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Documentos internacionais e o direito à educação

CAPÍTULO 2 – DIREITO À EDUCAÇÃO: VÁRIOS OLHARES

2.8 Documentos internacionais e o direito à educação

Vários documentos de caráter internacional, elaborados em reuniões com representantes de diversos países, ao longo dos anos, têm demonstrado uma preocupação com o direito à educação e sua exequibilidade em âmbito mundial.

De acordo com Monteiro (2015, p. 9),

[...] o Direito Internacional da Educação é um dos mais desenvolvidos ramos do Direito Internacional dos Direitos Humanos [...]. O seu corpus normativo compreende, hoje, disposições sobre o direito à educação e referências à educação em mais de uma centena de instrumentos jurídicos de natureza, conteúdo e alcance diversos [...].

O autor destaca, dentre as principais normas, no plano universal, a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, artigo 26:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Em 1959, foi adotada pela Assembleia das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, visando

[...] que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas [...] em conformidade com dez princípios. (UNICEF, 1959).

O Princípio 7 desta Declaração destaca o direito da criança à educação:

A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. (UNICEF, 1959).

O direito a receber educação configurou-se, à época, como “gratuita e compulsória pelo menos no grau primário”, salientando a responsabilidade dos pais, das autoridades públicas e da sociedade em relação a promoção deste direito.

Monteiro (2015, p. 1) também faz menção a outros documentos referentes ao direito à educação, tais como: o Pacto internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais (Nações Unidas, 1966), artigos 13 e 14; a Convenção contra a discriminação na educação (UNESCO, 1960) e a Convenção sobre os direitos da criança (Nações Unidas, 1989),artigos 28 e 29.

Monteiro (2015, p. 9) evidencia o caráter conceitual da “[...] expressão anglófona ‘direitos humanos’ (human right) [...]” que “[...] tende a prevalecer sobre a clássica expressão francesa ‘direitos do homem’ (droits de l’homme), para evitar a linguagem sexista. A expressão ‘direitos da pessoa’ (droits de personne) [...]”. Há ainda a expressão “direitos do ser humano”. Todas se equivalem.

No que refere ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, Monteiro (2015, p. 9) destaca que esse direito “[...] na sua acepção restrita é o ramo do Direito Internacional cujo objecto são os direitos humanos: corpus normativo, mecanismos de proteção, jurisprudência,

doutrina, conteúdo”. Em relação ao Direito Internacional da Educação, considera-o “[...] amplamente definido, tem o seguinte objeto: origens, fontes, protecção, jurisprudência, doutrina e conteúdo do direito à educação, bem como as suas implicações político pedagógicas [...]”.

Considerando a relevância dos documentos de caráter internacional que, ao longo da história, têm se tornado normativos, sendo incluídos nas agendas dos países signatários e, muitas vezes, integrando dispositivos legais, a fim de possibilitar, em nível nacional e internacional a concepção e a efetivação dos direitos de homens, mulheres, adultos, adolescentes, jovens e crianças, destaca-se, de acordo com Monteiro (2015), no Quadro 5, alguns documentos que contribuíram para com a efetivação do direito num contexto universal em distintos continentes.

Quadro 5 – Principais normas referentes ao Direito Internacional da Educação no plano internacional e regional

Europa Américas África

1. Protocolo à Convenção para a

proteção dos direitos humanos e

liberdades fundamentais (mais

conhecida como Convenção europeia dos direitos humanos), Conselho da Europa, 1952, artigo 2.

2. Carta Social Europeia, Conselho da

Europa, 1961 (revista em 1996), artigos 7, 9, 10, 11, 15, 17 e 30.

3. Carta dos direitos fundamentais da

União Europeia, União Europeia, 2000, artigo 14.

4. Convenção sobre os direitos

humanos e as liberdades fundamentais

da Comunidade dos Estados

Independentes. Comunidade dos

Estados Independentes, 1995, artigos 27 e 28.

1. Convenção americana dos

direitos humanos. Organização dos Estados Americanos, 1969, Preâmbulo e artigos 12, 23, 26 e 42.

2. Protocolo Adicional à

Convenção americana dos

direitos humanos na área dos direitos econômicos, sociais e

culturais (conhecido como

Protocolo de San Salvador).

Organização dos Estados

Americanos, 1988, artigo 13.

3. Declaração americana dos

direitos e deveres do homem.

Organização dos Estados

Americanos, 1948, artigos XII e XXXI.

1. Carta africana dos

direitos humanos e dos povos. Organização de

Unidade Africana

(União Africana a partir de 2000), 1981, artigo 17.

2. Carta africana sobre

os direitos e o bem-estar da criança. Organização de Unidade Africana, 1990, artigos 11, 14, 16 e 20. Fonte: MONTEIRO, 2015, p. 10.

De acordo com o Quadro 5, observa-se que as normas referentes ao direito internacional à educação, nos seus diferentes olhares, têm sido objeto de declarações, convenções, protocolos e outros, que objetivam o estabelecimento deste, independentemente de questões econômicas, sociais, culturais, raça, cor, credo, nação, etc., buscando uma equidade entre os povos, que contemple o respeito a cada um e a todos.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, no período de 5 a 9 de março de 1990, promovida pela Unesco (1990), contou com a participação de cerca de 155 representantes de diferentes países, dentre estes, o Brasil. Esta

Conferência garantiu uma enorme visibilidade à educação mundial, destacando as diferentes realidades em relação à educação para todos. Questões relativas ao analfabetismo, ao trabalho infantil, à frequência da mulher na escola, dentre outras, foram abordadas e foram imprescindíveis para o estabelecimento de documentos que passaram a fazer parte da agenda dos países signatários.

Nesta Conferência foi estabelecida a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem.

Em relação ao direito à educação, a Declaração Mundial de Educação para Todos estabeleceu, em seu artigo 3, “[...] universalizar o acesso à educação e promover a equidade [...]”, destacando que:

1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. Para tanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades.

2. Para que a educação básica se torne equitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade da aprendizagem.

3. A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar todos os obstáculos que impedem sua participação ativa no processo educativo. Os preconceitos e estereótipos de qualquer natureza devem ser eliminados da educação.

4. Um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve ser assumido. Os grupos excluídos – os pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas, raciais e linguísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; e os povos submetidos a um regime de ocupação – não devem sofrer qualquer tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais. 5. As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo. (UNESCO, 1990).

O artigo 5 dessa Declaração expressa a ampliação dos meios e o raio de ação da educação básica, destacando que “[...] a diversidade, a complexidade e o caráter mutável das necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, exigem que se amplie e se redefina continuamente o alcance da educação básica [...]”; bem como destaca, ainda, que “[...] a aprendizagem começa com o nascimento [...]” e tal fato “[...] implica cuidados básicos e educação inicial na infância [...]” (UNESCO, 1990).

O reconhecimento da necessidade de meios que viabilizem o acesso à educação básica e a necessidade de ações a serem realizadas na infância são salientados na Declaração, evidenciando o direito de todos à educação.

O Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem teve sua origem na Declaração Mundial de Educação para Todos e figurou como um norte para os participantes, governos e outros, a fim de elaborarem seus planos e programas de ação para a década de 1990, de acordo com calendário estipulado, em consonância com as diretrizes, objetivos e metas propostas, considerando as especificidades de cada nação.

No ano 2000, ocorreu em Dakar, Senegal, no período de 26 a 28 de abril, o Fórum Mundial de Educação, promovido pela Unesco (2000), momento em que foi estabelecida a

Declaração de Dakar: Educação para Todos, tendo como objetivo, dentre outros, reiterar as

metas estabelecidas na Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990, enquanto compromisso a ser cumprido por todos.

No que se refere ao direito à educação, a Declaração de Dakar, no item 6, aponta que

[...] a educação enquanto um direito humano fundamental é a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metas de EPT. As necessidades básicas de aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência. (UNESCO, 2000).

A Declaração de Dakar considera a educação enquanto “direito humano fundamental”, bem como a urgência quanto ao alcance das necessidades básicas de aprendizagem.

Mais recentemente, no período de 19 a 22 de maio de 2015, foi realizado na Coréia do Sul, em Incheon, o Fórum Mundial de Educação. Organizado pela Unesco, o Fórum contou com a participação de cerca de 130 ministros de Educação. O objetivo do Fórum foi ajustar uma “nova agenda de educação” para dar continuidade às ações iniciadas na Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990, e no Fórum Mundial de Educação, realizado em 2000, em Dakar (UNESCO, 2015).

O direito à educação foi tema do referido Fórum, sendo firmada a necessidade de “[...] assegurar educação equitativa e inclusiva de qualidade e aprendizagem ao longo da vida até 2030 [...]” (UNESCO, 2015).

De acordo com a Unesco (2015), a agenda acordada entre os participantes do Fórum considerou, além do “movimento mundial de Educação para Todos (EPT)”, iniciado em Jomtien e “reiterado em Dakar”, dados significativos referentes ao acesso à educação em âmbito universal, sendo que, atualmente, 58 milhões de crianças continuam fora da escola – a maioria, meninas.

Esse dado permite inferir que, apesar de inúmeros documentos internacionais proporem ações para minimizar o problema relativo ao acesso e à permanência na escola, em diferentes regiões do mundo, ainda conta-se com um exacerbado número de crianças fora da escola, em especial as meninas; o que leva a entender que, para além dos compromissos firmados entre os países que se propuseram cumprir as agendas propostas, muitas ficaram num estágio de intenção, não se tornando norma e deixando, assim, de serem cumpridas.

Diante dos textos legais apresentados, dos documentos de caráter internacional que se traduziram em normas, observa-se a preocupação com o direito à educação, em especial, na educação básica. Várias alterações legais foram incluídas, tanto na Constituição Federal do Brasil de 1988 quanto na LDB de 1996, sendo que as mais recentes e que trouxeram grande impacto se referem à inclusão da educação infantil, enquanto primeira etapa da educação básica, abdicando do caráter assistencialista. O ensino fundamental de nove anos, enquanto extensão da escolaridade, também se revelou como fator positivo, bem como a obrigatoriedade da educação básica, dos quatro aos dezessete anos, a partir de 2016, conforme dispõe a Emenda Constitucional n.º 59, de 2009.

No entanto, em que pesem as alterações em vigor, o país, apesar dos instrumentos legais existentes em relação ao direito de todos à educação, carece de ações que promovam a efetivação desse direito, no que se refere ao acesso e à permanência das crianças na escola, com igualdade e equidade, considerando a diversidade de condições sociais e econômicas da população brasileira.

Salienta-se, nesse aspecto, a não inclusão, na educação básica, das crianças de zero a três anos de idade; fato este que tem levado pais e responsáveis a recorrerem, via Ministério Público, para obtenção de vagas para seus(suas) filhos(as) na creche, promovendo um movimento de luta pela educação das crianças pequenas.