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2 CONTEÚDO VALORATIVO E CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

2.4 DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA

A compreensão acerca da tutela jurisdicional adequada extrapola os limites do direito fundamental do acesso à justiçat consagrado no art. 5°t inciso XXXVt da Constituição Federal de 1988. A previsão da Lei Maior quanto ao acesso à justiça representa a expressão do monopólio da jurisdição quet em contrapartidat confere ao cidadão o direito de ação. A tutela jurisdicional adequadat entretantot vai muito além do direito de açãot se referindo ao direito fundamental do cidadão à obtenção do provimento judicial capaz de concretizar seu direito material.

De fatot o ordenamento jurídico deixaria de cumprir sua missão se ficasse limitado a reconhecer a abstrata titularidade dos direitos e a relevância de determinadas classes de interessest porém sem a preocupação de garantir a concretização da tutela desses mesmos direitos e interesses.47 Ao cidadão não basta que lhe seja franqueado o manuseio da açãot sendo imprescindível assegura-lhe também uma prestação jurisdicional adequadat capaz de satisfazer concretamente a pretensão deduzida em juízo. É neste sentido que a tutela jurisdicional adequada se perfaz como direito fundamental.

A propósitot como já foi dito em linhas anteriores deste trabalhot o acesso à justiça não pode ser confundido com o acesso à jurisdiçãot logo a acepção do termo acesso à justiça possui uma significação mais amplat abrangendo tanto o direito de ação quanto o direito à tutela jurisdicional adequada.

O problema para se alcançar a tutela jurisdição adequada reside na concepção de jurisdição como sinônimo de processo plenáriot fundado na técnica da cognição exauriente e na busca incessante pela segurança jurídica. A idéia do processo plenário se relaciona com o direito constitucional da igualdade de tratamento (art. 5°t caput) e com as garantias do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5°t LIV e LVt respectivamente). Foi a partir da interação da igualdade de tratamentot da plenitude de defesa e do devido processo legal que se

formou a chamada rede da tutela jurisdicional plenáriat representada pela técnica da ordinariedade do processo. 48

A tutela jurisdicional plenária surgiu comprometida com os ideais do liberalismo político do século XIXt cujo propósito maior era oferecer às partes um procedimento suficientemente amplot capaz de assegurar ao cidadão a plenitude de defesa em juízot com a máxima segurança da decisão a ser proferida pelo Estadot ou sejat o procedimento haveria de esgotar em sua plenitude todos os meandros da controvérsiat buscando incessantemente descobrir e declarar a verdade por meio de uma decisão que fosse capaz de assegurart para sempret a amplitude da coisa julgada. 49

A ordinariedade sempre teve como característica a inércia do juiz na condução do processot o que era preconizado como forma de garantir uma atuação minimalista e isenta do Estado. Quanto menos o juiz interviesse na atuação das partes e na produção das provast resguardando sua manifestação para o final da lidet mais adequada e elogiada seria a prestação jurisdicional.

Esse estado de coisas sem dúvida contribuiu para um distanciamento cada vez maior entre o processo e o direito material. O processo deveria se manter purificado e não haveria de permitir um contato do juiz com o direito material antes da sentença. Se o juiz ousasse emitir um pronunciamento prévio acerca do direito material de qualquer das partest antecipando-se ao momento próprio da prolação da sentençat a prestação jurisdicional restaria irremediavelmente comprometidat uma vez que o juiz teria saído de sua imparcialidade e ofendido o princípio da isonomia de tratamento entre as partes.

Todaviat é preciso compreender que os direitos e garantias constitucionais não devem obstaculizar o reconhecimento e a concretização do direito verossímil demonstrado

48 SILVAt Ovídio A. Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro: Forenset 2001t

p. 109.

49 SILVAt Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed. São Paulo:

pela parte nos autos do processo. Essa compreensão préviat que encontra sintonia com a idéia da constitucionalização do processot cria as condições para o chamado julgamento liminar de méritot na expressão cunhada por Ovídio Baptistat que se traduz na técnica da sumarização da demandat com a inversão das fases procedimentaist de modo a permitir a antecipação da fase executória como objeto de um provimento jurisdicional com efeito provisório. 50

Não se pretendet por óbviot suprimir as fase do processo nem cercear o direito de defesa das partest entretanto também não se deseja protelar injustificadamente a concretização do direito verossímilt frustrando a promessa constitucional do Estado de franquear o acesso à justiça.

A cognição exauriente é outro obstáculo ao alcance da tutela jurisdicional adequadat na medida em que simboliza um modelo de jurisdição onde a produção da prova necessita conduzir à verdade irrefutável – como isso fosse possível num processo judicial –t visando a evitar um prejuízo ao direito da parte. Ocorre que o prolongamento do processo desnecessariamentet mesmo diante de um direito material verossímilt previamente identificado pelo juizt atenta contra o direito fundamental à prestação jurisdicional adequada.

O desiderato de evitar o prejuízo advindo de uma decisão provisória ocultat na verdadet o propósito de desencorajar um juízo prévio ou comprometimento antecipado do juiz com qualquer das teses que lhe sejam apresentadas. De acordo com a ideologia da cognição exaurientet o juiz somente deveria decidir depois de exaustiva investigação probatóriat tal qual “o cientista que tivesse a operar no domínio das ciências experimentais”t como assevera Ovídio Baptista da Silvat antes de arrematar: “Até lát não importa por quanto tempot conserva-se (conservadoramente!) o status quo ante. Não pode haver ‘pronúncia’ liminar sobre o direito litigioso”. 51

50 SILVAt Ovídio A. Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentençat p. 11. 51 SILVAt Ovídio A. Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentençat p. 10.

A segurança jurídica é outro aspecto do procedimento ordinário que precisa ser repensado em prol de uma prestação jurisdicional adequada. Registre-set de logot que a segurança jurídica em matéria processual se identifica com o instituto da coisa julgadat nos termos da previsão contida no art. 5°t inciso XXXVIt da Constituição Federal de 1988: “a lei não prejudicará o direito adquiridot o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Da leitura do dispositivo constitucional infere-se a coisa julgada como a melhor expressão da certeza jurídicat tanto que resta prejudicada qualquer iniciativa no sentido de contradizê-la. 52 Assimt sob os auspícios da tutela padrão do procedimento ordináriot o ideal de jurisdição haverá sempre de ser representado pela sentença com trânsito em julgadot garantia maior da certeza jurídica.

Ocorre que a prestação jurisdicional adequada não pode ficar a mercê do trânsito em julgado da sentença de mérito. Ou o processo penaliza o autort onerando-o com todo o custo derivado do tempo a ser percorrido até a solução final da lidet de modo a assegurar um juízo de justiça e certezat 53 out ao contráriot se aceita que o tempo de duração do processo precisa ser equacionado entre as partest onerando o réu com a satisfação antecipada do direito do autort ainda que provisoriamentet enquanto se aguarda o momento da prolação da sentença final. Esta derradeira opção se mostra mais consentânea com o sentido da prestação jurisdicional adequada.

Não é sem razão que as reformas do Código de Processo Civil a partir de 1994t apontam na direção da fusão dos procedimentos de cognição e de execuçãot evitando que se tenha que aguardar a sentença definitiva para somente então ter início a fase de cumprimento da decisão. As reformas processuais indicam o firme propósito do legislador de atenuar as

52 Aqui não se ignora a discussão atual no tocante à relativização da coisa julgada por eiva de

inconstitucionalidade.

agruras advindas do procedimento ordináriot refratário à concepção da tutela jurisdicional adequada.

O modelo de jurisdição que se constrói na atualidade rompe de vez com a idéia de processo como simples declaração/certificação do direitot erigindo-se como regra o paradigma do processo de resultadost que conta com instrumentos que conferem adequação entre a tutela processual invocada e o direito material em disputa. 54

Tenha-se clarot portantot que o direito à tutela jurisdicional adequada é fundamental em razão da própria existência dos direitos materiais assegurados pela ordem jurídicat que proíbe a autotutela. Assimt com a satisfatividade dos direitos materiais a depender de uma prestação jurisdicional tempestiva et quando necessáriot provisóriat a tutela jurisdicional adequada é fundamental à concretização dos direitos materiaist sob pena de um completo esvaziamento do conteúdo valorativo do direito de acesso à justiça. Nesse sentidot a Corte Constitucional italiana já afirmou que: “o direito à tutela jurisdicional está entre os princípios supremos do ordenamento constitucionalt no qual é intimamente conexo com o próprio princípio democrático de assegurar a todos e sempret para qualquer controvérsiat um juiz e um juízo em sentido verdadeiro”. 55

3 A LEGITIMIDADE DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO

54 GÓESt Ricardo Tinoco de. Efetividade do processo e cognição adequada. São Paulo: MP Ed.t 2008t p. 144. 55 MARINONIt Luiz Guilherme e ARENHARTt Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimentot 4. ed.