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O direito à educação infantil: creche

CAPÍTULO 2 – DIREITO À EDUCAÇÃO: VÁRIOS OLHARES

2.2 O direito à educação infantil: creche

O direito à educação infantil, creche, no país é recente e seu início associa-se à Constituição Federal do Brasil de 1988. Essa conquista está atrelada ao movimento de mulheres e ao movimento feminista, a partir dos anos de 1970. A inserção das mulheres no mercado de trabalho, dentre outros, motivou a busca por creche. Paralelamente, os movimentos reivindicavam não somente um local para que as crianças pudessem ficar enquanto suas mães trabalhassem, mas iam além disso; a luta pela creche traduzia a necessidade de um direito a uma instituição de qualidade para a criança pequena (ROSEMBERG, 1999; CAMPOS, 1991; CAMPOS; PATTO; MUCCI, 1981).

No entanto, a creche foi sendo pensada como uma necessidade das mães que não podiam cuidar de seus filhos, pois precisavam trabalhar para garantir o sustento da família. Daí advém a associação da creche à instituição para crianças de baixo poder aquisitivo. O termo creche, pouco foi utilizado para denominar escolas particulares que atendiam crianças de zero a três anos. Assim, essas escolas foram sendo denominadas de “escolinha”, “berçário”, “maternal”, “prezinho” ..., porém, a palavra “creche” ficou restrita à rede pública, com uma conotação assistencialista e voltada para o atendimento de crianças pobres.

Pinto (2009, p. 121) afirma que, no país, “[...] o direito a educação infantil foi incorporado tardiamente na legislação brasileira [...]”, a partir da Constituição Federal de 1988. Feitosa, no Parecer CNE/CEB nº 20/2009 (BRASIL, 2009d, p. 1), destaca que “[...] a identidade das creches e pré-escola a partir do século XIX em nosso país, insere-se no contexto da história das políticas de atendimento à infância, marcado por diferenciações em relação à classe social das crianças [...]”. Para as crianças consideradas pobres, a trajetória da educação infantil foi vinculada à assistência, enquanto que, para as crianças mais privilegiadas socialmente e economicamente, desenvolveu-se um modelo que evoluiu por meio do “[...]

diálogo com práticas escolares [...]”. Fato este que expõe a construção de uma identidade diferenciada da creche para as crianças, considerando a situação social e financeira de suas famílias.

Tal distinção refletia “[...] uma fragmentação nas concepções sobre educação das crianças em espaços coletivos [...]”. A dualidade cuidar e educar, princípios específicos e inseparáveis da educação infantil, também sofreu uma diferenciação ao longo da história; enquanto o cuidar se restringia às crianças pobres, o educar voltado ao desenvolvimento intelectual era reservado às crianças de melhores condições sociais e financeiras. Além dessa diferença, outras se fizeram presentes, tais como o baixo investimento e a falta de profissionais habilitados (BRASIL, 2009d, p. 1).

O atendimento às crianças de zero a três anos de idade, na creche, tem registrado uma história que se destaca pela luta por creche e por diferenças atribuídas à origem social e econômica das crianças, evidenciando uma desigualdade na primeira infância; no entanto, no âmbito legal, a partir da Constituição Federal de 1988, o direito à educação infantil se estabelece com propósitos distintos em relação ao caráter educacional e institucional, diferente daqueles com características semelhantes ao contexto doméstico e alternativo de educação não formal; assim, creches e pré-escolas “[...] educam e cuidam de crianças de zero a cinco anos de idade por meio de profissionais habilitados [...] refutando assim funções de caráter meramente assistencialista [...]”. Contudo, a assistência às crianças, no tocante às suas necessidades básicas é obrigação de toda instituição que se dedica ao trabalho na educação infantil (BRASIL, 2009d, p. 4).

Considerando o atendimento na educação básica, a educação infantil, creche, corresponde à etapa com menor atendimento no país. De acordo com dados do IBGE/Pnad (2015), em 2014, no país, apenas 29,6% das crianças de zero a três anos de idade frequentavam escola; dado este que descaracteriza o direito de todos à educação.

Em relação ao atendimento na creche, quando analisado por Estado da federação, verifica-se que o menor atendimento se localiza nos estados do Amapá, Amazonas e Acre, com taxas líquidas de atendimento em 2014, de 9,8%, 9,1% e 8,2%, respectivamente.

O maior atendimento nessa etapa de educação localiza-se nos estados de Santa Catarina, São Paulo e Paraná, com 44,6%, 40,2% e 35,2% de taxa líquida de atendimento, respectivamente.

As taxas de atendimento na creche, no país e nas diferentes regiões demonstram uma insuficiência de atendimento nessa etapa de educação, em especial, em estados da região Norte

do país, que não alcançam sequer 10% de atendimento. Alguns estados, situados na região Sul e Sudeste do país, ultrapassam a taxa nacional, mas não atingem 50% de atendimento.

No tocante à faixa etária de quatro a cinco anos de idade, pré-escola, a taxa líquida de crianças que frequentavam escola no ano de 2014 equivale a 89,1%, o que representa uma considerável diferença em relação à creche e, no que se refere às diferentes regiões do país, a desigualdade nessa etapa não se instala, tal como observa-se na creche. Constata-se, de acordo com dados do IBGE/Pnad (2015), que a taxa líquida, na região Norte, nesta faixa etária, em 2014, foi de 80,3%, na região Nordeste, 92,4%, na região Sudeste, 91,8%, na região Sul 85,4% e na região Centro-Oeste 83,9%, sendo que estes dados evidenciam uma diferença no atendimento à creche em comparação com a pré-escola, que possui um maior atendimento nas diferentes regiões do país.

Em relação às taxas líquidas de atendimento, na pré-escola, nos diferentes estados, observa-se que as maiores, localizam-se nos estados do Ceará, Piauí e Maranhão, pertencentes à região Nordeste e Norte, que apresentam taxas de 97,3%, 96,6% e 93,8% de atendimento, respectivamente. Já os estados do Amazonas, Acre e Amapá, pertencentes à região Norte do país, apresentam as menores taxas de atendimento, 74,4%, 73,4% e 70,0%, respectivamente.

Esses dados possibilitam uma compreensão no sentido de que, em que pese a legislação vigente, existem obstáculos que impedem a efetivação da matrícula e consequente frequência de crianças na educação infantil, creche, na maior parte do país. No entanto, no que se refere à pré-escola, o atendimento no ano de 2014 foi bem superior, se comparado com a creche, o que caracteriza a existência de um atendimento mais significativo na pré-escola, em detrimento das crianças menores de zero a três anos de idade, na creche.

No entanto, mesmo na pré-escola, em determinados estados da federação essa etapa de educação também carece de providências quanto ao atendimento; ainda mais, ao considerar-se a obrigatoriedade da educação básica, a partir dos quatro anos de idade, em 2016, conforme determina a Emenda Constitucional nº 59/2009.

Quando relacionada a fatores relativos às condições referentes à raça/cor e situação econômica, constatam-se outras desigualdades na educação infantil, creche e pré-escola, que se instalam nessa primeira etapa da educação básica.

Ainda no que se refere às crianças negras e pobres na educação infantil, Rosemberg (1999, p. 31) salienta que o atendimento em creches e pré-escolas públicas e conveniadas possibilitam um atendimento desigual, em relação à qualidade: “É essa desigualdade no custeio/qualidade que penaliza crianças pobres e negras de diferentes formas, desigualdade que tenho denominado de ‘morte educacional anunciada’ [...]”.

De acordo com dados fornecidos pelo IBGE/Pnad (2015), no ano de 2014, dentre as matrículas de crianças, na creche, de zero a três anos, 33,2% são brancos, 25% são pardos e 32,6 são negros. Em relação à renda familiar, 22,4% correspondem aos 25% mais pobres e 51,2% correspondem aos 25% mais ricos.

Esses dados permitem a constatação de que na creche, em relação à raça/cor, há uma predominância de 7,5% em relação aos brancos quando comparados aos pardos e de 0,6% dos brancos quando comparados aos negros. No aspecto renda familiar, do total de crianças que frequentam a creche, ocorre uma diferença de 28,8% dos que pertencem aos 25% mais ricos; fato este que revela uma desigualdade entre aqueles que detêm uma melhor condição econômica em detrimento daqueles que possuem condições piores de subsistência.

Já, em relação a pré-escola, constata-se, de acordo com dados do IBGE/Pnad (2015), que no ano de 2014, dentre as crianças na faixa etária de quatro e cinco anos, 91,3% eram brancos, 87,5% pardos e 87,8% negros. No que se refere à renda familiar, 86,3% correspondem aos 25% mais pobres e 96,8% correspondem aos 25% mais ricos.

Partindo desses dados, observa-se que, no aspecto raça/cor, a diferença entre brancos e pardos é de 3,8% e, entre brancos e negros, a diferença é de 3,5%. Em relação à renda familiar destaca-se que a diferença entre os 25% mais pobres e os 25% mais ricos é de 10,5%, ou seja, há uma prevalência de 10,5% dos mais ricos que frequentam a pré-escola.

Seja na creche ou na pré-escola, observa-se que o acesso a essa etapa de educação torna- se desigual, promovendo uma diferença que privilegia brancos e os oriundos de família com melhor condição financeira.

A esse respeito, Rosemberg (1999, p. 31) aponta que “[...] a socialização de crianças pobres e negras para a subalternidade se inicia no berçário, onde se encontram, de maneira geral, as trabalhadoras de creche com nível educacional inferior e crianças vivenciando rotinas de espera: espera de banho, de comida, da troca de fraldas, do brinquedo [...].

Os dados demonstrados reforçam a vinculação entre frequência à educação infantil, creche e pré-escola, às condições relativas à raça/cor e situação econômica, destacando que o direito à educação perpassa por essas condições. Seja na creche ou na pré-escola, observa-se que o acesso a essa etapa de educação torna-se desigual, e promove uma diferença que privilegia crianças brancas e as oriundas de família com melhor condição financeira.

Rosemberg (2012, p. 19) ressalta que

[...] esse descompasso entre “o Brasil legal e o Brasil real” poderia ser explicado pelo fato de o país ser pobre. Mas, conforme economistas, o Brasil não é um país pobre, mas um país com imensa desigualdade econômica e

social, com grande número de pobres. Por exemplo, o país foi classificado em 2010, como a sétima maior economia do mundo (a partir do Produto Interno Bruto – PIB), porém, o Índice de Desenvolvimento Humano situa-nos na 73ª posição (0,699), o que evidencia níveis intensos de desigualdade social [...].

No tocante à desigualdade de acesso à educação infantil, considerando os aspectos raça/cor e condição social e financeira, Rosemberg (1999, p. 35) salienta que, na educação infantil, uma política de “[...] equalização de oportunidades para crianças brancas e negras significa equalização do padrão de qualidade (ou pelo menos redução drástica das diferenças atuais) o que passa [...] pela formação dos docentes que cuidam e educam [...]” crianças pequenas.

Em relação a educação infantil no país, Rosemberg (2012, p. 12) afirma que esta se “[...] constitui num subsetor das políticas educacionais e um campo de práticas e conhecimentos em construção, procurando demarcar-se de um passado antidemocrático [...]”.

O direito à educação, na educação infantil, tem construído sua trajetória pautada por lutas e reivindicações, em especial, do movimento de mulheres, iniciado em meados da década de 1970; no entanto, mesmo com a inclusão da educação infantil na Constituição Federal do Brasil de 1988, ainda persistem entraves que residem, dentre outros, no baixo investimento público para essa etapa de educação, por uma cisão em relação à idade, que privilegia as crianças maiores em detrimento das crianças de zero a três anos de idade e pela identidade que, apesar de ter se consubstanciado no cuidar e educar, ainda carrega o cunho assistencialista de uma instituição para crianças pobres, cujas mães precisam trabalhar.

Apesar da incursão legal do direito à educação infantil, creche e pré-escola, o direito a creche está, em grande parte, comprometido em relação ao acesso; tanto que tem se tornado prática, nos últimos anos, a solicitação de ações, pelos pais, visando a obtenção de vagas, por meio do Ministério Público, materializando, dessa forma, o direito público e subjetivo da educação e o direito de recorrer quando da negação deste direito.