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Direito a não ser afastado e direito a ser cuidado pelos pais

4. Direitos Humanos de Grupos Vulneráveis

4.1. Direitos das Crianças

4.1.3. Direito a não ser afastado e direito a ser cuidado pelos pais

I. Um outro importante direito cuja presença se faz sentir no Direito Internacional da Criança é o direito a não ser afastada dos pais, ao qual se acrescenta pela sua proximidade o direito de ser cuidada e educada por eles. Neste caso, ao invés de se estar perante um direito relacionado à garantia de ligação da criança a uma comunidade política, está‑se em face de um instrumento necessário para a sua ligação com uma família, em princípio com pessoas com as quais possui vínculos de sangue ou excepcionalmente vínculos de filiação artificiais pela adopção. Ainda neste âmbito, é de se salientar que Cabo Verde vinculou‑se à Convenção sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro (aprovada para adesão pelo Decreto nº 77, de 27 de Julho de 1985) e que tem por objecto a facilitação da cobrança e meios de suporte de alimentos no estrangeiro, que beneficia especialmente crianças.

II. A Constituição da República determina, dentro do quadro de uma garantia institucional reservada à família, mas que, na realidade, assume contornos subjectivos, típicos dos direitos fundamentais, pelo menos na parte em que “os pais devem prestar assistência aos filhos menores ou incapacitados” (art. 82º (6)) e à infância e maternidade, que “os pais e as mães devem prestar assistência aos filhos nascidos dentro e fora do casamento, nomeadamente quanto à sua alimentação, guarda e educação” (art. 89º (1)). III. Ora, isto é feito precipuamente através do Código Civil e, muito residualmente, no Código de Menores e no Código Penal.

IV. Dados demográficos apontam que cerca de 45% das famílias cabo‑verdianas são monoparentais, e destas perto de 90% são chefiadas por mulheres. Mais ainda, estas famílias tendem a ser as mais pobres e vulneráveis. Estes elementos estruturais da realidade familiar e social cabo‑verdiana têm implicações, nomeadamente nas condições de vida das crianças e dos adolescentes que pertencem a esses agregados familiares. Sendo, em grande parte famílias pobres, as crianças e adolcescentes são também pobres e privados de um conjunto vasto de direitos, nomeadamente o direito ao registo e ao nome, a uma habitação condigna, à alimentação, e sujeitos ao abandono e ao trabalho infantil, etc.

Relativamente ao abandono das crianças por parte dos pais, tem‑se constatado, nos últimos anos, o seu aumento. Com efeito, de acordo com o ICCA, nos últimos três anos, os centros de emergência infantil da Cidade da Praia e do Mindelo registaram um aumento significativo de acolhimento de crianças vítimas de maus tratos, abandono e negligência, passando de 79 casos em 2006 para 146 em 2009. Trata‑se, essencialmente, de filhos de pais toxicodependentes, alcoólatras, vítimas de violência doméstica ou órfãos de Sida.

No que diz respeito à delinquência juvenil, informações apontam para o facto de que as fragilidades dos agregados familiares de muitas crianças cabo‑ verdianas, apresentam uma estreita correlação entre o abandono dos pais e a prática de infracção e/ou de comportamentos desviantes por parte dos adolesentes e jovens. Com efeito, num inquérito realizado no âmbito de um estudo sobre jovens em conflito com a lei, num universo composto por 68 jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 16, cerca de 73% afirmaram viver sem pai. Desses, cerca de 75% ficaram sem pai antes dos 8 anos. No que concerne à mãe, 31,9% dos inquiridos vivem sem ela, 44% dos quais antes dos 8 anos.

Mais ainda, as conclusões do estudo sugerem que, em sua grande maioria, os jovens em situação, real ou potencial, de conflito com a lei, vivem num quadro de ruptura dos laços familiares, portanto, com fracas redes de pertença e parcas garantias de protecção, e experimentam uma trajectória de exclusão, que intimamente ligada às dinâmicas internas e à história social da família, ganha novas formas e impulsos na escola (através da agressão, reprovação e abandono), para depois sedimentar‑se nos espaços macrossociais de vivência e interacção, sob o estigma de delinquência. V. No domínio das políticas públicas sociais, as intervenções têm sido no sentido de assegurar apoios às famílias, seja no quadro da estratégia e das acções de luta contra a pobreza, permitindo que as famílias possam aceder a empreendimentos económicos que assegurem rendimentos suficientes e duradouros ou noutros casos com programas de assistência social, em regra asssegurados pelo ICCA, pela Direcção de Solidariedade Social, os Serviços Municipais de Promoção Social e as intervenções das ONGs e das Associações Comunitárias de Base.

Definiu‑se, como estratégia, evitar conduzir as crianças para instituições de acolhimento, preferindo realizar acções integradoras na família de origem ou em famílias de acolhimento. Apenas em casos excepcionais e, preferencialmente, a título transitório, são as crianças acolhidas em centros de acolhimento.

Neste momento, está em curso o processo de implementação de um sistema de articulação interinstitucional envolvendo organizações públicas e particulares de solidariedade social que intervêm no domínio da família, buscando uma intervenção sistémica, integrada e, por via disso, mais eficaz e eficiente.

Note‑se, no entanto, que, nesta matéria, as medidas de política não se têm revelado fortes o suficiente, fazendo‑se sentir a falta de programas de supervisão e monitorização, susceptíveis de garantir um mapeamento do abandono de crianças e de práticas enraizadas de desresponsabilização dos pais, com a subsequente definição de estratégias de intervenção por parte dos poderes públicos. Neste contexto, muitas crianças cabo‑verdianas, com predominância para as dos bairros periféricos dos principais centros urbanos, continuam a viver à deriva, num quadro de extrema vulnerabilidade individual e social.

VI. Pode‑se concluir que o não registo dos filhos e, por conseguinte, a não atribuição de um nome, constitui, em Cabo Verde, uma importante violação dos direitos humanos das crianças, com consequências emocionais e sociais importantes.

De igual modo, o abandono de crianças tem vindo a aumentar, particularmente nos centros urbanos. Nos meios rurais e nas periferias urbanas, um número não neglicenciável de crianças está sob a guarda de familiares e não dos pais. Não se pode dizer que se trata de um efectivo abandono, configurando‑se, contudo, uma forma de denegação dos direitos das crianças à convivência efectiva com os progenitores.