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Direito do trabalho

No documento FLÁVIA MARIA DE MORAIS GERAIGIRE CLÁPIS (páginas 131-135)

4. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO

4.2. Aspectos da teoria da desconsideração no direito brasileiro

4.2.2. Direito do trabalho

Alguns doutrinadores invocam que o § 2º, do art. 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina a responsabilidade solidária entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, é a introdução da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. Segundo dispõe referido artigo: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

Flávia Lefèvre Guimarães afirma que a CLT introduziu a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho, ainda que de forma muito abrangente. Ressalta que o art. 2º da CLT não exige a prova de fraude e nem de abuso para que empresas do grupo da empregadora sejam responsáveis pelos débitos trabalhistas, bastando que todas façam parte do mesmo conglomerado para serem solidariamente responsáveis351.

Consoante Amador Paes de Almeida:

“nenhum ramo do direito se mostra tão adequado à aplicação da teoria da desconsideração do que o direito do trabalho, até porque os riscos da atividade econômica, na forma da lei, são exclusivos do empregador (...). No direito do trabalho a teoria da desconsideração da pessoa jurídica tem sido aplicada pelos juízes de forma ampla, tanto nas hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, como em casos de violação da lei ou do contrato, ou, ainda,

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Direito, 2003, p. 92.

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na ocorrência de meios fraudulentos, e, inclusive, na hipótese, não rara, de insuficiência de bens da empresa, adotando, por via de conseqüência, a regra disposta no art. 28 do Código de Proteção ao Consumidor”352.

A desconsideração é aplicada de forma ampla no direito do trabalho para aqueles que entendem ser inadmissível qualquer obstáculo para proteger os interesses do empregado. Na verdade, estes doutrinadores defendem que a individualidade jurídica preservada pelas empresas de um grupo econômico não poderia ser prestigiada em face da relação de trabalho com o empregado.

Ocorre, entretanto, que os pressupostos da desconsideração não se coadunam com as hipóteses do § 2º, do art. 2º, da CLT. Como já sabemos, a teoria da desconsideração é entendida como a possibilidade de declarar a ineficácia episódica da distinção patrimonial entre a sociedade e seus sócios, o que não se aplica no artigo em questão, já que a distinção patrimonial, neste caso, resta intacta. O que realmente acontece é a imposição legal de responsabilidade solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico que, em virtude de um postulado maior que norteia o direito do trabalho, que é a proteção do hipossuficiente econômico, responsabiliza solidariamente as empresas.

Luciano Amaro é um dos que acreditam que o § 2º, do art. 2º, da CLT não se enquadra nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de responsabilidade solidária das empresas que compõem o grupo econômico. Para ele, a CLT não requer a existência de comprovação da fraude e do abuso de direito para as empresas que não sejam empregadoras, mas que elas façam parte do mesmo grupo econômico para que possam ser responsabilizadas pelos débitos trabalhistas da empregadora direta. O que interessa à CLT é que simplesmente exista o grupo para que todas sejam solidariamente responsáveis353.

Com efeito, o § 2º do art. 2º busca tão somente estabelecer a responsabilidade solidária entre empresas componentes do mesmo grupo econômico para a satisfação de dívidas trabalhistas. Ressaltamos, mais uma vez, que a aplicação da teoria da desconsideração ocorre somente em caráter excepcional, quando constatado o abuso de direito, fraude, ou a tentativa de furtar-se ao cumprimento de uma norma jurídica, o que não se vislumbra no caso do art. 2º da legislação trabalhista.

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Almeida, 2004, p. 194.

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Concluímos que a confusão ao considerar referido artigo como caso de desconsideração tenha se dado pelas conseqüências práticas trazidas pelo dispositivo. Realmente, a responsabilidade solidária acarreta teoricamente a reunião patrimonial das empresas, sem, entretanto, desconstituir sua personificação societária. E, nesse sentido, há flagrante diferença entre desconsideração e previsão de responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo, já que o primeiro conceito é instrumento utilizado para coibir condutas ilícitas, abusivas e fraudulentas, e o segundo decorre do princípio protetor do direito do trabalho.

Fato é que a aplicação da desconsideração na Justiça do Trabalho não está prevista no § 2º, art. 2º, da CLT, o que não significa dizer que não pode ser aplicada. Também deve obedecer aos critérios gerais do dispositivo legal aplicável, notadamente no que se refere à excepcionalidade. Em outras palavras, não basta demonstrar a insuficiência patrimonial da sociedade empregadora para ensejar a desconsideração, o que, como vimos, é defendido por muitos autores.

Na verdade, para se aplicar a desconsideração no âmbito trabalhista devem ser seguidos os pressupostos determinados no art. 50 do Código Civil de 2002, quais sejam, confusão patrimonial e desvio de finalidade. A aplicação irrestrita da desconsideração apenas em virtude da insuficiência patrimonial da sociedade, sem a observância dos preceitos previstos no art. 50, conduziria à insegurança das relações, à descaracterização do próprio instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Esse, inclusive, é o entendimento de Sergio Pinto Martins, mencionado na obra de Bruschi, quando afirma existir omissão na CLT quanto à aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, entendendo que seus arts. 10 e 448 não tratam exata e diretamente do assunto. Segundo ele, é aplicável o art. 50 do Código Civil de 2002, desconsiderando a pessoa da empresa, e passando a incidir a penhora sobre os bens particulares de seus sócios354.

Ives Gandra da Silva Martins Filho esclarece que a desconsideração da personalidade jurídica em matéria trabalhista só pode ser invocada quando comprovada a fraude. Traz em sua obra ensinamentos de Francisco das Chagas Lima Filho, magistrado trabalhista no Mato Grosso do Sul, que afirma:

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“A teoria da desconsideração da pessoa jurídica somente poderá ser invocada quando o ato praticado em nome da sociedade é em si mesmo ilícito, porque decorrente de fraude ou abuso da autoridade patrimonial. Apenas quando houver ocultação da pessoa atrás da personalização do ente moral, com o objetivo de fugir ao cumprimento das obrigações legais ou contratuais dela própria, é que se poderá arguir tal teoria, e não como se tem postulado.

Na hipótese de violação do contrato social ou da lei, ou quando o sócio controlador ou gerente agir com excesso, incidirão as regras dos artigos 10, do Decreto Lei n. 3.708/19 ou 117, e 158 da Lei n. 6.404/76, se o caso. Porém, para que se possa alcançar o patrimônio particular do sócio por dívidas da sociedade, é indispensável seja ele citado para execução. Impossível penhorar-se desde logo os seus bens particulares, pena de violação ao princípio constitucional do devido processo legal”355.

Controvertido, contudo, tem sido o alcance e os critérios de aplicação da desconsideração no caso prático. Para determinados juristas, a desconsideração pode ser aplicada sempre que frustrado o crédito trabalhista. Já outros doutrinadores defendem que a correta aplicação deve ser de forma excepcional356.

Roberto Fragale Filho, ao analisar decisões do TST, observou alguns pontos na conduta dos Tribunais. O primeiro deles diz respeito ao conflito existente nas decisões entre o princípio de proteção ao trabalhador e o princípio de distinção entre pessoas físicas e jurídicas. O segundo ponto é a hesitação do Tribunal Superior do Trabalho em aplicar a desconsideração somente para os casos de coibição de fraude e abuso de direito. Em outras palavras, o TST protege os direitos do trabalhador, ainda que isso importe em violar o

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Martins Filho. A responsabilidade solidária dos sócios ou administradores ante as dívidas trabalhistas da sociedade. Revista do Ministério Público do Trabalho, v. 10, n. 20, set. 2000.

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“A possibilidade jurídica do emprego do instituto jurídico relativo à Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica deve ficar adstrita à observância de alguns pressupostos indispensáveis à sua salutar função, sob pena de, ainda que imbuído de um espírito benéfico, o magistrado desviar-se de princípios constitucionais caros ao processo de democratização do direito, pondo em risco cânones fundamentais, quais sejam a existência da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, fazendo, inclusive, cair por terra, a própria vida e disseminação dos entes abstratos, cuja existência é indispensável no atual estágio das relações sociais” (TRT, 5ª Região, 1ª T., Rel. Juiz Roberto Pessoa, Ac. nº. 8.082/01, DOJ de 09.05.2001). Em sentido contrário: “Execução trabalhista – Sociedade por quotas de responsabilidade limitada – Responsabilização dos sócios – Teoria da desconsideração da personalidade jurídica – Necessidade de se fazer, quanto à análise desta teoria, uma mitigação na Justiça do Trabalho. Tendo em vista o princípio de proteção ao hipossuficiente nesta especializada e o fato de não poder o empregado ser responsabilizado pelos riscos do empreendimento, deve-se, abrandando a análise da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, responsabilizar os sócios da mesma pelos débitos trabalhistas, ademais, quando o executado não indica bens livres e desembaraçados da sociedade (art. 596, § 1º, do CPC) e nem faz prova da inexistência dos pressupostos apontados nos arts. 10 do Dec. nº. 3.708/19 e 28 do CDC – Lei nº. 8.078/90)” (TRT 20ª Região, Tribunal Pleno, Rel. Juiz Carlos Alberto Pedreira Cardoso, Ac. nº. 1.111/01, DOJ de Sergipe – 16.06.2001).

princípio da autonomia da pessoa jurídica e em não aplicar a desconsideração nos casos realmente previstos no ordenamento jurídico (fraude e abuso)357.

Como se vê, a desconsideração da personalidade jurídica na órbita do Direito do Trabalho deve ser vista com bastante cautela, devendo ser investigado, no caso concreto, o desvio de função da pessoa jurídica. Certo é que o princípio protetor que norteia a legislação trabalhista tem a tendência de potencializar alguns institutos sem, entretanto, desnaturá-los ou afastá-los de seu próprio fundamento. A hipossuficiência econômica deve ser medida com os demais princípios do ordenamento jurídico na interpretação de dispositivos legais. No caso da desconsideração, o princípio protetor deve estar atrelado ao combate da má utilização da pessoa jurídica.

No documento FLÁVIA MARIA DE MORAIS GERAIGIRE CLÁPIS (páginas 131-135)