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2.3 DISTINÇÃO ENTRE DEVERES E PROGRAMAS DE CRIMINAL COMPLIANCE: IMPOSIÇÃO DOS DEVERES ÀS PESSOAS FÍSICAS NA LEI 9613/98.

2.3.1 Regulamentação dos deveres de Compliance na lavagem de dinheiro

Os deveres de Compliance e os programas e institutos deles derivados afiguram-se inovações inseridas no plano penal na busca de, além de prevenir condutas delituosas que possam ser perpetradas valendo-se da atividade empresarial, partilhar o Estado com o particular a responsabilidade no combate de crimes e no gerenciamento dos riscos.

O Criminal Compliance, conforme já aventado, surge como fruto da necessidade de regulação dos serviços econômicos destinando-se à prevenção da responsabilidade penal das empresas, direção, colaboradores e empregados. A atual conjuntura econômica, firmada nas ideias de competitividade, desconfiança e

vigilância, traz consigo a necessidade de se fortalecer o compromisso com o Direito, e, para mais, reforçar a segurança da economia e do mercado. No âmbito interno, a Lei 9.613/98, com redação dada pela Lei 12.683/12, inseriu claros deveres vinculantes de Compliance, que devem ser cumpridos pelas pessoas físicas ou jurídicas indicadas no art. 9º.99

Conforme avaliação da nova redação legal do crime de lavagem de capital depreende-se que as obrigações impostas as pessoas físicas que exercem atividades sensíveis a prática de lavagem de dinheiro elencadas implicam nitidamente em uma verdadeira instituição de Compliance, embora o texto legal não tenha expressamente se valido de tal nomenclatura100.

Na Lei 9.613/98 os deveres de Compliance ou Criminal Compliance, vez que se vinculam à prevenção de conduta criminosa, in casu, crime de lavagem de dinheiro, conforme dito, se estabelecem nos arts. 10101 e 11102 que versam,

respectivamente, sobre a cadastrar clientes, e manutenção dos registros, prestação de informações e a obrigatoriedade da comunicação das operações financeiras sendo estas comunicações subdivididas em “Comunicação de operações

99 CABRERA, M. G. Compliance e imputação objetiva: a criação de risco proibido. In: GUARAGNI, F.

A.; BUSATO, P. C.; DAVID, D. F. (Org.). Compliance e Direito Penal. Cap. I, p. 120-141, São Paulo: Atlas, 2015. p. 126-127.

100 Idem, Ibidem. p. 128.

101 Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: I - identificarão seus clientes e manterão cadastro

atualizado, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes; II - manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas; III - deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam atender ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma disciplinada pelos órgãos competentes; IV - deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas; V - deverão atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas. (BRASIL. Lei 9.613 de 3 de março de 1998, loc. cit.)

102 Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º: I - dispensarão especial atenção às operações que, nos

termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se II - deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização: a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e b) das operações referidas no inciso I; III - deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II. § 3º O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9º. (BRASIL. Lei 9.613 de 3 de março de 1998. loc. cit.)

automáticas” e “Comunicação de operações suspeitas”.

Saavedra103, aduz que a Lei nº 12.683/12 ampliou o rol de deveres

relacionados ao Compliance, impondo, também, a partir da nova redação, a obrigação expressa de se ter um programa de Compliance, conforme os incisos III e IV do art. 10104. O inciso III estabelece que as pessoas físicas e jurídicas elencadas

no art. 9º deverão adotar procedimentos, políticas e controles internos compatíveis com seu volume e porte de operações, enquanto o inciso IV obriga o cadastro e a manutenção de cadastros atualizados frente aos órgãos reguladores ou fiscalizadores da atividade desenvolvida ou, na ausência desses, no COAF.

Em defesa da obrigatoriedade da instituição de um programa de Compliance, reivindicado pela nova redação da lei de lavagem de capitais, Saavedra pontua que a lei expressamente impõe as pessoas físicas e jurídicas estabelecidas no art. 9º a criação de um sistema de comunicação de operações tidas como suspeitas. Lançando mão da transcrição do art. 11105 em seu inciso II, parte do inciso III e do §

3º da lei, o autor defende que as comunicações reivindicam a adoção de um programa de Compliance106.

Com a devida venha convém discordar, porquanto não há na lei a obrigatoriedade da adoção de programas de Compliance por toda pessoa física e jurídica. Como já defendido supra, a noção de programa está atrelada a complexidade da organização. O próprio artigo já revela a possibilidade de, a depender da complexidade da atividade, ser possível a adoção de procedimentos, políticas ou controles internos. O ato de informar as autoridades uma transação tida

103 SAAVEDRA, G. A. Compliance na nova lei de lavagem de dinheiro. Revista Síntese – Direito

Penal e Processual Penal, Ano XIII, n 75, ago./set, 2012. p. 26

104Art. 10 [...]III - deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu

porte e volume de operações, que lhes permitam atender ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma disciplinada pelos órgãos competentes; IV - deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas; (BRASIL. Lei 9.613 de 3 de março

de 1998, loc. cit.)

105 Art. 11 [...] II - deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer

pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização: a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e b) das operações referidas no inciso I; III - deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II. [...]§ 3o O Coaf disponibilizará

as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9o. (BRASIL. Lei 9.613 de 3 de março

de 1998, op. cit. loc.)

como suspeita, ex. vi., salvo melhor juízo, denota um procedimento que não demanda a instituição de um prévio programa de Compliance para tal. Basta apenas que se cumpra um dever estabelecido em lei.

De acordo com o grau de subjetividade dos deveres estabelecidos às pessoas físicas e para uma maior clareza na abordagem, premente separar as o deveres que reivindicam aferição de suspeição das operações das demais obrigações. Após tais análises, serão aclarados os termos sobre a abstenção e recusa de proceder com operações configuradas como lavagem e se tais práticas se afiguram deveres de Compliance constantes na lei.

2.3.1.1 Dever de informação, registro de operações, cadastro de clientes e comunicação de operações automáticas

As obrigações de prestar informações quando solicitado pelas autoridades administrativas, registrar operações, cadastrar clientes e a comunicação de operações automáticas são deveres constantes na lei e nos regramentos dos órgãos reguladores que gozam de considerável grau de precisão, restringindo o e espectro interpretativo. São, portanto, obrigações expressas, informando a forma e o prazo como devem se proceder.

O dever de identificação, constante no art. 10, I da lei de lavagem de dinheiro e demais regramentos emitidos pelo COAF e pelos órgãos reguladores da atividade, e a manutenção adequada de informações fazem parte do chamado Know your Client que, nas pontuações de Bottini e Badaró107, configuram a coluna vertebral do

sistema de prevenção da lavagem de dinheiro.

O dever de registro, por seu turno, estabelecido no art. 10, II estabelece a necessidade de registro das operações e propostas de operações realizadas. Conforme Luz108, o registro não é obrigatório para todas as operações, variando de

acordo com as atividades exercidas, basicamente, “exige-se valor bruto, forma de pagamento, recibo de quitação, identificação das situações de pagamento em

107 BOTTINI, P. C.; BADARÓ, G. H. Lavagem de Dinheiro. Aspectos Penais e processuais

Penais. Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016. p. 64.

espécie”. A autora elenca ainda o dever de conservação, art. 10 § 2º, que consiste na conservação dos documentos que comprovem o cumprimento dos deveres, dever de sigilo, art. 10, V, que se externa pela ausência de informação ao cliente sobre a comunicação das operações ao COAF, e dever de colaboração que consiste no atendimento às recomendações do COAF por parte do sujeito obrigado.

Quanto as comunicações de operações automáticas, são as realizadas “sem análise de mérito, em razão de valores ou situações previamente definidas nas normas emitidas pelos órgãos reguladores”109.

Se vê em todos os procedimentos elencados a clareza quanto a forma e o tempo de cumprimento das obrigações. Em exemplo de clareza, a Resolução 23110

do COAF estabelece obrigações de Compliance às pessoas que comercializem joias, pedras e metais preciosos, e no art. 4º caput, que nas operações iguais ou acima de R$ 10.000,00 os clientes devem ser cadastrados e os cadastros mantidos por no mínimo 5 anos, nos moldes do art. 13 a Resolução.

No mesmo sentido o art. 9º determina que qualquer operação igual ou superior a R$ 30.000,00, seja em outra moeda, em espécie, ou através da negociação envolvendo bens móveis ou imóveis do mesmo cliente no período de seis meses devem ser automaticamente comunicadas. Salienta-se que há uma diretriz do COAF indicando que a comunicação deva ocorrer no prazo de 24 horas a contar da operação ou proposta de operação111.

2.3.1.2 Dever de comunicar ocorrência ou inocorrência de operações suspeitas, dever de exame e dever de diligência

O principal questionamento relativo aos deveres acima elencados é

109 BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Perguntas

Frequentes. Disponível em:< http://www.coaf.fazenda.gov.br/backup/Pessoas_Obrigadas/perguntas-

e-respostas> Acesso em: 25 dez. 2017

110 BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Resolução n°

23, de 20 de dezembro de 2012. Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas pessoas

físicas ou jurídicas que comercializam joias, pedras e metais preciosos, na forma do § 1º do art. 14 da Lei nº 9.613, de 1998. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/legislacao-e-normas/normas-do-coaf/coaf-resolucao-no-23-de- 20-de-dezembro-de-2012-esta-resolucao-entra-em-vigor-em-1.6.2013> Acesso em 25 dez. 2017.

111 Cf. BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Perguntas

Frequentes. op. cit. loc. Cf. Lei 9.613/98 em seu art. 11, II. (BRASIL. Lei 9.613 de 3 de março de 1998, op. cit. loc)

extremamente interessante ao trabalho em curso diz respeito à obrigatoriedade de prestar informações às autoridades e órgãos competentes sobre as operações suspeitas efetuadas pelos setores obrigados, bem como a adoção de posturas investigativas que eventualmente possam extrapolar a esfera de atribuição do profissional de área sensível à lavagem de dinheiro para a constatação de tais operações.

O dever de diligência e de exame configuram as medidas a serem adotadas pelo profissional que, por vezes, lhes conferem um caráter de polícia investigativa. Sobre o dever de diligência, consiste em buscar de forma aprofundada conhecer os aspectos negociais e pessoais do cliente, obtendo “não só o conhecimento do seus negócios em geral, mas também os limites deste. 112 O dever de exame, por seu

turno, consiste na análise da suspeição da operação ou movimentação realizada, com base em indícios da ocorrência de crimes de lavagem113.

Após envidar esforços para identificar a procedência dos valores e a natureza da operação, o profissional, tendo atestado suspeição, deverá informar ao COAF e, em caso de inocorrência de operações suspeitas, nos moldes estabelecidos, também proceder com a comunicação. É o que se detrai do texto colacionado, in verbis:

Os deveres de informação previstos na Lei de Lavagem brasileira se referem a situações supostamente anormais e à confirmação da normalidade. Constatada uma situação supostamente anormal – caracterizada como aquelas previstas objetivamente pelas normas vigentes para o setor específico – há o dever de comunicar ao Coaf, mesmo que exista órgão regulatório para o setor (art. 11, II). Mas a lei avança e exige que as entidades e pessoas dos setores sensíveis “deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II”. [...] não só deverá comunicar ao Coaf as operações suspeitas, como deverá avisar regularmente ao seu órgão regulador – ou ao próprio Coaf na ausência deste – a “não ocorrência” de atividades anormais ou atípicas.

Segundo o COAF a “Comunicação de Operações suspeitas” devem ser realizadas levando-se em conta “as partes envolvidas, valores, modo de realização,

112 LIMA, C. F. O Sistema nacional antilavagem de dinheiro: As obrigações de Compliance. In: CARLI,

C. V. (Org.). Lavagem de dinheiro. Prevenção e controle penal. 2ª ed. Porto Alegre: Verbo