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2 CONTEÚDO VALORATIVO E CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

3.1 LEGITIMIDADE DO PODER DE DECISÃO JURÍDICA

No Capítulo III do seu “O Contrato Social” Jean-Jacques Rousseau sustenta que “o mais forte nunca é forte o bastante para ser sempre o senhort a menos que transforme força em direito e obediência em dever...”. 56

A afirmação de ROUSSEAU ilustra bem a relação de conflito permanente que existe entre poder e legitimidade. É que a manutenção do poder depende de sua aceitação pelos destinatáriost sendo nesse quadro que se instala o problema de sua legitimidade. De onde se origina o poder exercido sobre os destinatários e o que os faz aceitar os comandos que advém desse poder? É essa indagação que servirá de ponto de partida para o estudo sobre a legitimidade do poder da decisão jurídica.

Os romanos atribuíam à autoridade a instância de legitimação do podert porque autoridade (auctoritas) era a força da tradição dos princípios e glórias dos antepassados. 57 A autoridade para os romanos tinha origem na tradiçãot daí ter autoridade significava estar mais perto dos antepassadost como ocorria com os anciãos e Senadores romanost cuja autoridade advinha da aproximaçãot por descendênciat dos fundadores de Roma. Os anciãos e Senadores romanos davam conselhost eram ouvidos e obedecidos porque detentores de autoridadet muito embora não possuíssem poder (potestas)t que deriva do latim potentiat significando potênciat força.

A autoridade e o poder freqüentemente são confundidos pelo fato de ambos terem a obediência e a hierarquia como elementos comunst porém a autoridade exclui a utilização de meios coercitivos externos; onde a força é utilizada a autoridade em si mesmo

56 ROUSSEAUt Jean-Jacques. O Contrato Social. In: MORRISt Clarence (org.)t Os grandes filósofos do direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontest 2002t p. 214.

fracassou. 58 A autoridade somente se exerce onde existe hierarquiat uma vez que a autoridade é incompatível com a persuasão ou argumentot sendo esta uma marca que caracteriza as relações igualitáriast que se operam mediante um processo de argumentaçãot o que não ocorre com a autoridade: “onde se utilizam argumentost a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritáriat que é sempre hierarquia”. 59

Consoante ensina ARENDTt a autoridade se coloca entre a persuasão e o poder. Não é persuasãot pois pressupõe hierarquia e é incompatível com a argumentação; também não é podert uma vez que se contrapõe ao uso da força ou coerção: “A relação autoritária entre o que manda e o que obedece não se assenta nem na razão comum nem no poder do que manda; o que eles possuem em comum é a própria hierarquiat cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável predeterminado”. 60

Como foi destacado anteriormentet o que diferencia a autoridade do poder é o uso da força ou coerção contida neste último.61 Segundo WEBERt “o poder é toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação socialt mesmo contra resistências”t 62 ou sejat todo poder pressupõe a capacidade de imposição da vontade própria sobre a de outrem. No mesmo sentidot para José Afonso da Silvat o poder “é uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins”. 63

58 ARENDTt Hanna. Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectivat 2007t p.

129.

59

Ibidemt p. 129.

60 Ibidemt mesma página.

61 Michel Foucaultt em sua Microfísica do Podert é contrário à idéia de definir os efeitos do poder pela repressão.

Para elet quando isso acontecet “tem-se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Orat creio ser esta uma noção negativat estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou. Se o poder fosse somente repressivot se não fizesse outra coisa senão dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz nãot mas que de fato ele permeiat produz coisat induz ao prazert forma sabert produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir” (FOUCAULTt Michel. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machadot 25. ed. São Paulo: Graalt 1979t pp. 7-8).

62 WEBERt Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 3. ed. Brasília: Editora

Universidade de Brasíliat 1994t p. 139.

Num primeiro estágio da formação do Estado modernot a história aponta para uma concepção divina da origem do poder. As monarquias absolutistas da antiguidade e da idade média tinham sua legitimidade fundada nas doutrinas teológicast que reconheciam o poder atribuído ao rei como um reflexo do poder divinot portanto perpétuo e ilimitado. “O paço e o templot a Monarquia e o Sacerdóciot o temporal e o espiritualt traduziam a fusão completa do governo dos homens com o poder sobrenatural das divindadest os numes do Paganismo”. 64

Ainda sobre os auspícios do Estado absolutista teocráticot o primeiro pensador a contribuir para a mudança de justificação da legitimidade do poder foi Jean Bodin (1529- 1596)t autor dos “Seis Livros da República”t publicado em 1576. Para BODINt o poder soberano somente existia quando o povo o transferia inteiramente ao governantet o qualt além de obedecer às leis natural e divinat fonte de origem do seu podert também deveria respeitar os contratos celebradost fosse com os súditost fosse com os estrangeiros. 65

Thomas Hobbes (1588-1679) foi outro teórico do absolutismo que exerceu importante influência na mudança de perspectiva da legitimação do poder. Em sua obra “Leviatã”t de 1651t HOBBES defende a tese da existência de um pacto celebrado entre os membros da sociedade: estes renunciariam o suficiente de sua liberdadet transferindo-a para um soberanot em troca da garantia da paz e da segurança comum. A partir de então o soberano passaria a ser o Leviatãt uma autoridade inquestionávelt de poder ilimitado e irrevogável. 66

John Locke (1632-1704) também ofereceu uma importante contribuição ao pensamento político contrário ao absolutismot tanto que suas idéias serviram de inspiração às

64 BONAVIDESt Paulo. Teoria do estadot 7. ed. São Paulo: Malheirost 2008t p. 32.

65 Wikipédiat a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Bodin>. Acesso em: 03 de

junho de 2009.

66 HOBBESt Thomas. Leviatã. In: MORRISt Clarence (org.)t Os grandes filósofos do direito. Trad. Reinaldo

revoluções liberais da Inglaterrat dos Estados Unidos da América e da Françat além de alicerçarem a teoria dos direitos fundamentais. LOCKE embasou sua filosofia política na idéia de que todos os homens se encontram num estado de perfeita liberdadet capazes de regular suas ações e de disporem sobre suas possest sem pedir permissão nem depender da vontade de nenhum outro homem. Para LOCKEt porémt a liberdade individual deve conservar-se dentro dos limites da lei da naturezat segundo a qual cada um tem o direito de punir os transgressores dessa leit em grau tal que impeça a sua violação. 67

No “O Espírito das Leis”t de 1748t MONTESQUIEU (1689-1755) se imortalizou ao defender a idéia da divisão tripartite do podert uma vez que “tudo estaria perdido se o mesmo homemt ou o mesmo corpot seja de nobres ou do povot exercesse esses três poderest o de promulgar leist o de executar as resoluções públicas e o de julgar as querelas individuais”. 68 Segundo MONTESQUIEU essa separação do poder é indispensável para que o cidadão tenha liberdade e se sinta seguro perante o Estado e nas suas relações interpessoais.

Com ROUSSEAU (1712-1778) o regime absolutista sofreu um grande golpe. Na sua obra “O Contrato Social”t 69 publicada em 1762t ROUSSEAU idealiza um pacto social “que defenda e proteja com toda força comum à pessoa e os bens de cada associado e em que cada qualt embora se una ao todot possa obedecer apenas a si mesmo e continuar tão livre quanto antes”. A fórmula idealizada por ROUSSEAU pode ser sintetizada nos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a direção suprema da vontade geral et em nossa capacidade de associadot recebemos cada membro como uma parte indivisível do todo”. Na concepção de ROUSSEAU o rei é considerado um ser humano comumt e deveria reconhecer na sociedadet e não na divindadet a origem do seu poder.

67 LOCKEt John. Dois Tratados sobre o Governot livro IIt cap. II. In: MORRISt Clarence (org.)t Os grandes filósofos do direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontest 2002t p. 133-134.

68 MONTESQUIEU. Dois O Espírito das Leist livro XIt cap. VI. In: MORRISt Clarence (org.)t Os grandes filósofos do direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontest 2002t p. 166-167.

Assimt todo monarca deveria assumir um compromisso com a sociedadet respeitando seus membros como cidadãos e não como súditos. A contribuição de ROUSSEAU foi decisiva na medida em que deslocou as bases de legitimidade do poder monárquicot despindo-a do caráter divino para concentrá-la na sociedade.

Outra importante contribuição contrária ao absolutismo adveio da publicação na Françat em 1772t da “Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des

métiers, par uma societé de gens de lettres”. 70 A obrat composta de 28 volumest 71 818 artigos e 2 885 ilustraçõest foi coordenada por DIDEROT e D’ALEMBERT e teve o mérito de difundir e popularizar as idéias centrais do iluminismot contando com escritos assinados por VOLTAIREt ROUSSEAUt MONTESQUIEU e outros. 71 A importância da enciclopédia se deveu ao fato de colocar a ciência do tempo ao alcance da populaçãot assinalando as imperfeições do regime absolutistat denunciando a intolerância religiosa e preparando as pessoas para o conhecimento racional e a crença no progresso.

A partir de entãot a queda da Bastilha em 1789 representou o fim do absolutismo. Foi naquele momento que a burguesia desatou o nó da submissão à monarquia absolutista e transferiu a legitimidade do poder político para o povo ou nação. Com o fim do

ancien regime o poder deixa de ser de pessoas e passa a ser das leist que doravante governam

o ordenamento social e político. 72

Como legado da Revolução Francesa e sob a inspiração da filosofia kantianat a individualidade e a crença na razão passaram a ser as marcas essenciais da modernidade. Para Eduardo Bittart o espírito da modernidade se assenta na construção do imperativo categórico de KANT – “age sót segundo uma máxima talt que possas querer ao mesmo tempo que se

70 “Enciclopédia ou dicionário raciocinado de ciênciast de artes e de artes mecânicast por uma sociedade de gente

de letras”.

71 Wikipédiat a enciclopédia livre. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Encyclop%C3%A9die> Acesso:

em 03 junho de 2009.

torne lei universal” – e nas regras do idealismo filosóficot que colocam o sujeito na condição de gerenciador dos universos do dever éticot social e jurídico. Ainda segundo BITTARt a modernidade apresenta as seguintes características marcantes: o aparecimento do Estado; a configuração do direito; a criação das leis de mercado; a ideologização da ordem liberal; a afirmação do modelo capitalista; a nação como fonte de segurança e estabilidade territoriais e a crença na idéia de progresso. 73

Na atual quadra da história testemunha-se a transição da modernidade para a pós-modernidade. A mudança paradigmática que está em curso é sentida principalmente a partir de meados do século XXt e se apresenta através da alteração dos valores sociaist culturais e econômicos da humanidade. No plano socialt o impacto provocado pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicaçãot notadamente a internett resultou na mudança do padrão de comportamento da sociedadet introduzindo novas formas de integração entre os indivíduost inclusive em ambientes de relacionamento virtual. Culturalmente as mudanças são sentidas com a desestabilização de valores majoritários e até então consensuaist como é o caso do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo e a realização de experiências genéticas com seres humanos. Na economiat a pós-modernidade se manifesta principalmente através da massificação do consumot em face do recrudescimento do capitalismot agora transnacionalt e da formação de blocos econômicos regionais entre os países. Assimt nesse processo de quebra de paradigmas e redescoberta do modelo de organização da vida e da sociedadet onde sobram dúvidas e incertezast GUARDINI tem razão ao assentar que: “não se trata aqui de reprovar ou de exaltart mas de reconhecer o fim da idade Modernat e a nova época que se aproxima e que ainda não foi designada pela história”. 74

73 BITTARt Eduardo C. B. O direito na pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitáriat 2005t p. 56-

57.

74 GUARDINIt Romanot 2000t p. 50 apud BITTARt Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. Rio de

O reflexo desses novos tempos incide decisivamente sobre o direito. Diante de uma sociedade multifacetada e pluralt o direito da pós-modernidade é relativo e não nutre mais apego às verdades absolutas. A compreensão atual é de que o direito deve ser entendido como um sistema abertot suscetível a influências fáticas e axiológicas. A valorização do abstrato e do transitório na ordem pós-moderna exige uma nova jurisprudência dos valorest uma nova compreensão dos princípios constitucionaist influenciada pela necessidade de concretização dos direitos fundamentais.

Pois bemt nesse revolver de mudançast como justificar a legitimidade do poder da decisão jurídica?

Discorrendo a respeito da teoria processual da decisão jurídicat Rosemiro Pereira Leal defende a destruição “do fetiche do Estado de Justiça”t o qualt segundo sustentat é responsável pelo emperramento da transição para a pós-modernidade. Para LEALt a relação entre poder e saber sempre foi utilizada como instrumento de dominaçãot valendo-se o Estado de decididores arcaicos – aprovados com louvor em concursos públicost ou escolhidos por autoridades governamentais – quet na qualidade de cultores comprometidos com um cientificismo reificantet rigorosos na casuística de sua própria cultura e sabert nutrem uma crença inabalável que o processo ou procedimento é meio de realização do direitot pouco importando se foram ou não atendidos os princípios do devido processo constitucional ou do devido processo legal em paradigma de direito democrático. O autor resume a proposição da teoria do discurso democrático nos termos seguintes:

Nessa conjecturat decisão justa só seria aquela decisão que se adequasse às características e objetivos da teoria democrática processualmente fundacional da normatividade. As decisõest nesta acepçãot só se legitimariam pela pré-compreensão teórica do discurso democrático como base de fundamentação da decidibilidade. Uma teoria da pré-compreensãot no âmbito instituinte originário e derivado do direitot antest portantot de a vontade legal se formart estabelecerát para todost os critérios de formação dessa vontadet tornando possível

distinguir o discurso jurídico do procedert para produzirt aplicar ou extinguir normas e o direito posto segundo esse proceder. 75

Se bem compreendida a proposta contida na teoria do discurso democráticot no momento de criação da norma jurídica deveria haver oportunidade para uma pré-compreensão – ou consenso democrático – que permitisse formar a base de fundamentação da decidibilidade da norma. Depois dessa pré-compreensãot tornando possível distinguir o discurso jurídico do procedert a norma poderia vir a ser produzidat aplicada ou extintat conforme o direito posto segundo esse proceder.

Como ROUSSEAU já havia observado em seu “O Contrato Social”t referido por BOBBIOt “uma verdadeira democracia jamais existiu nem existirá”t pois exiget acima de tudot um Estado muito pequenot “no qual seja fácil ao povo se reunir”; além de “uma grande igualdade de condições e fortunas; pouco ou nada de luxo”t donde ROUSSEAU foi levado a concluir: “Se existisse um povo de deusest seria governado democraticamente. Mas um governo assim perfeito não é feito para os homens”. 76

De fatot se mostra impraticável a construção da norma derivando sempre de uma pré-compreensão do discurso democráticot onde a norma pudesse reproduzir fielmente os critérios que inspiraram a vontade que resultou na sua formação. Tal idéia parece conduzir à busca da perfeição normativat à verdade absoluta ou à confiança inabalável no acerto da decisãot na medida em que visa a obter uma aceitação generalizada e prévia da vontade da norma. Ocorre que a perfeição normativat a verdade absoluta ou a confiança no acerto da decisão jurídica não passam de quimerat haja vista que quando o direito é colocado diante dos fatos a pré-compreensão democrática pode ser abaladat uma vez que “ninguém está em

75 LEALt op. cit.t p. 89-95.

76 ROUSSEAUt p. 802 apud BOBBIOt Norberto. Liberalismo e democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueirat

situação de criar convicções para todos os temas atuais de decisão”t nas palavras de LUHMANN. 77

O pensamento luhmanniano se identifica com a teoria dos sistemast que diverge da teoria do discurso democrático. Segundo a teoria dos sistemast a sociedade moderna se assenta na hiper-complexidade socialt que implica no desaparecimento de uma moral tradicionalt de conteúdo hierárquicot válida para todas as esferas do agir. Desse modot os sistemas sociais são autopoiéticos78t reproduzidos com base em seus próprios códigos e critériost embora condicionados e influenciados pelo ambiente onde se inserem. Nesses sistemas a moral da sociedade é neutra e fragmentadat reproduzindo-se difusamentet sem a formação de um consenso em torno de programas ou critérios morais. 79 É nesse universo de diversidade e nenhuma certeza que surge a norma jurídica.

Como se verifica em toda democracia representativat o certo é que a legitimidade do poder de decisão jurídica emana na vontade populart pontificada na seguinte máxima: “todo o poder emana do povot que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (art. 1°t parágrafo únicot da Constituição Federal de 1988). De acordo com BOBBIOt independente do que se digat a verdade é que a democracia sempre manteve o mesmo valor significativo ao longo dos séculos. O governo do povo é preferível ao governo de um ou de poucos e vice-versat sendo a democracia representativa dos modernos a única inovação em relação à democracia direta praticada pelos antigos. 80

77 LUHMANNt Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte-Real. Brasília:

Editora Universidade de Brasíliat 1980t p. 33.

78

Autopoiese é um conceito que foi elaborado pelos biólogos na tentativa de explicar a organização autocriacionista dos seres vivos. Todaviat um sistema autopoiético não é um sistema fechado em si mesmot mas “uma sucessão contínua de ‘impulsos’ de uma operação a outrast nas quais reúnemt de momento a momentot as construções da realidade que conservam e fazem perdurar o sistema”. Apesar de aberto às influências do meio ambientet o sistema autopoiético possui uma filtragem capaz de protegê-lo contra as influências externas que podem arruiná-lo. “’Nenhuma operação do sistema constitui’ uma ‘imagem (Abbildung, ou calco), uma cópia,

imitação ou representação’ de qualquer coisa que chega no ambiente. Os sistemas autopoiéticos podemt com

issot passar de uma verificação corrente de sua adequação ao seu ambiente” (ROCHAt Leonel Severo; SCHAWARTZt Germano e CLAMt Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed.t 2005t p. 102-112).

79 NEVESt Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontest 2006t p. 122. 80 BOBBIOt Liberalismo e democraciat p. 31-32.

Portantot é preciso ter clareza da compreensão do povo enquanto instância global de atribuição da legitimidade democrática. Assimt ainda que os magistrados não ocupem seus cargos ungidos pelo voto populart mas através de concurso público de provas e títulost o poder que emana do povo normatiza o lado referente à funcionalidade da dominação do Estadot o que significa dizer que o povo optou por se colocart ele própriot na condição de destinatário das prescriçõest deverest direitos e funções de proteção do Estadot como ocorre no caso da atuação jurisdicionalt conforme Friedrich Müller. 81 Ou sejat em razão da chamada funcionalidade da dominaçãot que é um dos produtos da emanação do poder do povot a atuação do Poder Judiciário se encontra sob o manto da instância global da atribuição de legitimidade democrática.

Por fimt a legitimidade do poder de decisão jurídica encontra amparo decisivo na exigência da publicidade e fundamentação de todos os julgamentos do Poder Judiciáriot sob pena de nulidadet consoante impõe o art. 93t inciso IXt da Constituição Federal de 1988. Na realidade presentet onde nenhuma conduta individual ou atuação pública pode ser justificada senão em conformidade com os valores e normas abstraídas da Carta Magnat os juízes e tribunais somente atuam legitimamente quando seus julgamentos são transparentes à