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Direito a Condições Mínimas de Existência

3. Direitos Sociais, Económicos e Culturais

3.2. Direitos Sociais

3.2.2. Direito a Condições Mínimas de Existência

I. Alguns instrumentos internacionais de direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, consagram um direito a condições mínimas de existência. Neste sentido, este direito fundamental social genérico inclui um direito à alimentação, um direito ao vestuário e um direito à habitação numa perspectiva evolutiva, uma vez que o Pacto fala de “melhoria” das “condições de existência”. Os Estados comprometem‑se ademais a desenhar programas de cooperação e repartição equitativa dos recursos alimentares, tendo em conta as necessidades mundiais. Esta última formulação demonstra que, do ponto de vista do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o direito social que é protegido de forma mais abrangente e prioritária é o direito à alimentação básica ou, nos seus próprios termos, “o direito a estar livre da fome”. II. Do ponto de vista constitucional, não há qualquer referência ao direito ao mínimo existencial. Todavia, esse direito pode ser derivado, genericamente, de um conjunto de princípios constitucionais, direitos sociais e até direitos, liberdades e garantias e, sobretudo, da concretização dos princípios do Estado Social e da solidariedade que alavancam o próprio sistema constitucional pátrio. Disso deriva o direito a uma protecção social mínima que garanta o básico do ponto de vista alimentar, habitacional, de saúde e de educação, vestuário.

3.2.3. Direito à Saúde

I. O direito à saúde é um dos principais direitos de natureza social carecedora de prestações públicas que se encontram previstos na ordem internacional ou interna de Cabo Verde. Na primeira dimensão é de se referir o artigo 12º do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Trata‑se, neste caso, de uma disposição jurídica enunciadora de um direito geral à saúde, que compreende não só a saúde física, mas igualmente a mental. A construção normativa desse direito pode suscitar alguma ambiguidade e problemas interpretativos, pois a expressão “melhor estado de saúde física e mental possível de atingir” poderá significar o máximo humana e cientificamente possível, colocando limites relativos à capacidade humana e científica geral, mas também poderá estar a fazer mera referência à capacidade concreta dos Estados Parte na disponibilização de níveis diferentes de cuidados de saúde. Esta fórmula pode ser perfeitamente entendida se se ativer ao facto de que se trata de um direito de natureza social, cuja intensidade de concretização deve ser assegurada de forma progressiva, necessariamente variável e sob reserva real do possível. Complementar e, exemplificativamente, o número 2

do mesmo dispositivo apresenta algumas medidas que devem ser adoptadas pelas Partes como forma de assegurar o direito à saúde nos níveis exigidos. Por sua vez, no plano regional africano, o direito à saúde foi declarado pelo artigo 16º da Carta Africana.

II. A Constituição da República consagra, como não podia deixar de ser, um artigo inteiro ao direito à saúde, o art. 71º. Esta versão foi turbinada pela inserção de uma ideia de criação de condições para o acesso universal à saúde, que passa a fazer parte da ordem constitucional. A forma utilizada segue, mutatis mutandis, a eleita pelo legislador constituinte para se referir à maioria dos direitos sociais, ou seja, enunciação geral do direito (neste caso, acompanhado por um dever), explicitação das obrigações básicas do destinatário da norma, o Estado, e exemplificação de algumas políticas públicas a adoptar nesse domínio. Resumindo, as obrigações do Estado nesse domínio, tirando, claro está, os casos que se podem beneficiar do regime de direitos, liberdades e garantias, são prestacionais, no sentido de montar um sistema adequado a prestar cuidados de saúde nos mais diversos níveis e exercer actividade regulatória e punitiva em qualquer dimensão da sua protecção com base na Lei Fundamental da Pátria.

III. Juridicamente, essas grandes orientações resultaram na adopção de um conjunto diversificado de diplomas de valor infraconstitucional que constituem, em conjunto com a regulação primária da própria Constituição e instrumentos jurídicos internacionais recebidos na ordem jurídica interna, o Direito Cabo‑ Verdiano da Saúde. O seu eixo central é ocupado a este nível não‑constitucional pela Lei de Bases do Sistema de Saúde e por um conjunto de actos legislativos e normativos a ele associados.

IV. De um ponto de vista das políticas públicas, nesse domínio, não é demais lembrar que como os direitos sociais têm uma dimensão política concreta, já que dependentes de uma realização variável e espaçada no tempo, dependem, em última instância, de políticas públicas. Assim, deve‑se chamar a atenção para a adopção da recente Política Nacional de Saúde, documento que vai densificar as grandes opções políticas do governo nesta matéria, com base, evidentemente, no seu programa.

Os principais indicadores de saúde confirmam a melhoria das condições sanitárias e de saúde da população. O país encontra‑se em transição epidemiológica com uma diminuição progressiva de doenças transmissíveis ou das que se relacionam com a precariedade das condições higiénicas e sanitárias e um aumento das doenças crónicas, nomeadamente a hipertensão e as doenças cardiovasculares

De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (QUIBB 2007), a cobertura dos serviços de saúde pode ser considerada aceitável:

73,5% da população pode aceder aos serviços de saúde em menos de 30 minutos (88% nas zonas urbanas e 61% nas zonas rurais) e 89% dos inquiridos manifestaram sentir‑se satisfeitos com os serviços que recebem. As razões de insatisfação estão relacionadas com o prolongado tempo de espera para serem atendidos (51,3%), com o elevado custo dos serviços (27%) e com a falta de medicamentos (13%).

Tabela 1. Estatísticas vitais, 2001-20007

Taxas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Taxa Bruta de Nascimento (por mil) 28,2 27,3 26,3 25,3 24,3 24,7 25,1 Taxa Bruta de Mortalidade (por mil) 5,4 5,3 5,6 5,4 5,1 5,4 5,3 Taxa de Crescimento Anual médio (%) 2,16 2,9 2,01 1,93 1,84 1,88 1,93 Taxa de Crescimento Anual Médio Total (%) 1,81 1,75 1,69 1,62 1,54 1,59 1,65

Tempo de duplicação 28,6 39,9 41,4 43,2 45,5 43,5 42,3

Fonte: Instituto Nacional de Estatísticas

A taxa de mortalidade geral tem sido relativamente baixa e constante nos últimos anos. De igual modo, as taxas de mortalidade infantil e de menores de 5 anos têm vindo a conhecer ligeiros decréscimos, ainda que em alguns anos se tenha verificado inflexões. Por conseguinte, pode‑se, com alguma margem de segurança, afirmar que a tendência média aponta para uma queda dessas taxas, ainda que as inflexões possam sugerir a necessidade de um maior aperto em termos de vigilância epidemiológica.

Tabela 2.Evolução de taxas de mortalidade, 2001-2007

Taxas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Mortalidade infantil 23,3 21,3 19,7 23,9 24,1 24,9 21,1

Mortalidade perinatal 28,6 26,9 28,6 31,4 29,7 29,5 27,4

Mortalidade de menores de 5 anos 27,4 25,5 23,9 28,6 27,1 28,7 25,7 Mortalidade materna por 100.000 nados

vivos 39,8 8,1 33,0 42,2 17,3 41,9 16,2

Taxa bruta de mortalidade 5,4 5,3 5,6 5,4 5,1 5,4 5,3

Fonte: Sistema de Informação Estatística, GEP-MS (adaptação)

Não existem registos sobre casos de discriminação no acesso e no tratamento nos serviços públicos de saúde. As reclamações tendem a centrar‑se na qualidade e rapidez do tratamento, no pagamento de determinados cuidados de saúde e no acesso difícil a medicamentos nas farmácias públicas. Estas reclamações são particularmente importantes para as famílias de baixa renda, sem cobertura do sistema contributivo de previdência social e sem recursos para autofinanciamento

dos cuidados de saúde. Embora essas reclamações existam, o Sistema Nacional de Saúde não exclui nenhum cidadão ou estrangeiro dos cuidados médicos e medicamentosos, bastando, para o efeito, comprovar a sua condição económica. Quando a situação é urgência os cuidados não podem ser, como não são, denegados. V. A política nacional de saúde define as grandes prioridades do governo no horizonte de 2020, bem como os compromissos que o governo assume com os utentes do Serviço Nacional de Saúde em oferecer um serviço universalmente acessível, eficaz e equânime (PNS, 2008:18). Para tanto “reconhece a natureza social das prestações de saúde, enquanto factor de desenvolvimento, de justiça social e de luta contra a pobreza” (idem:19).

Neste sendido, um conjunto de programas constam do PNS e estão em processo de implementação recobrindo, no domínio das doenças transmissíveis prioritárias: as IST, incluindo o HIV/SIDA, a tuberculose, a poliomielite, o paludismo e outras doenças (cólera, disenteria bacteriana, meningite, sindroma respiratória aguda severa). Relativamente às doenças não transmissíveis, as prioridades programáticas em execução recobrem: as doenças cardiovasculares, incluindo a hipertensão arterial e as cardiopatias, a insuficiência renal crónica, a diabetes, os tumores malignos e os traumatismos, e as doenças mentais, bem como outras doenças não transmissíveis como o alcoolismo, o tabagismo e a Saúde Reprodutiva e Familar.

São programas transversais e nacionais, executados de forma descentralizada através das redes de serviços primários, secundários e terciários de saúde, em articulação com o serviço privado de saúde que ganha um peso crescente no quadro do sistema nacional de saúde.

VI. No domínio da saúde, pode‑se concluir que, no geral, os cuidados de saúde são asssegurados, não havendo casos de denegação dos cuidados de saúde. A cobertura medicamentosa tem sido objecto de alguma contestação, particularmente nas farmácias públicas, mas ela destina‑se, essencialmente, aos que não estão cobertos pelo regime contributivo de protecção social, sendo essencialmente carenciados. As condicionantes financeiras do sistema público de saúde não têm permitido uma resposta generalizada a todas as demandas.