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O diretor de escolas: sua origem e seu papel na Escola de Educação

2. O DIRETOR DE ESCOLAS E A AVALIAÇÃO EM SEUS TRÊS NÍVEIS

2.1 O diretor de escolas: sua origem e seu papel na Escola de Educação

Neste tópico optei por buscar respostas às seguintes questões para melhor delimitar esta breve trajetória: Quando surgiu o diretor de escolas? Qual sua função e desafios? Qual a relação entre o papel do diretor e a avaliação na escola?

Conforme Santos (2002, p. 63), foi o Decreto Federal n.º 1.331–A, de 17 de janeiro de 1854, que criou nas escolas primárias particulares de São Paulo o cargo de diretor escolar: “[...] As primeiras indicações do cargo no ensino público estadual ocorreram nas escolas de aplicação (escolas-modelo que funcionavam como laboratório para as Escolas Normais), por força do Decreto Estadual n.° 27, de 12 de março de 1890”. Desde então, a função do diretor de escola foi preenchida das formas mais variadas. E, ainda, acrescentou Santos (2002, p. 75):

A exigência de formação do administrador escolar para todos os níveis em cursos superiores surge com a Lei Federal n°. 5540, de 28/11/1968, regulamentada pelo Conselho Federal de Educação (Resolução nº 02/69). Em São Paulo, o primeiro concurso de títulos e provas exigindo formação no curso de Pedagogia e habilitação em Administração Escolar ocorreu apenas em 1978 (SANTOS, 2002, p.75).

Embora não seja nosso objetivo discutir a forma pela qual são colocados no cargo os diretores de escolas, cumpre lembrar que é cultural no cenário brasileiro a indicação política. Mesmo havendo formas mistas como as que envolvem concurso, eleição ou a junção delas prevalece nos Estados brasileiros a indicação para esse cargo (MENDONÇA, 2000). Neste

estudo destaco que, no caso do Distrito Federal, a permanência do diretor no cargo depende do que produziu a avaliação de larga escala. Foi por meio da Lei da Gestão Compartilhada, Lei n.º 4.036/2007, que se vincularam aos índices e aos resultados de exames internos e externos os indicadores da qualidade da gestão da escola pública na SEDF, entre os quais foram citados os resultados do SAEB, IDEB e o recém-criado SIADE, sistema de avaliação local.

A LDB n.º 9.394/96 não determina que, para atuar como diretor escolar, este precise portar o diploma de licenciatura em Pedagogia/Administração Escolar ou ter especialização. Diz apenas como deve ocorrer a formação desses profissionais. Vejamos o art. 64:

Art. 64 A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida nesta formação a base comum nacional.

Em face dessa fluidez na legislação (CARNEIRO, 2001), igualmente se pode dizer da Lei da Gestão Compartilhada do Distrito Federal (Lei n.º 4.036/2007) que, em seu art. 6º, III, exige licenciatura (em qualquer área do conhecimento) para concorrer ao cargo de diretor:

Art. 6º - Poderão inscrever-se no processo seletivo para os cargos de diretor e de vice- diretor servidores com carga horária de 40 (quarenta) horas semanais e que atendam, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I - pertencer ao Quadro de Pessoal do Distrito Federal, integrante da Carreira Magistério Público do Distrito Federal, com lotação na Secretaria de Estado de Educação, ou integrar o Quadro de Pessoal Inativo da Carreira Magistério Público do Distrito Federal, exceto se aposentado compulsoriamente ou por invalidez permanente;

II - ter, no mínimo, 3 (três) anos, em períodos contínuos ou alternados, computados em regência de classe, coordenação pedagógica, cargo de diretor, de vice-diretor ou de assistente, atividade de orientação educacional em instituição educacional da rede pública do Distrito Federal;

III - ser licenciado em qualquer área de conhecimento, preferencialmente com especialização ou aperfeiçoamento em Gestão da Escola Pública;

IV - não ter sido apenado em processo administrativo disciplinar nos 3 (três) anos anteriores à data da indicação para o cargo. (Grifou-se)

Trazer à baila essa discussão sobre a formação do diretor é elemento crucial para esta investigação. Desde a construção de nossa questão norteadora, a pesquisa foi realizada em uma escola de anos finais do ensino fundamental onde sabemos que a maioria dos professores advém das licenciaturas específicas. Esses cursos oferecem uma frágil formação pedagógica. Neles pouco se estuda sobre a avaliação em quaisquer de seus níveis.

A Lei n.º 4.036/2007 (Lei da Gestão Compartilhada no Distrito Federal) reúne diversas intenções em um mesmo documento. É norma para seleção dos candidatos ao cargo de diretor e

vice-diretor, política pública de gestão e avaliação da educação básica e procura garantir a autonomia da escola com a descentralização dos recursos financeiros para a instituição (art. 2, I- VI). Ainda sob o mesmo manto, vincula a permanência do diretor no cargo à avaliação de desempenho da escola e dos estudantes (art. 18, § 4º). Por causa disto, convém retomar o item da formação desse diretor de escolas, lembrando que a relação existente entre ela e a educação deverá ser de uma construção e buscas constantes, pois no exercício cotidiano é que se fará presente a forma mais ou menos competente de se lidar com os desafios que surgirão em decorrência das demandas antigas e das que surgem no cotidiano escolar.

Considero a formação inicial do diretor de escolas um norte, uma referência que pode até ser questionada, mas não pode ser desprezada, porque nos remeteria a um jogo perigoso nada edificante, como, por exemplo, defender sua não necessidade. Com isso, iríamos entrar em um campo ideológico arriscado ao afirmar que não precisaria de certificação ou formação para o exercício dessa função. Abriríamos um lastro para suspeitar de outras profissões nessa sociedade que tem primado por economizar elementos prioritários em favor de elementos secundários ou mesmo ilógicos por questões meramente mercadológicas.

Heloisa Lück (2000) faz importante alerta ao nos lembrar que recaiu sobre o dirigente escolar parte do fenômeno da evasão. Isso ocorreu em face de tentativas desenfreadas de manter a homogeneidade da clientela escolar e, nesses casos, o poder de decisão estava nas mãos de diretores burocratizados e comprometidos em abafar tensões, contradições e conflitos para os quais não estavam preparados. Ela ainda acrescenta: “Os gestores educacionais devem conscientizar-se de que seu papel na escola de hoje é muito mais de um líder que de um burocrata” (LÜCK, 2000, p. 21). Trazendo-o para o campo da avaliação e dependendo do sentido que ele possa atribuir a esse terreno, podemos obter resultados danosos, principalmente se ele for um defensor do caráter classificatório. Afinal é este mais comumente utilizado nas diversas práticas avaliativas. Diante de atuações como esta não seria rara a produção de fracassos, o empobrecimento das aprendizagens e a indução dos professores a práticas cada vez mais atrasadas. Com isso os estudantes conceberiam, não raro, uma visão reducionista e utilitarista do que seria aprender e conhecer (PERRENOUD, 1999), e os profissionais da educação, uma visão distorcida do que é ensinar. Tal visão seria ancorada na possibilidade de haver ensino sem aprendizagem, a mesma que permeou muitas vezes a prática tradicional da escola excludente e autoritária.

Quanto ao papel do diretor, é preciso que se entenda, inclusive ele, que é o representante maior da atividade-meio (a gestão), ou seja, aquela que deve oferecer sustentação à atividade-fim (ensino e aprendizagem), sem a qual não seria possível garantir o acesso de todos às aprendizagens na escola. Santos (2002, p. 75), de forma enfática, acrescenta: “O diretor não pode continuar como office boy do sistema, um mero executor passivo de ordens e regulamentos gerais, abstratos, que não se aplicam por mais que tente, à realidade onde trabalha (...)”. Sua tarefa pressupõe a de um competente líder que não descuida da organização do trabalho pedagógico com vistas à condução de uma escola ao nível da boa qualidade.

A esse respeito, Alonso (1988), Bordignon (1996), Teixeira e Porto (1999), Santos (2002) e Luckesi (2010) tecem considerações parecidas e importantes, porque também retiram o diretor escolar da dimensão tecnicista, burocratizada e reducionista para inseri-lo numa perspectiva dinâmica do processo e nas relações dentro e fora da escola, considerando-o um articulador do trabalho pedagógico preocupado com as aprendizagens, que é a função social da escola.

Por ser a escola pública constitucionalmente comprometida com a gestão democrática (C.F. 1988; LDB 9.394/96), a avaliação que defendo e compreendo justa para os estudantes é também a que mais nos desafia: a avaliação formativa. Trata-se de uma avaliação repleta de intenções inclusivas, permeada por relações e processos subjetivos que ocorrem em sua maioria, no interior da sala de aula, dos quais o diretor precisa inteirar-se. Quer dizer que, mesmo sendo tarefa do professor, a avaliação na sala de aula não exime o diretor de estudar e planejar com os docentes os processos avaliativos porque isso também diz respeito ao projeto político-pedagógico da escola.

Ao atuar na direção e ou administração de uma escola, na qual estão presentes a educação e o fenômeno educativo, o diretor traz consigo certos elementos da cultura administrativa que precisam ser repensados porque se trata agora de outro tipo de organização. Paro (1993) nos alertou quanto ao fato de possuir a escola um caráter diferente das empresas, por não se vincular ao modelo capitalista de produção. Vejamos nas palavras do próprio autor:

À diferença das empresas em geral, que visam à produção de um bem material tangível ou de um serviço determinado, imediatamente identificáveis e facilmente avaliáveis, a escola visa a fins de difícil identificação e mensuração, quer devido ao seu caráter, de certa forma, abstrato, quer em razão do envolvimento inevitável de juízos de valor em sua avaliação (PARO, 1993, p.126).

Nessa perspectiva, não há como negar que, ao desconsiderar a especificidade da escola e de seus processos, implica um desvirtuamento e até mesmo uma agressão ao cumprimento de sua função social. Sendo assim, a gestão da escola, cujo diretor desempenha papel central, ao negar ou desconhecer o caráter de exploração do trabalho pelo capital como estratégia administrativa, atua sob a ótica da contradição; afinal, desempenha o papel político de mediador dessa mesma exploração (PARO, 1993). Nesse caso, a avaliação torna-se o elemento de justificativa dessas práticas mercantis de exploração por meio de seu poder de credenciar ou descredenciar, ou, como disseram Freitas et al. (2009, p.07), “abre portas ou as fecha”.

Convidar o diretor da escola para dialogar com os níveis e funções da avaliação sugere não apenas modificar a intenção de outro perfil de diretor de escolas, mas apresentá-lo a outra lógica capaz de repensar a organização do trabalho pedagógico. A pessoa do diretor de escolas, na prática, sempre esteve vinculada à burocracia e ao modelo tradicional da administração (PARO, 1993). Em outra percepção, convido a colocar as aprendizagens com a devida centralidade que o processo pedagógico requer. Na pauta da demanda pedagógica que se vincula à atividade-fim da instituição e que se reflete nas aprendizagens dos alunos até soa estranho reclamar sua presença, mas ela não é comum na agenda de muitos desses diretores. Surge dessa constatação a necessidade de pensarmos por meio da formação desse profissional outra concepção de diretor para as escolas, em especial a pública.

Frente às exigências trazidas pela agenda da avaliação apresentada por governantes, nem sempre atentos aos processos educacionais formativos, se faz necessário preparar o diretor da escola para que, quando preciso, caminhe na contramão de certas lógicas (FREITAS et al., 2009). Caso não se atente a este fato, ele poderá estar a serviço da exclusão e da evasão escolar mesmo que esteja cumprindo ordens de seu “chefe imediato”. O que Freitas et al. (2009) apontam é que sua vinculação frente a esses movimentos pode conduzir o coletivo da escola em direção a uma de duas lógicas: aquela que prima pela autonomia, emancipação e distribuição igual das aprendizagens ou a outra, que opta pela exclusão, elitização e segregação dos direitos básicos da cidadania. Esta última nem sempre é declarada, mas praticada no interior das escolas.

O alerta que faço em relação à transposição de modelos empresariais quanto ao estilo da gestão para a escola e a educação reside no produto ou na atividade-fim dessa instituição. O processo/produto da educação se diferencia das demais organizações por diversos fatores, entre os quais destaco o fato da participação do próprio estudante que não é apenas um beneficiário, mas é parte do mesmo para o qual o serviço é prestado (PARO, 1993).

Quanto ao papel central do diretor de escolas, já sabemos que se destina, especificamente, a conduzir a escola e seu coletivo sob ideais democráticos que garantam uma formação cidadã. E não se contesta esta ideia. Agora, o desafio para realizar tamanha tarefa pode estar na concepção que ele tem sobre a avaliação em seus três níveis e na maneira pela qual as conduz. A avaliação que acontece ou aconteceu na sala de aula não foi realizada só nela, foi urdida em espaços cujo olhar desse novo diretor precisa alcançar. Para isso, ele deve envolver-se diretamente com questões da coordenação pedagógica, do conselho de classe e, sobretudo, precisa ser e estar atento sensivelmente ao que produz e reproduz o poder informal da avaliação dentro da organização escolar (FREITAS et al., 2009). A avaliação institucional precisa abrir os braços e, em cada “mão”, conduzir sob reflexões críticas as leituras sobre os dados advindos dos exames externos para que, em composição com as informações da avaliação da aprendizagem, possa promover uma identificação ou ressignificação dos mesmos, sem promover competições e exclusões.

Os desafios que cercam a atuação de um diretor de escolas são vários: do sistema que o compreende como peça ou elemento de sua extensão e com isso comete um conjunto de equívocos sob a forma de mandos e desmandos sobre esse profissional. Do outro lado, uma equipe de professores que ainda não compreendeu a função político-pedagógica desse novo diretor que precisa estar afinado com os espaços e momentos da organização do trabalho pedagógico na escola e, por fim, dos estudantes e de seus responsáveis que ainda o percebem como juiz para punir e tomar decisões, inclusive, acima das normas. Dessa forma, acreditam que esse diretor possa recriar ou derrubar as leis existentes.

Ao término deste item, considero que existem muitas lacunas sobre o papel e sentido social e profissional do diretor de escolas. Ele não tem par na escola. As estruturas do sistema escolar são, no caso brasileiro, verticalizadas e burocráticas. O diretor, por mais que procure socializar, compartilhar e democratizar o poder e os acessos, sozinho não será capaz de realizar

tão grande feito. A democracia não é a vontade de um, deve ser fruto da responsabilidade de todos. Ela, também, não se institui por decreto.

A seguir, discutirei a vinculação do diretor com a avaliação da aprendizagem, quase sempre entendida como responsabilidade única do professor.