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3. Direitos Sociais, Económicos e Culturais

3.1 Direitos Económicos

Trataremos, debaixo desta rubrica dos direitos à propriedade, à iniciativa económica e ao trabalho, sendo que, a rigor, todos eles estão intimamente ligados à actividade económica, ou seja, aquelas que geram riqueza. Sendo certo que são todos eles direitos que assumem configurações e filiações diferentes do ponto de vista histórico e dogmático no quadro da díade direitos civis – direitos sociais, a verdade é que, por motivos de sistematização constitucional e de sistematização metodológica serão apresentados em conjunto.

O grosso da regulação pertinente a estas matérias tão diversificadas, mas unidas sob o chapéu dos direitos económicos, poderá ser encontrada no Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais e em alguns instrumentos jurídicos convencionais de carácter universal e regional; internamente, a base regulatória encontrar‑se‑á, por motivos óbvios, na Constituição da República e em diversos diplomas legais de valor infraconstitucional.

3.1.1. Direito à Propriedade

I. Na esfera internacional encontramos referência ao direito à propriedade no artigo 16º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Curiosamente, no entanto, nem o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, nem o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais faz referência

a esse direito, posição internacional que não pode deixar de ser representativa da profunda ambiguidade que acompanha essa matéria no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

II. Constitucionalmente, o direito à propriedade encontra‑se previsto no artigo 69º, epigrafado de direito à propriedade privada, de acordo com o qual “é garantido a todos o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição e da lei”. Daí ser também “garantido o direito de herança”. No entanto, o direito à propriedade privada não é absoluto no nosso ordenamento jurídico. Hodiernamente, além da submissão ao interesse geral prevista pelo artigo 90º, o direito à propriedade privada poderá ser afectado por vontade dos poderes públicos, através da requisição ou da expropriação por utilidade pública. Mesmo assim, a Lei Fundamental da República prevê um conjunto de garantias que o titular – individual ou colectivo – do direito possui, ou seja, de que a requisição ou expropriação pública só sejam efectuadas com base na lei e com pagamento de justa indemnização. III. A protecção infraconstitucional do direito à propriedade privada e à sua transmissão é feita por um conjunto de diplomas estruturantes, designadamente pelo Código Civil, pelo Código Penal e até pelo Código de Processo Penal, além de diplomas mais específicos, designadamente a Lei de Expropriações, o Código de Propriedade Intelectual e muitos outros.

IV. Recentemente têm, amiúde, surgido denúncias de desrespeito do direito de propriedade privada por entidades públicas, centrais ou locais, ou por registo indevido em nome do Estado de propriedade particular ou por atrasos injustificados no pagamento das justas indemnizações devidas em razão de requisição e especialmente expropriação por utilidade pública. Esta situação coloca‑se com particular acuidade nos casos de desapropriação para investimentos públicos que supõe uma justa indemnização por parte do Estado. Contudo, a inexistência de uma cartografia predial actualizada com reflexos na fiabilidade das informações das matrizes prediais têm dificultado o processo de expropriação por utilidade e a devida indemnização dos proprietários. Se este é um problema que se coloca e que tem tido grande repercussão pública e política entre o Estado e particulares, também não é menos verdade que a mesma situação se tem colocado dos particulares em relação aos bens públicos, com os primeiros a reinvindicarem a titularidade de propriedades públicas, ou entre particulares. Neste último caso, a situação agrava‑se porque tem a ver com problemas entre herdeiros ou com vendas de propriedades sem a devida transferência dos direitos de propriedade. Desta forma, a questão fundiária, particularmente nos centros urbanos e nas ilhas com forte investimento privado externo no sector do imobiliário turístico, tem constítuido, nos últimos anos, uma importante fonte de conflitualidade.

V. No concernente às políticas públicas, o Governo tem estado a implementar um projecto no domínio da cartografia e do cadastro visando conhecer a real situação fundiária relativa aos prédios rústicos e urbanos e a revisão completa do sistema de registo de propriedade. Todo este processo está a ser coordenado pela Direcção Geral do Ordenamento do Território e deve culminar na montagem de um Sistema de Informação Geográfica de Base Territorial. Do ponto de vista institucional, prevê‑se a criação de um Instituto Nacional de Cartografia e Cadastro que viria a ter competências em toda a matéria de acompanhamento da situação fundiária nacional.

VI. Existem, neste momento, situações de forte conflitualidade no domínio fundiário envolvendo proprietários fundiários e o Estado e os privados entre si. As razões desta conflitualidade prendem‑se, por um lado, com a exigência de uma justa e atempada indemnização da parte do Estado aos proprietários cujos terrenos foram expropriados para fins de investimentos públicos e, por outro, com as dificuldades existentes em garantir a prova da titularidade das terras reinvindicadas.

3.1.2. Direito ao Trabalho

I. O direito ao trabalho foi previsto pelo Pacto Internacional de Direitos Sociais, Económicos e Culturais no artigo 6º, exemplificando‑se com algumas medidas. O direito ao trabalho não existe enquanto tal no sistema regional africano, o que não deixa de ser uma curiosidade regional com alguma representatividade. II e III. No texto constitucional, o direito e o dever de trabalhar foi previsto pelo artigo 61º. O direito ao trabalho foi reforçado pela sua inserção no principal diploma de regulação das relações laborais, designadamente pelo Código Laboral, mas como a sua natureza é de um direito social, a aferição do seu estágio de implementação depende, em certa medida, mais das políticas públicas nessa matéria do que, a rigor, de formulações legais, neste caso lógica e processualmente insindicáveis.

IV, V e VI. As políticas públicas nesta matéria são políticas macroeconómicas que possam estimular o crescimento e através deste a geração de emprego, existindo evidências de alguma ineficácia nesse quadro.

Com efeito, alguns desafios importantes persistem, designadamente a elevada taxa de desemprego, particularmente de jovens e mulheres . Com efeito, de acordo com dados do QUIBB 2007, a taxa de desemprego foi de 21,6%, sendo de 17,8% para homens e 25,7% para mulheres. Quando os dados são analisados de acordo com grupos etários, constata‑se uma forte incidência nos jovens. Com efeito, do total dos desempregados, 41,8% tem idade compreendida entre

No entanto, não se tem registado casos de violação do direito ao trabalho de uma maneira formal. Do ponto de vista material, pode‑se apontar o facto de uma parcela significativa da população economicamente activa, particularmente jovens e mulheres, estar fora do mercado do trabalho, num quadro de desemprego de longa duração. Pode‑se também apontar o facto de existir, ainda que à revelia do quadro normativo, situações de discriminação no trabalho, nomeadamente de trabalhos iguais com salários diferentes entre os sexos, como referido no estudo “Género em África: Índice de Desenvolvimento da Condição Feminina em Cabo Verde”.

O direito ao trabalho é um direito económico que se consubstancia na realização de uma actividade económica geradora de riqueza e de emprego. É verdade que as políticas económicas têm buscado, designadamente através de investimentos públicos e de criação de condições para o aumento de investimentos privados, a geração de empregos que respondam à demanda anualmente crescente. Contudo, a taxa de desemprego continua elevada, atingindo grupos sociais particularmente vulneráveis, como são as mulheres e jovens com pouca escolarização e sem qualificações técnicas e profissionais, agravando a sua condição de vida.

3.1.3. Direito a Condições no Trabalho Justas e Razoáveis

I. A fixação das condições de trabalho no plano universal foi vertida para o artigo 7º do Pacto sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, sendo a formulação da Carta mais sintética (art. 15º).

II. A Constituição é sensível à protecção das condições de trabalho, dedicando um dos seus dispositivos para esse fim, apontando, no artigo 62º, para o direito à justa retribuição, de acordo com a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado, para o direito a igual remuneração entre homens e mulheres e a criação de condições para um salário mínimo nacional e no artigo 63º, define as condições de trabalho, bem como uma garantia de não despedimento “por motivos políticos e ideológicos”, de “justa indemnização no caso de despediemento sem justa causa” e mandatos legislativos para regulação conforme, por via de lei, do trabalho de crianças, portadores de deficiência e mulheres grávidas e que recentemente deram à luz.

O dispositivo em questão interfere directamente na esfera privada e nas relações entre particulares, não estabelecendo um dever de prestações – a não ser legislativas – para o Estado, mas sim, na prática uma autorização para este interferir nas relações privadas como forma de assegurar determinados objectivos julgados dignos de protecção generalizada. Em todo o caso, consubstanciam‑se em direito que o trabalhador pode exigir do patronato, em princípio com a mediação da lei, mas, se necessário for, directamente.

III. A tradução legislativa dessas orientações constitucionais destinadas a assegurar condições de trabalho justas e razoáveis está, na sua grande parte, no Código Laboral recentemente aprovado. Este diploma estruturante do ordenamento jurídico nacional prevê um conjunto de direitos individuais e colectivos do trabalhador (Livro I, Título II, caps. I‑III), dos deveres e poderes do empregador (Livro I, Título II), a retribuição, e, sobretudo, o sistema de fiscalização administrativa das relações laborais (pela Inspecção Geral do Trabalho) e as medidas sancionatórias aplicáveis a esse nível.

IV. Existem denúncias e evidências que, ao nível das condições gerais de trabalho, especialmente de higiene, saúde e segurança, a situação não é favorável. Como já foi salientado e qualquer observação atesta nos diversos canteiros de obras, a segurança é fortemente negligenciada, notando‑se, mesmo nos grandes centros urbanos, déficits notórios de fiscalização e responsabilização, algo directamente relacionado com os meios colocados à disposição da Inspecção Geral do Trabalho. Contudo, no âmbito dos trabalhos de inspecção, a IGT tem verificado, de forma particular no sector da construção civil, situações em que trabalhadores e empregados, geralmente, por negligência, não têm usado e feito usar os equipamentos de segurança. De igual modo, e particularmente com os trabalhadores imigrantes, a situação coloca‑se com a precariedade das condições de alojamento, normalmente nos próprios edifícios em construção. No sector do comércio, a IGT tem constatado casos de incumprimento de normas de higiene no trabalho, designadamente, ausência de casas de banho. V. No domínio das políticas públicas, para além da revisão do Código Laboral e da regulamentação no quadro da lei sobre a higiene e segurança no trabalho, o governo tem vindo, no quadro institucional, a reforçar a Inspecção Geral do Trabalho seja com novos técnicos seja no alargamento de sua capacidade de fiscalização, recobrindo progressivamente todo o território nacional.

De igual modo, em articulação com as entidades patronais tem promovido acções de capacitação das empresas e trabalhadores em matéria de higiene e segurança no trabalho, para além do alargamento de programas e campanhas de sensibilização.

VI. No domínio das relações laborais, as condições efectivas de inspecção das condições de trabalho são ténues, não obstante o reforço da capacidade institucional da IGT. Com efeito, a concentração dos serviços na Praia e em Mindelo e Sal condiciona a cobertura às demais ilhas do país.

De igual modo, uma melhor articulação com os Sindicatos, através dos Delegados Sindicais, e as entidades patronais, poderá criar mecanismos de dissuasão e de responsabilização dos casos de violação das normas laborais, em geral, e de forma particular, no domínio da segurança e higiene no trabalho.