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Direito do consumidor

No documento FLÁVIA MARIA DE MORAIS GERAIGIRE CLÁPIS (páginas 126-131)

4. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO

4.2. Aspectos da teoria da desconsideração no direito brasileiro

4.2.1. Direito do consumidor

O art. 28 do Código de Defesa do Consumidor previu pela primeira vez em nosso ordenamento a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. De acordo com o art. 28, para desconsiderar a personalidade jurídica é necessário que haja prejuízo por parte do consumidor. Vejamos:

“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Parágrafo Primeiro. (Vetado)

Parágrafo Segundo. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

Parágrafo Terceiro. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

Parágrafo Quarto. As sociedades coligadas só responderão por culpa.

Parágrafo Quinto. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

Como podemos observar, o caput do art. 28 traz as hipóteses de desconsideração de maneira genérica, o que, certamente, foge dos pressupostos da desconsideração, uma vez que tais hipóteses são casos de responsabilização direta dos sócios e administradores. As incertezas do texto legislativo originaram diversas críticas por parte de doutrinadores renomados.

Fábio Ulhoa Coelho critica o art. 28 ao afirmá-lo como fonte de incertezas e equívocos. Afirma, ainda, que a má administração mencionada no caput do art. 28 também não é caso de desconsideração, mas sim de responsabilidade direta em cima daquele que cometeu erros na condução dos negócios sociais337.

Muitas das hipóteses previstas no Código de Defesa do Consumidor não se encaixam com a teoria da desconsideração, mas sim com subsídios da teoria da aparência, fato próprio, ultra vires. É flagrante a pouca correspondência entre a teoria da desconsideração e o previsto no Código de Defesa do Consumidor338.

De fato, o texto do art. 28, não segue o defendido pela doutrina da desconsideração, pois mistura conceitos com os quais o nosso ordenamento jurídico já prevê remédios próprios. Ao que tudo indica, o legislador teve a intenção de banalizar, vulgarizar a técnica desconsiderante, para torná-la panacéia nacional na defesa do consumidor339.

Por outro lado, doutrinadores festejam a iniciativa do legislador do Código de Defesa do Consumidor, em face da considerável ampliação e da generalidade de situações suscetíveis de aplicação do código, como o fez Flávia Lefèvre Guimarães, ao enaltecer referido artigo nas seguintes palavras: “Antes de mais nada, deve ser ressaltada e festejada a iniciativa do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico a disposição do art. 28, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor”340.

Feitas essas primeiras considerações, devemos explicar de forma suscinta cada uma das possibilidades previstas no art. 28.

O abuso de direito, mencionado no caput do art. 28, “deve ser entendido como o exercício de direitos que venham a ferir a finalidade social a que se destina a pessoa jurídica. Segundo Pedro Martins Batista, sempre que um titular de direito escolhe o que é mais danoso para outrem, não sendo mais útil para si ou adequado ao espírito da instituição, comete um ato abusivo”341. Aplicando-se ao Código de Defesa do Consumidor, podemos tomar como exemplo a ocorrência do abuso de direito quando o fornecedor, por

337

Coelho, 2002, p. 51.

338

Alberton. A desconsideração da pessoa jurídica no Código do Consumidor – Aspectos processuais. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 19, n. 54, mar. 1992, p. 167-8.

339

Sztajn. “Desconsideração da personalidade jurídica”. Revista Direito do Consumidor, v. 2, mar. 1992, p. 71.

340

Guimarães, 1998, p. 47.

341

força de lei ou dos estatutos sociais, puder praticar determinado ato, fazendo-o de modo a prejudicar o consumidor.

Pode-se afirmar que o abuso de direito é um dos únicos pressupostos previstos na legislação consumerista que se coadunam com a desconsideração da personalidade jurídica. Ao contrário de Fábio Ulhoa Coelho, Jorge Lobo entende que a infração à lei também é um dos pressupostos para aplicação da teoria da desconsideração. Para ele, “quando o art. 28 faz referência à ‘infração da lei’, o que pretende e bem é tornar o controlador responsável pela infração da lei praticada pela sociedade controlada, que venha a causar danos ao consumidor, não cogitando, por certo, o art. 28 da responsabilidade do controlador por fato próprio”342.

Quanto ao excesso de poder, este se caracteriza quando o ato causador de lesão perante o consumidor seja praticado por quem não tenha poderes previstos em estatuto ou contrato social, sendo causa de responsabilidade pessoal e direta do administrador.

Haverá infração da lei quando ocorrer um fato que viole literal dispositivo de lei. O fato ilícito, segundo De Plácido e Silva, “é pois toda ação ou omissão, de que possa resultar um dano ou prejuízo de outrem, cujos direitos ofendidos estão garantidos pela própria lei”343. Já o ato ilícito, o autor preceitua como “toda ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou imperícia que viole direito alheio ou cause prejuízo a outrem, por dolo ou culpa. (...) A prática de ato ilícito cria para o agente a responsabilidade de ressarcir os danos promovidos, o que será determinado e regulado pela lei civil”344.

A violação do estatuto ou do contrato social acontecerá quando houver prática de atos que ultrapassem o objeto social disposto em contrato. Na verdade, infração à lei, fato ou ato ilícito, e violação dos estatutos ou contrato social também tratam de responsabilidade pessoal e direta do administrador e não de casos de desconsideração, sendo erroneamente inseridos como pressupostos para aplicação da desconsideração.

Falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração também são casos que se enquadram na responsabilidade direta e pessoal do administrador e não no conceito de desconsideração.

342

Lobo. A desconsideração da personalidade jurídica no Código Nacional de Defesa do Consumidor. O direito na década de 1990: novos aspectos, 1992, p. 57.

343

Silva. Vocabulário jurídico, 1967, p. 680.

344

A má administração nada mais é do que atos de gerenciamento incompetente e que ensejam a responsabilidade direta daquele que o cometeu345.

Os §§ 2º, 3º e 4º do artigo em questão tratam da responsabilidade das empresas por prejuízos causados ao consumidor, de acordo com o tipo de sociedade. No tocante ao grupo societário, se o consumidor for, de alguma forma, lesado e a sociedade não dispor de bens suficientes, mas fizer parte de outro grupo de sociedades, poderá o consumidor cobrar da outra empresa de forma subsidiária. Nas sociedades consorciadas, haverá vínculo de solidariedade na relação de consumo, visando o ressarcimento do consumidor. Já nas sociedades coligadas, o Código do Consumidor admite a responsabilidade da empresa quando ocorrer a culpa. Se caracterizada a culpa da coligada, está responderá solidariamente, conforme arts. 7º, § único, e 25, §1º, do Código do Consumidor.

A inclusão dos §§ supracitados foi alvo de censura por parte daqueles doutrinadores que criticam a inserção da responsabilidade entre as sociedades integrantes de grupos societários, dentro do conceito de desconsideração. Pactua com esse entendimento Fábio Ulhoa Coelho, ao mencionar que:

“Os §§ 2º, 3º e 4º embora tenham sido inseridos no dispositivo referente à desconsideração da personalidade jurídica, tratam de matéria absolutamente estranha a este tema. Cuidam da responsabilidade das sociedades controladas, consorciadas e integrantes de Grupo, atribuindo-lhe ora natureza subsidiária, ora a solidária; cuida, também, das coligadas, reforçando o limite de sua responsabilidade. Desta forma, não versam sobre a desconsideração da autonomia patrimonial de um ou outro tipo de relação entre sociedades, uma vez que estas são especificamente consideradas com a sua personalização jurídica própria”346.

O § 5º do art. 28 diz que “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Esse parágrafo tem como único pressuposto imputar responsabilidade aos sócios e administradores sempre que o consumidor lesado não conseguir, junto à sociedade devedora, reaver os prejuízos sofridos.

345

Amaro. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 20, n. 58, jul. 1993, p. 80.

346

Percebe-se que o § 5º do art. 28 não prevê as hipóteses limitadoras da aplicação da desconsideração, previstas no caput do mesmo artigo, permitindo a desconsideração a qualquer pretexto sempre que for lesado o consumidor. A inserção do referido parágrafo tem sido criticada por doutrinadores que defendem que ele não pode ser contrário ao seu caput, o que torna sem sentido os pressupostos estabelecidos para a desconsideração da personalidade jurídica.

Fábio Ulhoa Coelho adota esse entendimento restritivo e afirma que essa interpretação não pode prevalecer por três motivos: primeiro, porque a pessoa jurídica só terá sua autonomia patrimonial desprezada quando ocorrer fraude ou abuso de direito, sendo que a simples insatisfação do credor não dá ensejo à aplicação da teoria da desconsideração; segundo, porque aceitar o § 5º seria negar a existência do caput do art. 28, que define as hipóteses autorizadoras da desconsideração; e, em terceiro, porque a interpretação dada ao parágrafo em comento equivaleria à eliminação do instituto da pessoa jurídica no direito do consumidor347.

Por isso é que dito doutrinador entende que o dispositivo em questão é “pertinente apenas às sanções impostas ao empresário, por descumprimento de norma protetiva dos consumidores, de caráter não pecuniário. Por exemplo, a proibição de fabricação de produto e a suspensão temporária de atividade ou fornecimento”348.

Por outro lado, existem entendimentos no sentido de que o § 5º do art. 28 do Código do Consumidor veio tão somente para ampliar o previsto no caput. Perfilham tal entendimento Flávia Lefèvre Guimarães, Susy Elizabeth Cavalcante Koury, dentre outros.

Não temos dúvida de que a tendência na interpretação é a que dispensa maior proteção ao consumidor, tendo em vista sua natural hipossuficiência, aplicando-se com mais freqüência a desconsideração no Código do Consumidor do que no Código Civil, cujos pressupostos na legislação consumerista, como acabamos de mostrar, são bem mais flexíveis. Carlos Alberto Menezes Direito afirma que realmente o § 5º do art. 28 tem uma interpretação muito ampla, porém ele não vê em referido parágrafo vício ao ponto de torná-lo pernicioso. Segundo Direito, a jurisprudência349 sempre acha um caminho que

347 Coelho, 2002, p. 51-2. 348 Coelho, 2002, p. 52. 349

REsp. nº 252.759/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T., j. 12.09.2000, DJ de 27.11.2000, p. 157; REsp. nº 158.051/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª T., j. 22.09.1998, DJ de 12.04.1999, p. 159; REsp. nº 63.981/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., j. 11.04.2000, DJ de 20.11.2000, p. 296.

limita os excessos e consolida uma interpretação equilibrada, de tal modo que a incidência do § 5º seja interpretada nos limites da proteção do consumidor350.

No entanto, a proteção ao consumidor não pode desvirtuar o próprio conceito de desconsideração como acontece com a redação dada pelo art. 28, sendo certo que referido dispositivo legal trata de diversas hipóteses previstas em nosso ordenamento e não propriamente da teoria da desconsideração.

No documento FLÁVIA MARIA DE MORAIS GERAIGIRE CLÁPIS (páginas 126-131)