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4. Direitos Humanos de Grupos Vulneráveis

4.2. Direitos das Mulheres

4.2.2. Igualdade

I. O problema da igualdade de género é colocado em diversas perspectivas. Primeiro, relativamente a uma igualdade civil, garantida pela Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres que a coloca no centro do sistema internacional de protecção dos direitos humanos das mulheres. Alinhando no mesmo diapasão o Protocolo Adicional à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos relativo aos Direitos da Mulher de 2003, alicerça a sua estrutura na tentativa de garantir a igualdade e, em particular, a não‑discriminação entre homens e mulheres.

II. A Constituição da República contempla, como não podia deixar de ser, um dispositivo sobre a igualdade que, em concreto, também se traduz num direito fundamental em espécie. Este dispositivo dispõe que “todos os cidadãos têm igual dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado ou prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…) sexo” (art. 23º). Neste sentido, de forma pacífica, a igualdade civil e formal é plenamente assegurada enquanto princípio e direito fundamental específico a todos os cidadãos, independentemente do seu sexo.

A grande questão é de se saber se a dimensão material do conceito de igualdade recobre outras valências do direito à igualdade das mulheres, permitindo‑

se em concreto um tratamento desigual formal como meio para garantir a igualdade material entre os sexos. É a própria Constituição que admite em alguns casos um tratamento desigual em prol da mulher que leva em consideração precisamente desigualdades civis e sociais de facto, conforme, aliás, já foi salientado em sede de direitos, liberdades e garantias de participação política (incentivando a participação equilibrada) e em sede de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (garantindo um regime especial para as mulheres trabalhadoras).

Outro importante ponto é de se fixar até onde se pode ir nesta matéria, ou por outras palavras, se existem limites a intentos dessa natureza, de tal sorte que acabem por lesar de modo excessivo o núcleo intangível do direito à igualdade formal. A resposta neste caso deve ser elaborada de modo particular e gradual, dependendo da esfera da aplicação das medidas e da própria intensidade normativa utilizada pela Constituição. III. Do ponto de vista formal‑normativo, pode‑se considerar que as leis da República não têm disposições ou orientações destinadas a consagrar dispositivos que discriminam por motivos de sexo. Normalmente, quando existem normas que tratam de forma diferente as pessoas em razão do sexo, o tratamento diferente não se baseia em categorias suspeitas, mas, ao invés, no reconhecimento de características especiais da mulher, carecedoras de uma discriminação positiva. Neste sentido, muito raramente constatam‑se casos de tratamento desigual na esfera formal, o que não significa que a realidade vivida não se afaste do law in the books.

IV. Embora não existam casos sistemáticos de denúncias de violação ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, reconhece‑se que as mulheres encontram‑se em vários domínios em situação de desigualdade efectiva em relação aos homens. A ausência, para muitos sectores de actividade, designadamente a económica, de dados desagregados por sexo, impede uma análise mais profunda e “fina” da situação. Contudo, é reconhecendo a igualdade de facto que o Governo tem em processo de implementação o Plano Nacional para a Igualdade e Equidade de Género e que integra um conjunto vasto de medidas e de acções.

No domínio das actividades económicas, a primeira situação de efectiva desigualdade e discriminação reside no não reconhecimento social e económico dos trabalhos desenvolvidos pelas donas de casa (domésticas) que o sistema estatístico considera como fazendo parte da população económica inactiva, não obstante o facto de, por um lado, desempenharem um papel crucial ‑ embora não contabilizado pelas estatísticas económicas ‑ na reprodução das condições de produção e, por outro, pelas actividades economicamente produtivas que desenvolvem e constituem importantes fontes de rendimento para os agregados familiares.

Ressalte‑se ainda o importante peso das mulheres no sector informal da actividade económica, particularmente no sector do comércio, trabalhando seja por

conta própria seja por conta d’outrem, estando também invisíveis na contabilidade económica e fora do sistema de protecção social.

Estima‑se, embora não existam estudos específicos sobre esta matéria, que persistem situações em algumas áreas de actividade em que para trabalho igual mulheres percebem remunerações inferiores aos homens, infringindo a legislação em vigor. Esta situação é, de facto, contornada ao se fazer o enquadramento funcional das mulheres em categorias e funções com remunerações mais baixas, exercendo, no entanto, funções para as quais o enquadramento salarial deveria ser mais elevado.

Ainda no domínio económico constata‑se a reduzida proporção de mulheres empresárias e em cargos de liderança das associações patronais.

No domínio político, a presença da mulher na esfera pública é tímida, particularmente nos cargos electivos. Na verdade, se no governo tem‑se uma paridade, no Parlamento apenas 13% dos deputados são mulheres, nas autarquias locais, elas representam cerca de um quinto dos eleitos.

Tal situação alarga‑se aos órgãos nacionais dos partidos políticos, às direcções das ONGs e das Associações Comunitárias de Base.

No domínio social, particularmente nos domínios da educação e da saúde a situação tende, globalmente, a favorecer as mulheres. Com efeito, os indicadores de educação mostram que as mulheres/meninas não apenas estão mais presentes em todos os níveis de ensino como a taxa de sucesso escolar é maior para elas. No domínio da saúde, tanto em termos de esperança de vida, como da taxa de mortalidade geral ou de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, os indicadores tendem a favorecer as mulheres.

Contudo, a incidência da pobreza é maior nas mulheres e nos agregados familiares por elas chefiadas, tornando‑as particularmente vulneráveis.

V. Um conjunto variado de políticas tem sido desenvolvida no sentido de, progressivamente, fazer diminuir as desigualdades de género. No domínio da educação, os investimentos tanto em infra‑estruturas educativas quanto de recursos humanos, aliado aos apoios socioeducativos têm permitido que a situação se tornasse favorável às mulheres, exigindo políticas direccionadas aos rapazes que possam assegurar o não abandono e as reprovações. No domínio da saúde, os cuidados primários de saúde e os programas específicos de protecção materno‑ infantil têm desempenhado um papel de relevo na melhoria da qualidade de saúde das mulheres. Os Centros de Saúde Sexual e Reprodutiva tanto públicos como das ONGs têm tido uma actuação extremamente eficaz junto às mulheres, havendo, no entanto, necessidade de um ajustamento e quiçá de inflexão estratégica de forma a poder recobrir os rapazes e os homens.

No domínio das actividades económicas, as ONGs e Associações Comunitárias têm, através de projectos de actividades geradoras de rendimento

associados à disponibilização de assistência técnica e de microcrédito, focalizado suas acções de forma particular junto às mulheres. Da mesma forma, o governo, através do Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza, tem focalizado as suas intervenções junto a comunidades pobres e nestas em famílias pobres, em regra chefiadas por mulheres.

No domínio político, o Código Eleitoral define mecanismos de subvenção aos partidos, coligações partidárias ou, para o caso de eleições municipais, grupos de cidadãos que tenham nas suas listas e em lugares elegíveis uma percentagem de 30% de mulheres.

Alguns partidos políticos têm também procurado definir algumas directivas internas relativamente à composição das listas para os cargos de direcção partidária sem que, contudo, tenha resultados que possam ser considerados positivos.

No âmbito de suas actividades, o ICIEG tem desenvolvido acções de plaidoyer visando sensibilizar as organizações políticas, sindicais e outras no sentido de se viabilizar espaços de participação política das mulheres, a par de um trabalho junto dessas.

VI. Em termos societários, os princípios legalmente garantidos têm vindo a ser, globalmente, assegurados, designadamente os direitos sociais (educação, saúde), direitos económicos e políticos ainda que com graus diversos de concretização.

Com efeito, ainda que o quadro legal seja favorável, como aliás se pode constatar da análise feita na Parte I do documento, persiste a necessidade de regulamentação de um conjunto vasto de leis, convenções e tratados bem como de legislar sobre alguns aspectos relevantes e ainda não tratados, nomeadamente os direitos sexuais e reprodutivos e a protecção de testemunhas. Esta última tem particular importância em situações de violência contra as mulheres.

Deve‑se ainda ressaltar a necessidade de, na definição das prioridades da política criminal, se ter em conta a especificidade e a relevância de alguns processos judiciais que, pela sua natureza e gravidade, devem poder merecer atenção particular da parte dos diversos agentes da justiça.

Os crimes sexuais e violência baseada no género, considerando que podem conduzir a sequelas físicas e psicológicas duradouras e, por vezes, à perda de vidas humanas, deveriam merecer a prioridade atrás referida.