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Lei 9.613 de 3 de março de 1998, loc cit.).

C. V (Org.) Lavagem de dinheiro Prevenção e controle penal 2ª ed Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013 p 112.

3 DIREITO SANCIONADOR E DIREITO PENAL: O DUPLO SANCIONAMENTO DOS PROFISSIONAIS DE ÁREAS SENSÍVEIS PELA SOBREPOSIÇÃO DE

3.1 ILÍCITO PENAL, ILÍCITO ADMINISTRATIVO E DIREITO SANCIONADOR: DEMARCAÇÕES NECESSÁRIAS

3.2.1 O Direito Penal e Direito Sancionador como resposta à pluriofensividade do delito?

Em relação à lavagem de dinheiro, a demarcação do bem jurídico protegido não se mostra tarefa das mais fáceis. Entende-se que, nos diversos bens jurídicos pretensamente protegidos pela norma, reside o pretexto de sobreposição de normas penais como forma de um combate mais incisivo. Defesas existem referentes à ordem econômica como o bem jurídico, a administração da justiça, ao bem jurídico do crime antecedente e ainda os que entendem ser a lavagem um crime pluriofensivo, atingindo todos os bens jurídicos retro citados. A suposta necessidade de dupla tutela aqui não restringe-se apenas à natureza intangível do bem mas, acredita-se, a multiplicidade de bens incorpóreos alegadamente tutelados.

Na Suíça, por exemplo, a corrente doutrinária de maior composição entende que o bem jurídico tutelado pelo crime de branqueio de capitais é a administração da Justiça. Nesse parecer o autor do delito em comento atua com o objetivo de pôr a salvo da lei os ganhos obtidos com o fato delituoso, acobertando-os tanto da Administração da Justiça nacional quanto estrangeira251.

Ao contrário do que se sucede na legislação da Suíça, na Alemanha a doutrina demonstra uma divisão no posicionamento referente à delimitação do bem jurídico. Um setor opina pela proteção do bem jurídico já lesionado pelo delito prévio, outro pela Administração da Justiça como bem jurídico. Uma terceira corrente doutrinária entende que o bem jurídico defendido é a segurança interior que deve ser protegida contra a criminalidade organizada. Nesse sentido, a segurança interior afigura-se como um bem jurídico universal, vez que, refere-se não somente à segurança alemã, mas, também, à segurança de outros estados. De todas as concepções, a que prevalece no plano alemão é que o bem jurídico tutelado é tanto o lesionado pelo fato prévio como a Administração da Justiça252.

Na Itália, por seu turno, a opinião predominante considera que o crime de lavagem de capitais atenta contra a Administração da Justiça, tendo como contra- ponto um setor minoritário que entende ser a ordem econômica o bem jurídico

251 CÉSAR MARTÍNEZ, J. El delito de blanqueo de capitales. 2016. 698 f. Tesis (Doctorado en

Derecho) – Universidade Complutense de Madrid - Madrid. 2017. p. 150.

tutelado. Na realidade espanhola o delito de lavagem de capitais insere-se no capítulo de crimes contra a ordem sócio econômica, levando-nos ao raciocínio de que o bem jurídico tutelado pela legislação é o da ordem socioeconômica253. Em

sentido paralelo, caminha a doutrina pátria. No contexto doutrinário interno a intervenção penal para punir autonomamente o a lavagem de capitais lastra-se nos múltiplos riscos que a conduta acarreta à economia e aos mercados financeiros, e.g., a contaminação da livre concorrência, instabilidade do setor financeiro, alteração da demanda do dinheiro, monopolização de setores da economia, corrupção, etc254.

Nesse sentido, em que pese entender pela múltipla ofensividade operada pela lavagem de capitais considerando-a pluriofensiva, Carla Veríssimo de Carli255, já

antevendo os prejuízos operados pela adoção de uma teoria plural sobre o bem jurídico, entende que o bem jurídico penal tutelado pela norma criminalizadora da lavagem de capitais é a ordem socioeconômica.

Hireche e Luz256 entendem que a legislação de lavagem de dinheiro objetiva

evitar que os valores advindos de condutas ilícitas mesclem-se com aquelas de origem lícitas e circulem na economia. Dessa forma, para os autores, mesmo em meio às criticas, a compreensão mais acertada é a que elege a ordem econômica como bem jurídico protegido pela lei de lavagem de dinheiro, sendo esta a única possibilidade de se “conferir coerência ao diploma normativo”.

Não obstante a tentativa de se delimitar um bem jurídico específico, se observa que os próprios tribunais superiores no plano nacional já entendem pela pluriofensividade da lavagem, considerando a norma como protetora de diversos bens jurídicos. Como exemplos, cita-se o HC 221.108/PR257, no qual a quinta turma

253 CÉSAR MARTÍNEZ, J. op. cit. p. 153

254 GOMES, L. F. A lavagem de capitais como expressão do ‘Direito Penal globalizado’: enfoque

crítico. In: SCHECAIRA. S. S (Org.) Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva

(Criminalista do Século). São Paulo: Método, 2001, p. 230.

255 CARLI, C. V. Lavagem de Dinheiro: Ideologia da Criminalização e análise do Discurso. 2006.

231 f.Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2006. p. 106-111.

256 HIRECHE, G. F. E.; LUZ, I. M. Comentários críticos à Lei Brasileira de Lavagem de Capitais:

Legislação Penal Especial em Homenagem a Raul Chaves. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.

25

257 BRASIL. Superior Tribuna de Justiça. HABEAS CORPUS: HC 221108 PR 2011/0240528-2.

Relator: Ministro Jorge Mussi. DJ: 25/03/2014. STJ, 2014. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1302737& num_registro=201102405282&data=20140325&formato=PDF > Acesso em: 12 dez. 2017.

do STJ aduziu que o crime de lavagem lesiona “o sistema financeiro nacional, bem como a ordem econômica e tributária, a paz pública e a administração da justiça do Brasil” e a posição do Ministro do Supremo Tribunal Federal258, Dias Toffoli, quando

da sua manifestação na AP 470 MG alegou entender ser a lavagem um crime pluriofensivo, pois ataca a “sociedade de uma maneira geral”.

Ora, malgrado o clamor empregado pelo discurso de oposição à ampliação da tutela penal para os novos bens da sociedade de risco e todos os sólidos argumentos que demonstram o desvirtuamento do Direito Penal mínimo, percebe- se, a exemplo das legislações de branqueamento de capitais, um alargamento da tutela da legislação penal, uma indefinição na delimitação do bem jurídico protegido e ampliação dos mecanismos punitivos em detrimento do respeito à garantias fundamentais.

Nesse contexto, ante os óbices encontrados para se delimitar os bens jurídicos passíveis de proteção e para se respeitar a subsidiariedade, fragmentariedade, lesividade, etc., postulados basilares do Direito Penal, este ramo jurídico tem se expandido, tornando-o administrativizado e, como diria Silva Sánchez259, um direito

de gestão ordinária de problemas sociais.

Atrelada a utilização administrativizada do Direito Penal o Estado, na tutela dos crimes econômicos, in casu, a lavagem de capitais, lança mão de um Direito Sancionador alegando apenas um maior rigor nas punições administrativas, sem, contudo, observar de forma devida os institutos e princípios inerentes a este ramo jurídico. Consequentemente, não se vislumbra uma demarcação precisa do raio de incidência do Direito Penal e do Direito Sancionador, sendo por vezes afastada essa separação.

Premente estabelecer que os princípios delineadoras do Direito Sancionador são inobservados na legislação em comento. A pretexto de se estar agindo mais rigorosamente contra a lavagem de dinheiro recorre-se ao Direito Sancionador sem, contudo, lhe conferir a autonomia devida na tutela desta figura delituosa utilizando-o de forma sobreposta à norma penal.

258 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AÇÃO PENAL: AP 470 MG. Relator: Ministro Joaquim

Barbosa. DJ: 18/09/2013. STF, 2013. Disponível em: < ftp://ftp.stf.jus.br/ap470/InteiroTeor_AP470.pdf> Acesso em: 20 dez. 2017.

259 SILVA SÁNCHEZ, J. M. La Expansión Del Derecho Penal. Aspectos de la política criminal em

É imprescindível consignar que nos países Europeus que se valem do Direito Sancionador na tutela de determinados bens renunciam a utilização do Direito Penal. A depender da ofensividade da conduta escolhe-se um ramo ou o outro.260

Do que se vê, não foi a opção do legislador pátrio apartar o Direito Penal e o Direito Sancionador na tutela da lavagem de capitais, preferindo, com a reforma legislativa empregada, além de ampliar o espectro das pessoas obrigadas, criar mecanismos legais que ensejem o duplo sancionamento da mesma pessoa em decorrência do mesmo fato.

A Europa, na tentativa de bloquear a distorção da compreensão de Direito Penal mínimo e a ampliação da potestade administrativa operada pela judicialização ou penalização das sanções administrativas difundida em diversos estados, iniciou um processo de despenalização261. Esse processo, difundido em sua maioria em

países de origem germânica, se deu em virtude da sobrecarga dos tribunais pelo acréscimo de tipos penais, pelo próprio contexto econômico pós segunda guerra mundial. O objetivo, em apertada síntese, era o de transferir determinadas condutas antes atreladas ao Direito Penal para o plano Administrativo, ou, na visão defendida por Hassemer, vinculá-las ao Direito de Intervenção ou Sancionador, estabelecendo limites concretos entre a aplicação do Direito Penal e da norma Sancionadora262.

Cumpre destacar que Hassemer263 alerta para a necessidade de utilização do

Direito Sancionador como um novo campo do Direito, apartado das duras sanções penais, notadamente as privativas de liberdade. Tal raciocínio demonstra sua preocupação não somente com o afastamento do Direito Penal na tutela dos novos bens coletivos mas, também, com a aplicação autônoma do Direito Sancionador destes novos interesses.

Não obstante, o que se vê é uma “repenalização”264, cujo o escopo é criar

260 GLOECKNER. R. J.; DA SILVA, D. L. Criminal compliance, controle e lógica atuarial: A

relativização do Nemo tenetur se detegere. Revista de Direito da Universidade de Brasília. v.01, n.01, p. 147-172, jan./jun. 2014. p. 159-160.

261 LOZANO CUTANDA, B. Panoramica General de la Potestad Sancionadora de la Administracion

em Europa: Despenalização y garantia. Revista de Administración Pública, n. 121, jan./ abr., 1990. p. 393-400.

262 OLIVEIRA, A. C. C. Hassemer e o Direito Penal brasileiro: direito de intervenção, sanção

penal e administrativa. São Paulo: IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2013. p.

132-133

263HASSEMER, W. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista brasileira de Ciências

Criminais. São Paulo: RT, 08, out. 1994, p.49.

novos tipos penais para tutelar penalmente bens coletivos e interesses difusos, notadamente a economia e o meio ambiente. Há uma ampliação do alcance das legislações penais que, de forma administrativizada, valem-se de um severo Direito Sancionatório como se a justaposição de tais ramos jurídicos fosse caminho imprescindível para a contenção da nova criminalidade.

Pode-se argumentar em sentido adverso ao aqui proposto que nem todos os casos traçados na lei de lavagem de capitais se amolde a sobreposição de normas, afinal, o descumprimento dos deveres de Compliance, via de regra, não enseja sanção de natureza penal. Não obstante tais argumentos, premente aduzir que a duplicidade de sanção é uma consequência da justaposição de normas sendo ambos fenômenos distintos, embora um esteja umbilicalmente ligado ao outro.

O problema da utilização concomitante de dois ramos punitivos, além da possibilidade de duplo sancionamento como consequência, é a zona cinzenta existente em relação a repercussão penal da inobservância dos deveres ditos administrativos, evidenciando a insegurança vivenciada pelo destinatário da norma. Ademais, conforme já salientado, o Direito Sancionador reivindica atuação autônoma e possui o caráter de direcionar o Direito Penal a áreas que lhes são próprias, não a uma tutela conjunta.

Assim, não se contempla necessária a utilização concomitante destes severos ramos punitivos, notadamente pela severidade apresentada nesta sobreposição, sob pena de desvirtuamentos serem suportados por ambos.