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Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e abrangência do termo de compromisso

CAPÍTULO II. INQUÉRITO CIVIL

3.5. Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e abrangência do termo de compromisso

Os interesses ou direitos difusos são “os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (Lei 8.078/90, artigo 81, inciso III).

Por oportuno, os interesses ou direitos coletivos são “os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação-jurídica base” (Lei 8.078/90, artigo 81, inciso II).

Com efeito, não há dúvida a respeito da legitimidade do Ministério Público para a tutela dos direitos difusos e coletivos.

Neste sentido, preleciona José dos Santos Carvalho Filho 96:

“A figura do interesse sempre foi distinta da noção de direito, tendo aquela sentido mais amplo que o desta. CARNELUTTI associava a noção de interesse à de necessidade dos indivíduos, de modo a caracterizá-lo como uma posição do homem favorável à satisfação de uma necessidade97. Nem todo interesse, porém, recebe a proteção jurídica e, sendo assim, não enseja a possibilidade de qualquer mecanismo para sua satisfação. O interesse a que a ordem jurídica confere elementos de proteção é o interesse jurídico. Somente quando o indivíduo for titular desse interesse é que poderá socorrer-se dos instrumentos que a lei põe a seu alcance para que seja ele satisfeito.

O direito subjetivo, ao contrário, sempre merece a tutela do ordenamento jurídico. A despeito das diversas correntes que procuram identificar o direito subjetivo (e alguns autores até o negam, como é o caso de DUGUIT E KELSEN), pode dizer-se que tem sido acolhida a noção de

96CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 27-28.

97CARNELUTTI, Sistema de Derecho Procesal Civil, p. 11 apud CARVALHO FILHO, José dos Santos. op.

que resulta ele de dois fatores: o poder da vontade e a proteção do direito objetivo. Simples e correta, portanto, a definição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, para que se pode conceituar o direito subjetivo

como todo poder da vontade dos particulares, reconhecido ou outorgado pelo ordenamento jurídico98.

A conclusão é, portanto, a de que o interesse jurídico se configura como o

núcleo do direito subjetivo99, com o que não se pode conceber qualquer tipo de proteção que não seja a voltada para os interesses jurídicos, que figuram no centro dos direitos subjetivos.

Desse modo, em que pese a divulgação da expressão interesses difusos e coletivos não só na doutrina, como até mesmo no texto constitucional, a idéia que encerra há de ser a de interesses juridicamente protegidos, vale dizer, interesses necessariamente integrantes do círculo relativo aos direitos subjetivos. Quando se fala, pois, em interesses difusos ou coletivos, dever-se-á conceber a noção de que se tratam de direitos

difusos ou coletivos”.

E acrescenta100:

“Os interesses difusos, por outro lado, eram caracterizados como aqueles que, não tendo vínculos de agregação suficientes para sua

institucionalização perante outras entidades ou órgãos representativos, estariam em estado fluido, e dispersos pela sociedade

civil como um todo. Nesse grupamento, os indivíduos são

indeterminados exatamente porque é impossível destacar cada

integrante, isoladamente do grupo que integra”.

Já, quanto aos interesses coletivos, o mesmo autor101 leciona: “os indivíduos, nessa categoria, não precisam ser determinados, mas são determináveis”.

Por sua vez, os interesses ou direitos individuais homogêneos são assim entendidos como os decorrentes de origem comum (inciso III do artigo 81 da Lei 8.078/90).

Ronaldo Lima dos Santos102 define-os como “aqueles interesses individuais de pessoas determinadas, comumente disponíveis e de fruição singular, mas decorrentes de uma origem comum, que lhes concede homogeneidade e possibilita o seu tratamento conjunto e uniforme, sem que, por tal fato, percam a nota da sua individualidade”.

98MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, vol. I, 1977, p. 7 apud CARVALHO FILHO,

José dos Santos. op. cit.

99PÉRICLES PRADE, Conceito de Interesses Difusos, 1987, p. 19 apud CARVALHO FILHO, José dos

Santos. op. cit.

100CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 29. 101Id., loc. cit.

102SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição coletiva e tutela dos

Há controvérsia a respeito da amplitude da legitimação do Ministério Público do Trabalho quanto à tutela dos interesses individuais homogêneos.

O artigo 127 da Constituição Federal atribui ao “Parquet” a função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A discussão jurídica travada tem por fundamento a característica da transindividualidade dos difusos e coletivos, ao passo que os direitos individuais homogêneos não possuem esta natureza.

A mesma problemática abrange, de igual maneira, os direitos tuteláveis através do termo de compromisso de ajustamento de conduta.

Neste sentido103:

“A expressão “individuais indisponíveis” levou parte da doutrina a considerar o Ministério Público do Trabalho parte ilegítima para a tutela dos interesses individuais homogêneos, por estes serem, em sua essência, disponíveis.

No entanto, o suposto óbice legislativo restou superado pela doutrina, em face das seguintes considerações: a) o conceito de interesses individuais homogêneos somente foi introduzido na legislação brasileira com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, de tal modo que o legislador constituinte não poderia mesmo incluí-los no rol do artigo 129 da CF/88; b) o princípio da máxima efetividade exige que seja dada interpretação ampla ao vocábulo “coletivos”, previsto no inciso III do artigo 129, para que sejam abrangidos os interesses individuais homogêneos; c) o rol do artigo 129 é taxativo, sendo complementado pelo preceito do inciso IX do artigo 129 da CF/88 que prescreve ao Ministério Público o exercício de “outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade”; de modo que tanto o Código de Defesa do Consumidor (inciso III do artigo 81), quanto a lei Orgânica do Ministério Público da União (LC n. 75/93), que, em seu artigo 6º, atribui ao Ministério Público a tutela de “outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos, preenchem o espaço deixado à legislação infraconstitucional pelo legislador constituinte”.

É importante mencionar os seguintes fundamentos normativos em prol da tutela dos direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público do Trabalho, a saber: artigos 127 caput, 129, III e IX e 128, todos da Constituição Federal, 91 e 92 do Código de Defesa do Consumidor, 6º, inciso VII, “d” e inciso XII da LC n. 75/93 e 5º, caput e §3º e 6º da Lei

103SANTOS, Ronaldo Lima dos. Legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a tutela dos direitos

individuais homogêneos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO TRABALHO, 44. Jornal do

7347/85 e art. 82, I, da Lei 8.078/90.

Doutrinariamente, existem três correntes a respeito da tutela coletiva de direitos ou interesses individuais homogêneos pelo Ministério Público e que são aplicáveis, de igual maneira, aos direitos que podem ser estipulados através das cláusulas do termo de compromisso de ajustamento de conduta na esfera extrajudicial:

A primeira defende a total impossibilidade, eis que o artigo 127, caput da Constituição Federal apenas autoriza a tutela dos interesses sociais e individuais indisponíveis, colidindo, frontalmente, com a natureza disponível dos direitos individuais homogêneos.

A segunda sustenta a possibilidade, com restrições, apenas para interesses individuais que tenham repercussão social pela natureza da lide ou número de titulares (artigo 127, caput da Constituição Federal e Súmula 07 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo).

A terceira e última vertente permite a ampla possibilidade, eis que normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse social, portanto, em conformidade com a finalidade institucional do Ministério Público, a quem incumbe a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores.

A jurisprudência, contudo, vem pacificando a questão no sentido de admitir a defesa dos interesses individuais homogêneos pelo Ministério Público do Trabalho (aí incluída a solução extrajudicial mediante estipulação de cláusulas previstas no termo de compromisso de ajustamento de conduta).

É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) 104 já reconheceu a legitimidade do Ministério Público para a tutela de direitos individuais homogêneos, decidindo, de igual maneira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)105 e o Tribunal Superior do Trabalho (TST)106.

104(STF- 2ª T. - RE-472489 – Rel. Min. Celso de Mello, j. 29.04.2008, DJ 29.08.2008 – p. 811).

(STF – 2ª T. - RE 470135 AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso - j. 22.05.2007 - DJ 29.06.2007 – p. 138). (STF – 2ª T. - RE 394180 AgR-ED - Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.05.2005 - DJ 24.06.2005 – p. 70). (STF – 2ª T. - RE 394180 AgR – Rel. Min. Ellen Gracie, j. 23.11.2004, DJ 10.12.2004 – p. 47).

105(STJ – 3ª T., Resp635807/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05.05.2005, DJ 20.06.2005, p. 277).

(STJ – 4ª T., AgRg no Ag 253686 / SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 11.04.2000, DJ 05.06.2000, p. 176).

(STJ, REsp 417804/PR, 1ª T., j. 19.04/.005, DJ 16/05/2005 p. 230).

106(TST-RR-689.716/2000-5 – Ac. 4ª T. - 5ªReg. - Rel. Min. Milton de Moura França. DJU, 16.04.2004).

(TST-RR-810597/2001.0 – Ac. 5ª T – 7ª Reg. - Rel. Juiz João Carlos Ribeiro de Souza;. DJU 12.12.2003). (TST-RR-724248/2001.9 – (Ac. 1ª T.) - 15ª Reg. - Re. Juiz Aloysio Correa da Veiga. DJU 14.02.2003).

Com efeito, vislumbra-se que a expressão “direitos indisponíveis” anteriormente utilizada como critério diferenciador a fundamentar a legitimidade para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos foi substituída pelo critério da “relevância social” prevista pela Súmula 07 do Ministério Público do Estado de São Paulo que, na prática, funcionou como divisor de águas entre os entendimentos adotados, conforme se transcreve:

“O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária.”.

Na seara trabalhista, citam-se alguns exemplos práticos de defesa da tutela dos direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público do Trabalho: a) pagamento das verbas rescisórias à coletividade de trabalhadores dispensados sem justa causa e quitação das verbas devidas no prazo previsto pelo artigo 477, § 8º da CLT; b) reintegração de trabalhadores cipeiros ou dirigentes sindicais dispensados no período de garantia de emprego; c) reversão do ato de suspensão disciplinar de trabalhadores como represália à greve julgada não abusiva; d) atos que impeçam ou inibam a redução salarial sem negociação coletiva com o sindicato ou a prática de descontos indevidos a título de contribuições sindicais; e) abstenção da prática do ato que suspende o pagamento de adicional de insalubridade ou periculosidade aos trabalhadores; f) anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), dentre outros. Tais interesses poderão, inclusive, ser tutelados através de cláusulas previstas no termo de compromisso de ajustamento de conduta.

Na esfera do Ministério Público do Trabalho, cita-se o Precedente 17107 do Conselho Superior da Instituição que estipula, como critério para arquivamento da denúncia, a significativa repercussão social da lesão:

“VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS –

ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – DISCRICIONARIEDADE DO PROCURADOR OFICIANTE.

Mantém-se, por despacho, o arquivamento da Representação quando a repercussão social da lesão não for significativamente suficiente para caracterizar uma conduta com conseqüências que reclamem a atuação do Ministério Público do Trabalho em defesa de direitos individuais homogêneos. A atuação do Ministério Público deve ser orientada pela “conveniência social”. Ressalvados os casos de defesa judicial dos direitos e interesses de incapazes e população indígena.” (Grifos apostos).

Assim, demonstrada a divergência a respeito da matéria em tela, por tudo quanto exposto, conclui-se que o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, seja através da celebração de termo de compromisso de ajustamento de conduta, ou, então, por intermédio da tutela judicial coletiva, com base nos artigos 127 caput, 129, III e IX e 128, todos da Constituição Federal, 91 e 92 do Código de Defesa do Consumidor, 6º, inciso VII, “d” e inciso XII da LC n. 75/93 e 5º(caput) e §3º e 6º da Lei 7347/85 e art. 82, I, da Lei 8.078/90. Relativamente aos interesses individuais homogêneos, deve-se analisar a origem comum, bem como a repercussão social da lesão de forma a pautar-se pelo critério da “conveniência social”.

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