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Liberdade de Reunião e de Manifestação

1. Direitos civis – Direitos, Liberdades e Garantias Individuais

1.3. Liberdades Fundamentais

1.3.6. Liberdade de Reunião e de Manifestação

I. Outra importante dimensão da liberdade que se encontra consagrada enquanto Direito Internacional da pessoa humana em diversos instrumentos está relacionada às liberdades de reunião e de manifestação. Assim, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prescreve no seu artigo 21º que “o direito de reunião pacífica é reconhecido. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições impostas em conformidade com a lei e que são necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança pública, da ordem pública ou para proteger a saúde e a moralidade públicas ou os direitos e as liberdades de outrem”. A mesma formulação resplandece do instrumento regional africano, de acordo com o qual, “toda a pessoa tem direito de se reunir livremente com outras pessoas. Este direito exerce‑se sob a única reserva das restrições necessárias estabelecidas pelas leis e regulamentos, nomeadamente no interesse da segurança nacional, da segurança de outrem, da saúde, da moral ou dos direitos e liberdades das pessoas” (artigo 11º).

Por sua vez, a liberdade de manifestação não se encontra explicitamente prevista em nenhum dos dois documentos. Todavia, nada pode permitir a dedução de que não foi considerada. Pelo contrário, a interpretação dessas disposições tem indicado que, apesar de, a rigor, não ser possível identificar explicitamente uma formulação da liberdade de manifestação, o facto é que se pode derivar das formulações acima apresentadas inclusivamente elementos desta última.

II. Na Constituição da República, essas liberdades, sem embargo da sua diferença, encontram‑se previstas pelo mesmo artigo 53º, provavelmente em razão da quase continuidade que uma se apresenta em relação à outra.

No primeiro parágrafo, o preceito constitucional em tela menciona a liberdade de reunião, utilizando os seguintes termos: “Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização”. Por sua vez, logo a seguir, a Lei Magna da República dispõe

genericamente que “a todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”. Como se pode ver, constitucionalmente já se afecta a liberdade de reunião e, cremos, também a de manifestação com um conjunto de limites imanentes. Ela somente pode ser exercida de forma pacífica e sem armas, agregando um requisito de exercício para os casos em que decorrer em espaço aberto, isto é, a prévia comunicação às autoridades competentes nos termos da lei”, limites que são colocados no quadro da sempre delicada necessidade de harmonização de direitos e interesses públicos relevantes que a Constituição tenta fazer.

III. O exercício da liberdade de reunião e de manifestação é regulado pela Lei nº 81/III/90, de 29 de Junho (revista pela Lei nº 107/IV/99, de 2 de Agosto). As alterações justificaram‑se como forma de harmonizar a lei aprovada na vigência da antiga ordem constitucional à Constituição da República de 1992. De resto, as restrições feitas pela lei às liberdades de reunião e de manifestação parecem conformar‑se com os pressupostos e requisitos dessa forma de afectação prevista pelo artigo 17º (5) da Constituição da República, cumprindo, em particular, com os requisitos da proporcionalidade e da necessidade da afectação. As proibições absolutas ao exercício à liberdade de manifestação e de reunião recobrem as que são “contrárias à lei, à moral, à ordem e tranquilidade públicas e aos direitos das pessoas singulares e colectivas” (art. 4º) e as relativas “à realização de reuniões ou manifestações como ocupação abusiva de edifícios públicos ou particulares” (art. 5º.1) e “em lugares públicos situados a menos de 100 m. das sedes dos Órgãos de Soberania e do Poder Local, dos acampamentos e instalações das forças Militares e militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das representações diplomáticas ou consulares e das organizações políticas” (art. 5º. 2). O exercício da liberdade de reunião e da liberdade de manifestação encontra‑se igualmente limitado pelo tempo, estipulando a lei que “não poderão prolongar‑se para além da meia noite, salvo se realizadas em recintos fechados, em salas de espectáculos, em edifícios sem moradores, ou em caso de terem moradores, se forem estes os promotores ou tiverem dado o seu consentimento por escrito”, e que “os cortejos e desfiles não poderão ter lugar antes das 9 horas, sem prejuízo do disposto no número anterior” (art. 6º). É de se salientar, no que tange às reuniões públicas ou em lugares abertos ao público ou às manifestações, que o seu propósito deve ser comunicado, por escrito, e com antecedência mínima de 48 horas, às autoridades civis e policiais da área, contendo um conjunto de exigências processuais com fim informativo (art. 10º). A utilização de arma em reunião ou manifestação aberta ao público é crime, mesmo para os portadores de licença de porte de armas (pena de seis meses) (art. 15º.2).

De um ponto de vista positivo, aos poderes públicos cabe garantir o exercício desses direitos, inclusivamente em relação a outros particulares. Di‑lo o artigo 8º da mesma lei: “as autoridades civis e policiais garantem o livre exercício dos direitos

de reunião e de manifestação, assegurando a comparência e a permanência dos representantes ou agentes seus nos locais respectivos e tomando as providências necessárias à não perturbação do exercício desses direitos, designadamente pela interferência de contra‑manifestações”. Ademais, com a mesma lei, o Estado incrimina determinadas condutas tendentes a perturbar o exercício deste direito fundamental (art. 16º (1)): “Aquele que interferir na reunião ou manifestação impedindo ou tentando impedir o livre exercício desses direitos será punido com a pena de prisão até 6 meses e igual período de multa, sem prejuízo de outra sanção que ao caso couber”.

IV, V e VI. Não consta que ocorram afectações ilícitas a esse direito fundamental em Cabo Verde. Não há relatos ou denúncias nesse sentido. Sendo um direito fundamental que contempla sobretudo obrigações negativas para os poderes públicos e as obrigações positivas esgotam‑se ao nível legislativo e administrativo, designadamente com a garantia de instituições (policiais e camarárias) que já existem, a necessidade e o impacto de políticas públicas nessa área não são tão presentes. Não há notícia de planos para alterar a lei actualmente em vigor. A aferição da compatibilidade entre o exercício dessas liberdades e a realidade concreta, levar‑ nos‑ia a concluir pela inexistência de constrangimentos de maior no tocante ao seu exercício. Não consta que os poderes públicos afectem inconstitucionalmente esse direito pela acção ou omissão.

1. 3.7. Liberdade de Deslocação

I. No plano universal, prevê o artigo 12º do Pacto que a todos é reconhecida uma liberdade de circulação interna e de saída/entrada no seu próprio país, o

mesmo ocorrendo com a Carta Africana.

Como se pode ver, essa liberdade recobre dois espaços distintos. Primeiro, um direito de circulação interno, sujeito, não obstante, à possibilidade de determinadas limitações, e um direito de circulação internacional, que, no entanto, limita‑se a reconhecer um direito de saída e de regresso ao território nacional, mas do qual não se pode derivar qualquer obrigação de aceitação de estrangeiros fora dos quadros de configuração dos pressupostos do direito de asilo ou de tratados de livre circulação de pessoas ou de natureza similar. Diga‑se que a liberdade de deslocação e de emigração encontra limites objectivos, salvo casos pontuais de acordos bilaterais ou plurilaterais de circulação de pessoas ou de aplicação de normas sobre refúgio internacional, na inexistência de um direito de imigração.

II. A liberdade de deslocação foi incorporada na Constituição pelo artigo 51º, epigrafado de “liberdade de deslocação e de emigração” e redigido nos seguintes

termos: “1. Todo o cidadão tem o direito de sair e de entrar livremente no território nacional, bem como o de emigrar”. Simbolicamente importante em razão da natureza do povo cabo‑verdiano, designadamente em razão do carácter diaspórico da nação, e, em certa medida, por terem existido em tempos determinadas afectações a esse direito moral (recordamos que na I República a liberdade de emigração e de deslocação encontrava‑se tolhida pela existência da autorização de saída criada pelo Decreto nº 16/78, de 25 de Fevereiro, mas revogada pelo Decreto 56/90, de 14 de Julho), o dispositivo representativo da liberdade de deslocação e emigração não concretiza suficientemente todo o seu potencial e a sua natureza, pois, ao invés de se referir à liberdade de deslocação na sua dupla‑dimensão, internacional e interna, limitou‑se a concretizá‑la na esfera internacional (o direito de entrada e saída do território nacional), não se pronunciando pela liberdade de circulação e estabelecimento do cidadão cabo‑ verdiano em qualquer parte do território nacional.

III. Não há lei especial a regular o exercício da liberdade de deslocação e imigração, mas determinados diplomas poderão igualmente afectá‑lo, na medida em que poderá haver um condicionamento do seu exercício. Neste âmbito poderia enquadrar‑se o acesso a documento de viagem, a aplicação de meios de coacção processuais, etc. Neste último caso, o Código de Processo Penal prevê a interdição de saída do país, que pode ser imposta por decisão judicial aos crimes com pena cujo limite máximo seja superior a três anos (art. 288º).

IV. Não consta que existam, à parte aquelas situações de restrição da liberdade para efeitos processuais penais, obstáculos colocados pelos poderes públicos para a concretização desse direito seja ao nível do acesso a documentos de viagem, seja ao nível da existência de sistemas de permissão de viagem, designadamente autorizações de saída ou institutos similares. As outras restrições observadas estão relacionadas à protecção de crianças, designadamente do tráfico ilícito ou de sequestro por parte de um dos pais, à margem da lei e de tutela judicial. No mesmo sentido, não foram registados casos de submissão a escravatura, servidão ou outro tipo de vínculo em que a pessoa tivesse impedimentos de deslocação, de emigração ou sequer de saída do território nacional.

V e VI. A conclusão evidente relativamente à liberdade de emigração e de deslocação é que tem sido respeitada e facilitada pelos poderes públicos sem qualquer tipo de bloqueio digno de nota.