguiana a estimular a percepção e a futura integração das partes e dos opostos, rumo a uma meta teleologicamente registrada no Self que, por sua vez, objetiva a individuação, o estado do não-dividido, o indivíduo inteiro e integral. O individuando, por se tornar um ser humano em contínuo compromisso de historiador que será historicizado, em busca de um sentido existencial, tem de enfrentar continua e conscientemente as três cabeças de Cérbero, o cão que guarda a entrada de Hades (mundo subterrâneo ou invisível e infernal da mitologia grega), despertando conflitos por meio do tédio, das dúvidas e da dor. Este embate é o que possibilita toda criação e evolução da consciência que, ao partir das trevas pleromáticas e inconscientes, passa por uma vida conflituosa devido à consciência das polaridades, até atingir a consciência celestial da unidade ou a experiência unitiva do individuado, estado de co-autoria com a divindade. Examinaremos essa evolução mais detalhadamente a seguir, começando pelas estruturas biológicas e cerebrais que possibilitaram o despertar da consciência com a aquisição da mente, para que seja possível alcançar o que a Psicologia Analítica chama de “processo de individuação”. Então examinaremos a evolução das manifestações do sagrado e do dinheiro, a fim de terminarmos este capítulo e a análise da reconciliação do dinheiro com o sagrado.

1 A evolução humana

Os avanços tecnológicos e científicos possibilitaram novas formas de se observar o mundo. Com isso, tornou-se possível observar a natureza que, a princípio, poderia parecer desorganizada e regida pelo acaso. Na realidade, ela possui uma lógica evolutiva com estrutura e funcionamento harmoniosos. Tudo o que existe na natureza desempenha uma função em conjunto. Conseqüentemente, este conjunto somado a outros desempenham uma função dentro de outros

conjuntos mais complexos, e assim por diante, formando uma dimensão dentro de outra infinitamente. Esta é a forma como o universo se organiza, e isso pode ser explicado pela geometria fractal. As Ciências cognitivas, bem como os estudos em redes de processamento neural, inteligência artificial e bioinformática, dentre outros, têm feito descobertas sobre a dinâmica evolutiva da natureza, levando ao conceito de autopoiese.

Autopoiese é uma forma de organização sistêmica, na qual os sistemas produzem e substituem seus próprios componentes em contínua articulação com o meio. Os sistemas autopoiéticos são autocatalíticos, isto é, não apenas estabelecem, mas também mantêm uma fronteira peculiar com o mundo circundante, fronteira essa que simultaneamente os separa do meio ambiente e os conecta a ele. Os seres humanos são exemplos de sistemas autopoiéticos, pois eles se reproduzem numa co-evolução incessante com o meio. Com isto, as pessoas respondem, ou seja, reagem, adaptam-se às mudanças do ambiente e este, por sua vez, responde, reage ou “adapta-se” à intervenção humana. Poiesis é um termo grego que significa produção. Assim, autopoiese quer dizer autoprodução. Maturana e Varela (2001:52) utilizam para definir os seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si mesmos por meio de uma “organização autopoiética”. Esses sistemas são autopoiéticos por definição, porque recompõem continuamente os seus componentes desgastados. Pode-se concluir, portanto, que um sistema autopoiético é, ao mesmo tempo, produtor e produto, ou seja, o “centro da dinâmica constitutiva dos seres vivos". Para exercê-la de modo autônomo, eles precisam recorrer a recursos do meio ambiente. Em outros termos, são ao mesmo tempo autônomos e dependentes no que Maturana e Varela (2001: 214) chamam de “acoplamento estrutural”, representado por uma rede de interações recíprocas que, com o intuito de satisfazer os organismos participantes, acaba indo muito além das necessidades ontogênicas individuais, pois acaba constituindo seres ou unidades de terceira ordem que, por sua vez, começam a interagir reciprocamente com a “teia” num contínuo espiral evolutivo ascendente.

Dando continuidade a nossa perspectiva evolutiva, podemos afirmar que o processo de evolução biológica está registrado na própia embriogênese humana.

Na embriologia humana é possível encontrar o exemplo mais fantástico da evolução. Da união de dois gametas origina-se a primeira célula, o zigoto, já com seu DNA, tendo gravado as 64 possibilidades de expressão biológica que, a nosso ver, detêm a sabedoria da evolução de todas as espécies. Estes registros são tanto cósmicos como planetários e genético-individuais. Da mesma forma, a evolução do conhecimento pode ser reconhecida como o resultado de um processo seqüencial, ascendente e espontâneo, muito similar às transformações que um embrião humano sofre seguindo praticamente os mesmos passos e conquistas dos avanços biológicos. Na embriogênese, podemos acompanhar o desenvolvimento do corpo, do sistema nervoso e, conseqüentemente, das funções mentais, que continuam evoluindo até se atingir a condição de maturidade do adulto.

O ser humano é o animal que nasce menos capacitado para sobreviver, por isso tem de passar por um processo de gestação extra-uterina, no mínimo, 28 vezes o período de gestação intra-uterina, enquanto os outros animais mamíferos precisam de, no máximo, 4 vezes o período intra-uterino para estarem totalmente maduros e prontos para a vida adulta. A evolução do ego-consciência só termina na vida adulta. Algumas estruturas biológicas acompanham esse processo até por volta dos 21 anos de idade. Isso possibilita a afirmação de que o processo de desenvolvimento integral segue um caminho que saí da matéria ao criar condições para o surgimento da vida biológica. Da dimensão biológica, segue para o surgimento da mente, da mente para a dimensão anímica do psiquismo e do psiquismo para a espiritualidade, em contínuo processo espiral que desponta do pré-pessoal, passando pela dimensão pessoal, até atingir os estágios transpessoais.

Retomando a perspectiva evolutiva, as bactérias, seres unicelulares que não possuem sequer um núcleo separado por membrana, foram as primeiras formas de vida a surgir na Terra, há três bilhões de anos. Do ponto de vista evolucionista, as bactérias estão na base de toda complexidade biológica. Elas contribuem com o equilíbrio do ciclo vital, por serem as grandes faxineiras do planeta desde as primeiras manifestações de vida, decompondo todo material orgânico morto. Porém, em situações específicas, elas podem se tornar nocivas e patológicas a outros seres vivos. Como isso, pode-se afirmar que a espécie humana e todas as

outras formas de vida existem graças a e apesar das bactérias. Ou seja, elas são muito anteriores à espécie humana, e estão na base de todo processo evolutivo por contribuem para o equilíbrio ecológico e auto-sustentável do planeta.

A primeira evidência fóssil de vida no planeta data de quatro bilhões de anos com o início da fotossíntese. Quinhentos anos depois, surgiram os protozoários unicelulares. Os invertebrados (esponjas, vermes, musgos e esponjas do mar) surgiram há dois bilhões e novecentos milhões de anos. Duzentos milhões de anos depois surgiram os vertebrados, na forma de peixes. Depois de mais cem milhões de anos apareceram os anfíbios. E há apenas cem milhões de anos os pássaros se separaram dos répteis e começaram a surgir os mamíferos. Após mais 25 milhões de anos, os dinossauros desapareceram, provavelmente para poder possibilitar a vinda dos seres humanos, caso contrário os caminhos evolutivos seguiriam outro rumo. Mas só há 40 milhões de anos é que os primatas surgiram. Os hominídeos surgiram há apenas 4 milhões de anos, e há menos de cem mil anos é que se tem o registro dos primeiros Homo Sapiens na África. Ou seja, parece que existe um caminho evolutivo que vai se acelerando à medida que as estruturas vão ficando complexas. Esse processo evolutivo seqüencial, ascendente e em contínua aceleração é chamado por Sheldrake (1993) e outros teóricos estudiosos do Caos e da física quântica de “atrator cósmico” que age no “campo mórfico”, o qual, por sua vez, age no “campo morfogenético”.

Por outro lado, o cérebro humano também conserva toda a história evolutiva. Assim como a embriogênese reproduz a história da evolução das espécies, temos no cérebro a reprodução da evolução. As estruturas cerebrais do ser humano começam pelos resquícios axiais ganglionares, que são a base das respostas reativas e involuntárias chamadas de sistema arco-reflexo, possíveis em função da existência dos neurônios. O neurônio, por sua vez, é a unidade estrutural e funcional do sistema nervoso que coordena atividades corporais e da consciência. É o primeiro meio de comunicação entre as espécies viventes chegando, até nossos dias, como o mais perfeito complexo cibernético conhecido.

Daí surge a primeira estrutura cerebral propriamente dita que preserva e mantém as experiências evolutivas dos répteis, já presentes nos dinossauros e que,

por isso, inclui o registro biológico e existencial destes seres. Essa primeira estrutura cerebral propriamente dita é chamada de “cérebro reptilíneo” ou “complexo R”, responsável pelo sistema neurovegetativo, sustentando as funções mais primitivas de manutenção biológica e instintiva. O cérebro reptilíneo influencia o mundo sensorial perceptivo e, conseqüentemente, as experiências estéticas de primeira ordem, em busca do belo, ligadas ao prazer e aos confortos corporais, muito citadas e estudadas por Freud em seu princípio do prazer. No dinamismo do cérebro límbico a atitude predominante é a egocêntrica com o domínio dos impulsos instintivos do amor pornéia.

Da estrutura reptilínea diferencia-se o cérebro límbico - um outro arcabouço cerebral que é responsável pelas emoções, sentimentos e elaborações afetivas, presente em todos os mamíferos, talvez em função da necessidade de vínculo afetivo com a prole, ao menos enquanto os filhos estão em processo de amamentação. O cérebro límbico é o responsável pelos sonhos. O cérebro límbico influencia todas as relações interpessoais. É graças a ele que o ser humano pode sair de sua subjetividade narcísica egocêntrica e assumir uma atitude intersubjetiva das experiências éticas e morais, em busca do bom, por meio de vínculos de várias ordens, incluindo os religiosos. O dinamismo do cérebro límbico é o sociocêntrico, devido à necessidade de relação interpessoal muito dominada pelos vínculos do tipo paixão eros-phatos.

O ser humano tem como diferencial dos demais animais do planeta o neocortex, que lhe confere a capacidade de raciocínio lógico, de abstração, de simbolização e de comunicação. O neocórtex, dotado de hemisfério direito e esquerdo, capacitou o ser humano a ir muito além dos instintos básicos de sobreviver, crescer e perpetuar. Com ele, o ser humano pode refletir sobre a vida, questionar o porquê e o para quê da existência; pode produzir conhecimento, fazer ciência e criar mitos. Essa estrutura cerebral possibilita o surgimento da faculdade de objetivar as experiências em busca da “verdade” científica dos fatos. Desta forma, no dinamismo do cérebro neocortical começam a surgir os vínculos grupais do amor phylia.