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Direito tributário

No documento FLÁVIA MARIA DE MORAIS GERAIGIRE CLÁPIS (páginas 135-138)

4. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO

4.2. Aspectos da teoria da desconsideração no direito brasileiro

4.2.3. Direito tributário

A doutrina da desconsideração no Direito Tributário apresenta uma diferença dos demais ramos do direito, que é a decorrente do princípio da legalidade358, que por sua vez exige a expressa previsão da doutrina na legislação tributária para que possa ser aplicada. Essa característica, própria do Direito Tributário, impede o fisco de alcançar terceiros quando a lei expressamente não autorize. Evidentemente, como demonstraremos abaixo, os demais elementos autorizadores da desconsideração devem estar presentes, como a fraude ou o abuso359.

Não obstante o princípio da legalidade no Direito Tributário, é cediço que o legislador, precavido contra aludido princípio, procurou resguardar o Fisco de normas legais que contivessem disposições autorizadoras do princípio da desconsideração da personalidade jurídica para alcançar sócios, controladores, administradores, como, por exemplo, (i) em razão de lucros distribuídos disfarçadamente, como determinam os arts.

357

Fragale Filho. A desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil e sua repercussão nas relações trabalhistas. Revista de Legislação do Trabalho, v. 67, n. 3, mar. 2003, p. 286.

358

Pessoas investidas de poder público só podem fazer ou deixar de fazer o que estiver expressamente previsto em lei, ao contrário do direito privado, através do qual as pessoas podem fazer ou deixar de fazer o que pretenderem, salvo vedação prevista em lei.

359

Santos. Desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho: diretrizes à execução trabalhista: artigo 50 do Novo Código Civil e sua aplicação trabalhista, 2003, p. 151.

60, 61 e 62 do Decreto Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, que dispõe sobre o imposto sobre o lucro das pessoas jurídicas; (ii) o art. 8º do Decreto Lei 2.065, de 26 de outubro de 1983, que aborda sobre a diferença verificada nos resultados da pessoa jurídica, seja por omissão de receita ou outro procedimento que implique redução no lucro líquido do exercício; e (iii) os arts. 134, VII, 135, III, e 124, todos do Código Tributário Nacional, que dispõem sobre a responsabilidade de sócios e administradores360.

Osmar Vieira da Silva, ao comentar os artigos supramencionados, afirma que:

“o que se procurou nesses casos foi desconsiderar a personalidade nos casos em que se praticam atos em que exista disfarçadamente a distribuição de lucro para o acionista controlador através de uma outra pessoa jurídica pertencente ao mesmo sócio, ou a interposição de uma pessoa jurídica entre o sócio controlador e a pessoa jurídica ou ainda quando o sócio tem interesse direto ou não nessa sociedade intermediária”361.

Alguns doutrinadores entendem que a desconsideração não pode ser aplicada no âmbito do Direito Tributário (i) por não haver previsão expressa na legislação tributária – princípio da legalidade; (ii) por acreditarem que o princípio da separação patrimonial persiste mesmo perante as obrigações tributárias; e (iii) por defenderem que os dispositivos legais tributários que tratam da matéria não se utilizam do fundamento da desconsideração, mas da responsabilidade solidária. Já outros doutrinadores perfilham o entendimento de Osmar Vieira da Silva e acreditam que os dispositivos legais trazidos na legislação tributária são casos de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Marçal Justen Filho362 e Edmar de Oliveira Andrade363, defendem que não é aplicável a teoria da desconsideração em matéria tributária, uma vez que não há expressa previsão legal.

Gerci Giareta também se enquadra dentre aqueles autores que defendem que a desconsideração não pode ser aplicada em matéria tributária, pois o princípio da separação persiste perante as obrigações tributárias. Segundo ele, “este dispositivo, embora revele indícios da despersonalização, mesmo assim não contraria o princípio da separação.

360

Santos, 2003, p. 151-3

361

Silva. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais, 2002, p. 153.

362

Justen Filho, 1987, p. 108.

363

É que, nos casos especiais, os sócios respondem subsidiariamente, por ato próprio, por descumprimento das obrigações para com a sociedade e para com a Fazenda Pública, por ato próprio”364.

Na verdade, os arts. 124, 134 e 135 do Código Tributário Nacional, não se enquadram em hipóteses de desconsideração. A sociedade, quando sujeito passivo de obrigação tributária, é una e só perante esta sociedade será possível vislumbrar alguma relação solidária que dentre os sócios possa existir, em virtude do tipo societário adotado e não por conta da desconsideração que a qualifique como tal365.

Desconsideração e imputação da responsabilidade tributária não podem se confundir. A responsabilidade caracteriza-se por ato malicioso do sócio, administrador ou gerente que deixa de cumprir suas obrigações perante o fisco, sendo que somente aquele que cometeu o ato pode ser responsabilizado, o que não envolve qualquer quebra ao princípio da autonomia da pessoa jurídica entre a sociedade e seus membros. Em outras palavras, os dispositivos previstos no Código Tributário são típicos casos de imputação, na medida em que responsabilizam os sócios pelas obrigações tributárias da sociedade.

Em contrapartida, outros doutrinadores defendem que os dispositivos legais acima mencionados tratam de desconsideração da personalidade jurídica. Dentre eles, Rui Celso Reali Fragoso, ao pensar que “o apoio legal para a desconsideração vem da aplicação direta da lei, quer pelos mencionados dispositivos legais, que por aqueles mais genéricos que regulam a eficácia de qualquer ato jurídico”366.

O fato de os artigos 124, 134 e 135 do Código Tributário Nacional não se enquadrarem, a nosso ver, em típicos casos de desconsideração, não significa dizer que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não possa ser aplicada em outras situações que não nas previstas nesses dispositivos, mas é imperioso ressaltar que esta também é uma questão polêmica.

Existem aqueles que entendem que a desconsideração é modalidade de responsabilidade e, diante disso, é aplicável no direito tributário. Segundo Flávio Couto Bernardes:

364

Giareta. O Código de Defesa do Consumidor e a invocação imprópria da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 55, jul. 1992, p. 300.

365

Tôrres. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade Jurídica: os Limites do art. 135, II e III, do CTN. Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, 2005, p. 59.

366

“naturalmente que o pedido formulado em juízo para a desconsideração deverá estar acompanhado da verificação de ocorrência dos requisitos deste instituto pelo servidor competente, no âmbito do processo tributário administrativo, da respectiva intimação do responsável e da posterior correção do título executivo. As alegações não podem ser formuladas aleatoriamente em juízo, devem estar precedidas de todos os atos necessários à imputação do dever jurídico tributário”367.

Já outros autores defendem que a desconsideração, embora aplicável no âmbito tributário, não é necessária, uma vez que as modalidades de responsabilidade tributária previstas no Código Tributário Nacional já alcançam todas as situações em que a desconsideração se aplica.

Acreditamos que a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, para aqueles que entendem que ela deva ser aplicada, precisa ser vista com muita cautela e desde que observados todos os pressupostos ensejadores da aplicação de referida teoria.

No documento FLÁVIA MARIA DE MORAIS GERAIGIRE CLÁPIS (páginas 135-138)