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1. Direitos civis – Direitos, Liberdades e Garantias Individuais

1.7. Direitos de Humanidade

Ao passo que os direitos de pertença são direitos do cidadão, os direitos de humanidade são, mais globalmente, direitos de humanidade. Acima de tudo, beneficiam estrangeiros e, normalmente, estão associados, no plano internacional e interno, como o direito de asilo e com a extensão, na medida do possível, de direitos fundamentais a estrangeiros de acordo com um mínimo necessário à sua realização pessoal e familiar.

1. 7.1. Direito de Asilo

I. O direito de asilo é um dos mais relevantes que existem no Direito Internacional. Resultado do reconhecimento de um estatuto de refugiado, remete, nessa dimensão de regulação, no plano universal, à Convenção de Genebra sobre

Refugiados, de 1951, e ao seu protocolo adicional de 1967, bem como à Convenção Regional Africana sobre os Problemas dos Refugiados em África, de 1969.

No plano universal deve ser de constatação imediata que a Convenção de Genebra de 1951 estava associada, principalmente, ao fim do problema dos refugiados da Europa do Pós‑Guerra. O Protocolo de 1967 vem, outrossim, criar as condições para que os artigos 2º a 38º da Convenção sejam aplicáveis aos Estados signatários, sem que tenham que se vincular à Convenção. Daí não ser representativo o facto de Cabo Verde não fazer parte da Convenção, mas apenas do Protocolo que, recebendo determinadas bases estruturais da sua antecessora, densifica a sua abrangência geográfica, agregando alguns Estados que não fazem parte da Convenção.

O Protocolo prevê, portanto, que os artigos 2º a 34º da Convenção de 1951 sejam aplicáveis às partes que a ele se vincularem. No essencial isso significa que o Estado tem que considerar a possibilidade de concessão de asilo a uma pessoa que se possa enquadrar no conceito de refugiado, ou seja, qualquer pessoa que “receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou pelas suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem nacionalidade e não possa, ou em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção desse país; ou que, se não tiver a nacionalidade e estiver fora do país no qual tenha a residência habitual após aqueles acontecimentos não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar”. Há, no entanto, a possibilidade de se excluir o direito de solicitação de asilo nos casos de “prática de crime contra a paz, crime de guerra ou crime contra a humanidade, cometeu grave crime de direito comum antes de entrar no país” ou para aqueles que “praticaram actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas” (art. 1º F). Uma vez concedido o asilo, ao refugiado se reconhece um conjunto de direitos no Estado de asilo: direito à não‑discriminação; o resto dos direitos é configurado, levando em atenção em alguns casos o tratamento dispensado ao nacional; em outros, o tratamento reservado aos estrangeiros.

Por seu turno, o conceito de refugiados vertido para a Convenção Africana é muito mais abrangente, como se pode inferir da interpretação do seu artigo 1º e em particular do seu parágrafo segundo que estende sobremaneira o âmbito do conceito, pois o elemento subjectivo necessário do receio é ultrapassado por um elemento objectivo associado a determinadas situações.

II. A Constituição da República reconhece, em termos relativamente restritivos em face dos normativos internacionais, o direito de asilo, no seu artigo 39º. A formulação constitucional, como se pode ver é muito mais restritiva do que o Direito Internacional prescreve, no que toca ao direito de refúgio, designadamente por não abranger a perseguição por motivos de raça, nacionalidade, filiação em

certo grupo social (desde que não político), que constam naturalmente do conceito internacional de refugiado. Como observado, isto não se traduz num verdadeiro problema em razão da cláusula de abertura da Constituição que admite a recepção de direitos fundamentais atípicos, designadamente os que constam de tratados, como é o caso, e sempre pode ser colmatada através de um processo de expansão legislativa das hipóteses de concessão de asilo. Daí ser importante também verificar as orientações da legislação infra‑constitucional.

III. Em 1999 foi aprovado o actual regime jurídico do asilo e o estatuto de refugiado (Lei nº 99/V/99, de 19 de Abril). O aspecto mais importante da Lei do Asilo é que ela expande o conceito limitado de asilo constante da Constituição da República, incluindo uma formulação no seu artigo 3º, parágrafo 2º, que inclui as pessoas protegidas pelo Direito Internacional dos Refugiados, designadamente indivíduos que receiam perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social.

IV. Cabo Verde tem tido, desde há algumas décadas, uma política de acolhimento de asilados políticos. Alguns etarras foram recebidos em Cabo Verde e, mais recentemente, o governo noticiou a aceitação de um dos detidos de Guantânamo no quadro da guerra contra o terrorismo feita pelos Estados Unidos da América depois do 11 de Setembro.

V e VI. Neste quesito específico, nota‑se, tal como se poderá verificar no que tange aos direitos de imigrantes, com os quais estão intimamente relacionados, a ausência de políticas globais e consistentes de asilo e de integração de refugiados. Objecto de diversas promessas e até alguma iniciativa administrativa de constituição de comissões de trabalho até à presente data não há notícia da sua concretização em documentos específicos e muito menos em práticas concretas. Inseriu‑se, no entanto, no quadro da parceria para a mobilidade com a União Europeia a ideia da cooperação para a revisão do sistema de asilo em Cabo Verde, o que poderá ser uma oportunidade para melhorar a resposta do país nesta matéria.

1. 7.2. Direitos do Estrangeiro

I. O Direito Internacional, tradicionalmente, garantiu aos Estados uma ampla discricionariedade no que toca ao tratamento do estrangeiro desde que, enquanto ele estivesse sob sua jurisdição, lhe garantissem um conjunto mínimo de direitos. Isso significava que os critérios de admissão, permanência, estatuto e saída de território do Estado, com raras excepções, faziam parte do domínio reservado dos Estados. Actualmente esse quadro conheceu algumas mudanças significativas,

resultado da densificação dessa matéria pelos próprios tratados de direitos humanos e pelo florescimento de comunidades de integração com livre circulação de pessoas. II. Na Constituição, além do direito de asilo, cuja titularidade é sempre de estrangeiros e apátridas, não existem delineados mais direitos específicos para tais categorias de pessoas. Antes, procura‑se estender o mais possível, o usufruto dos direitos fundamentais que cabem aos cidadãos cabo‑verdianos aos estrangeiros e apátridas que estejam em território nacional. Neste sentido, a regra e a presunção é de que eles gozam, salvo nos casos específicos de reserva de nacionalidade, dos mesmos direitos – pelo menos dos direitos, liberdades e garantias individuais e do trabalhador – que o cidadão cabo‑verdiano.

Deve notar‑se que, de uma parte, o dispositivo é bem abrangente, recobrindo, pois, inclusivamente aqueles que estiverem em trânsito, algo que leva a pensar na possibilidade de que os estrangeiros em situação irregular também podem estar abrangidos pela disposição constitucional. Cremos que a resposta poderá ser positiva, pois o sentido constitucional requer a disseminação máxima da protecção jusfundamental, no entanto isso deve ser feito no limite do possível, isto é, levando em conta aquilo que é razoável garantir‑se a quem está irregularmente no território nacional e sujeito a expulsão administrativa. Assim sendo, grande parte desses direitos, particularmente os que envolvem manifestações associadas ou públicas, poderão ser

legitimamente afectados nos casos de estrangeiros em situação irregular. Para

além disto, gozam de algumas garantias fundamentais, designadamente de não serem extraditados em casos de possível aplicação da pena de morte, de prisão perpétua ou de lesão irreversível para a integridade pessoal (art. 38º).

III. Assim sendo, do ponto de vista da legislação infraconstitucional, aprofundam‑ se esses princípios fundamentalmente através da chamada Lei do Estrangeiro (Decreto‑Legislativo nº 6/97, de 6 de Maio), onde se reforçam, ainda que de modo pouco abrangente, alguns direitos, liberdades e garantias de que os estrangeiros gozam. Chama‑se a atenção para dois aspectos importantes. Primeiro, a expulsão, nas suas formas administrativa e judicial, exige um due process em que o estrangeiro ou apátrida a ser expulso poderá sempre, se quiser, recorrer à autoridade judicial, muito embora nem sempre isso possa evitar a expulsão por não gerar efeito suspensivo. Segundo, a extradição igualmente só pode ser executada na sequência de um processo judicial que corre os seus termos no Supremo Tribunal de Justiça, a pessoa só podendo ser extraditada em caso de decisão positiva desse órgão judicial. IV. Aparentemente, a Polícia de Imigração e Fronteiras não tem uma presença ostensiva no sentido de tentar deter estrangeiros em situação irregular para efeitos de expulsão administrativa. Na maior parte dos casos, só o faz se, para além da presença

irregular, há prática de crime, indícios fortes dessa natureza ou qualquer tipo de comportamento anti‑social. Por outro lado, é usual aos estrangeiros que cometem crimes graves ser aplicada pena acessória de expulsão após o cumprimento da pena. O país já teve alguns casos de extradição passiva, mas em qualquer deles não havia qualquer risco de aplicação de penas ou procedimentos que sejam compatíveis com a ordem pública cabo‑verdiana.

No domínio da integração regional, a questão que se tem colocado algumas vezes prende‑se com os direitos humanos dos candidatos a emigração nos países europeus que, contudo, chegam a Cabo Verde quando as embarcações são detidas ou aportam acidentalmente o país. Com efeito, a prática tem sido de os devolver aos países de origem.

Relativamente aos imigrantes residentes em Cabo Verde em situação legal ou não a questão colocada, nomeadamente pelas Associações de Imigrantes, pelos Sindicatos e pela Inspecção Geral do Trabalho, tem a ver com a inexistência, em muitos casos, de contratos de trabalho, de prática de baixas remunerações quando comparadas com os trabalhadores nacionais e a não cobertura em termos de protecção social do regime contributivo.

Os que trabalham por conta própria, particularmente no sector informal, também estão completamente descobertos em termos de protecção social do regime contributivo.

Uma outra questão colocada pelos imigrantes tem a ver com o processo de regularização de sua estadia no país. Apontam que o processo administrativo é longo e que se tem desenvolvido à sua volta alguns casos de corrupção, devendo pagar a intermediários montantes exorbitantes para que os seus processos possam ter um andamento adequado. Além do mais, apontam que, para algumas comunidades, existe uma relação de desconfiança em relação à fiabilidade dos documentos apresentados, estigmatizando toda a comunidade.

IV e V. Cabo Verde passou a ser recentemente um destino migratório, particularmente para pessoas provenientes do continente africano, com proeminência para nacionais dos países membros da CEDEAO. Inicialmente, um ponto de passagem, ele tem sido cada vez mais, um lugar de destino. Existindo embora alguma legislação sobre imigração, essencialmente normatizadora dos princípios de entrada e permanência, não existe uma política de imigração. O que se pretende e o governo claramente o define é o controlo rígido das entradas, assegurando que o país não tem capacidade de carga para aguentar, a prazo, o actual fluxo migratório.

Constata‑se, grosso modo, que tem havido, em matéria de políticas de imigração, acções isoladas e pontuais. A decisão de abertura de um processo de legalização dos imigrantes em situação irregular inscreve‑se, neste quadro, assim como na melhoria do relacionamento com as associações de imigrantes,

nomeadamente a Plataforma das Associações de Imigrantes Africanos. Neste momento, existe já um departamento governamental que tem a seu cargo as comunidades imigradas, prevendo‑se que a definição de uma política integrada de imigração possa vir a ser aprovada e divulgada.

No entanto, as comunidades imigradas têm vindo a organizar‑se, existindo até este momento mais de uma dezena de associações de imigrantes. Em relação aos imigrantes africanos, as suas associações federaram‑se na Plataforma das Associações de Imigrantes Africanos.

VI. O programa do Governo da VII Legislatura é particularmente sóbrio relativamente às políticas de imigração. Com efeito, refere‑se apenas à necessidade de articulação das políticas internas de imigração com a política externa e de se definir políticas que assegurem, a um só tempo, a integração e o controlo rigoroso das entradas de novos imigrantes.