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O estudo de caso do tipo etnográfico

3. A BÚSSOLA, A LENTE E A CAMINHADA: UM ESTUDO DE CASO DO TIPO

3.1 O estudo de caso do tipo etnográfico

Fazer escolhas é a ação, embora antecipada de reflexões, que mais define um pesquisador. Ao optar por um caminho metodológico, não se está decidindo por uma sentença, mas por um norte. A bússola, nesse sentido, surgiu com a elaboração da questão norteadora investigada e me acompanhou até as considerações finais, nas quais se destacaram os achados da pesquisa.

A escolha foi feita, este foi o caminho que melhor se adequou ao objeto desta investigação. Realizei um estudo de caso do tipo etnográfico e agora passo a esclarecê-lo. Inicialmente, cumpre lembrar que me apoiei em André (1995) para justificar tal escolha. Para essa autora, o estudo de caso pode surgir de uma indagação relacionada à prática profissional do pesquisador e, no caso, também serviu para aprofundar meus estudos do curso de mestrado em que o diretor de escola fora objeto, em 2004. Contudo, nesta investigação o foco foi a percepção desse diretor e suas decorrentes ações diante da avaliação em seus três níveis, em uma escola de anos finais do ensino fundamental.

Bassey (2003) defende a coerência da escolha por esse tipo de estudo para as situações em que se pretendeu compreender os julgamentos e decisões de práticos e ou gestores de políticas em seu lócus de atuação. A diretora da escola do Andor representou nesta investigação os dois papéis: o de gestor porque é a representante legal da escola e, ao mesmo tempo, o papel de prático quando tomava decisões rápidas em situações em que não era possível o adiamento.

André (2005) esclareceu que meu caminhar nesta pesquisa foi coerente com o estudo de caso do tipo etnográfico, por diversas razões. Uma delas é que no campo da educação é necessário que se façam adaptações baseadas no fazer dos antropólogos que são originalmente os etnógrafos. Para isso, é bastante razoável que o pesquisador entenda que não cumprirá com rigor todas as etapas da etnografia, mas as adaptará em face do campo educacional e escolar, como, de fato, precisei fazer nesta investigação. Utilizei nessa ótica o que André (2005, p. 25) define como “relativização”. Para a autora, outra característica que identifica este tipo de pesquisa reside em o investigador cumprir, em relação ao objeto estudado, os princípios do estranhamento e da observação participante. Durante a pesquisa percebi que ambos, estranhamento e observação participante, se fundiram e aconteceram praticamente ao mesmo tempo.

Quanto ao estranhamento, percebi que ele ocorria quando exigia que me distanciasse da situação investigada para apreender os modos de pensar, sentir e agir dos envolvidos com a pesquisa. Pude, com esforço significativo, compreender alguns valores inerentes às práticas dos que foram por mim observados. O fato de já haver assumido a função de diretor de escolas na mesma SEDF facilitou o entendimento de muitos processos da gestão da escola e dos outros setores dentro da rede. Todavia, neste caso, eu precisava pensar diferente. Diversas vezes procurava não pensar com minha lógica, mas realizar leitura da lógica utilizada pela diretora para interpretar seu entendimento diante das situações ali apresentadas. Nesse contexto se insere o pensamento de Madan Sarup (1986, p.33): “O etnógrafo não procura impor suas opiniões e categorias de experiência sobre os fenômenos que estuda”.

Quanto à observação participante, não se pode negar que aconteceu com cuidado porque promoveu por si mesma certo grau de envolvimento e interação com as situações analisadas e com as pessoas que fizeram parte do contexto. André (2005) afirma com propriedade que na observação participante, bastante utilizada nas etnografias, a situação observada é afetada pelo observador.

Apoiada em Spradley, a autora destaca a que se destina um estudo dessa natureza. Para essa estudiosa, a maior preocupação de uma investigação do tipo etnográfica deve ser com a compreensão dos significados atribuídos às ações, aos eventos e à própria realidade pelos sujeitos da pesquisa. O estudo de caso do tipo etnográfico para André (2005, p. 31) é o tipo de investigação em que os dados procuraram retratar “o dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecer natural”. Daí a importância de não omitir detalhes dos dados e dos relatos que representam o contexto da organização estudada. Nesse caso, eu me vali dos registros reflexivos (ZABALZA, 2004) produzidos pela diretora da escola; entretanto, fui percebendo que a realidade no contexto de uma organização deixa de ser um espaço criado apenas pela ótica particular de um indivíduo e compõe-se de interações com outros que constituem o mesmo grupo em movimento. Com tal constatação, comecei a ampliar a inserção de mais sujeitos na pesquisa para complementar os sentidos dados pela diretora da escola.

A opção por um estudo predominantemente qualitativo – e, nesse caso, sob a ótica de um membro da organização – não deixou de trazer à tona a angústia do recorte, do sentir-se superficial ou mesmo distante da realidade. A questão é que esta não é uma característica apenas desse tipo de investigação. Ancoro-me nas palavras de Bogdan e Biklen, para respaldar-me em meio à decisão:

A escolha de um determinado foco, seja ele um local na escola, um grupo em particular, ou qualquer outro aspecto, é sempre um acto artificial, uma vez que implica a fragmentação do todo onde ele está integrado. O investigador qualitativo tenta ter em consideração a relação desta parte com o todo, mas, pela necessidade de controlar a investigação, delimita a matéria de estudo. Apesar de o investigador tentar escolher uma peça que constitua, por si só, uma unidade, esta separação conduz sempre a alguma distorção (A parte escolhida é considerada pelos próprios participantes como distinta e, pelo observador, como tendo uma identidade própria) (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 91).

No caso, a parte escolhida foi a diretora de uma escola de anos finais do ensino fundamental. Seu pensar e seu agir frente ao movimento produzido pela avaliação em seus três níveis no interior da escola por ela conduzida foi meu foco. O todo, neste caso, pode ser entendido como o conjunto de todas as escolas e o total de diretores da rede de ensino do Distrito Federal que atuam em instituições de educação básica, oferecendo as mesmas etapas de ensino. Contudo, convém lembrar que a generalização não é o propósito científico de um estudo desta natureza (ANDRÉ, 2005; SILVERMAN 2009).

Na tentativa de aproximar-me da realidade e de reduzir as possibilidades de erros ou de apressadas conclusões, optei por um estudo de caso do tipo etnográfico pelos seguintes motivos: a possibilidade de conviver mais tempo com os interlocutores da pesquisa, a experiência e a convivência com a cultura e o clima organizacional da instituição, e a aproximação do grupo como elemento favorecedor do acesso às informações para análise. Com isso não me privei, inclusive, de participar de eventos sociais que ocorreram fora do âmbito escolar, tais como: convites para jantar, festas de aniversário, solidariedade em ocasião de falecimento de familiares de profissionais da escola, etc. A ideia foi a de tornar-me de fato um membro do grupo e não um corpo estranho. Em certa ocasião senti que isso já acontecia quando uma professora recém- contratada me perguntou qual seria o turno de regência que eu iria escolher para o ano seguinte.

O estudo de caso do tipo etnográfico requereu uma imersão maior no campo, mais tempo com os sujeitos, mais tempo para pensar. Também permitiu dar voz a eles – aliás, isso os tornava sujeitos da pesquisa. A lógica e as lógicas que operaram e compuseram a complexidade das práticas avaliativas dentro da escola foram captadas por meio da compreensão do pensamento dessas pessoas, em especial da diretora que conduzia o grupo. Marconi e Presotto (2006, p. 6) definem o etnógrafo como “o especialista dedicado ao conhecimento exaustivo da cultura material e imaterial dos grupos”. Além disso, André recomenda:

Para que seja reconhecido como um estudo de caso etnográfico é preciso, antes de tudo, que enfatize o conhecimento do singular e adicionalmente que preencha os requisitos da etnografia. Geralmente o caso se volta para uma instância em particular, seja uma pessoa, uma instituição, um programa inovador, um grupo social (ANDRÉ, 2005, p.24). Nesta pesquisa, os quesitos recomendados por André (2005) foram satisfeitos. O caso voltou-se inicialmente para a diretora da instituição. Em seguida, seu vínculo pelo cargo/função que ocupa abrangeu a escola. Com isso, foi possível chegar aos demais profissionais e pessoas com as quais interagia no interior da escola e ou fora dela, quando o tema se referia a avaliação.

A investigação mostrou ao longo do processo que era preciso recorrer a outros sujeitos para compreender a ótica e algumas ações da diretora da escola. Nessa ocasião, compreendi que suas percepções sobre os processos e procedimentos envolviam pessoas, uma cultura anterior à permanência dela na escola e os elementos da subjetividade que fugiam a minha percepção e a da própria diretora.

No projeto inicial planejei ficar todo o ano letivo de 2010 na escola, porém não foi suficiente. Voltei no ano seguinte (2011) e, por diversas vezes, ainda coletei dados quando então

a diretora produziu seu último registro reflexivo. Foi interessante o contato e o vínculo estabelecido com a instituição para a qual ofereço suporte pedagógico e acadêmico até hoje. Produzo textos para auxiliá-los nos estudos que realizam nas coordenações pedagógicas, auxilio quanto à interpretação de leis e pareceres que chegam à instituição. Atendo a professores e coordenadores quanto a questões relativas à avaliação em seus três níveis, etc .

A produção de textos para a escola foi de certa forma outro achado da pesquisa. A escola e os professores gostam de ler, mas preferem textos mais curtos e menos densos diante das demandas e do tempo de que dispõem.

Por fim, Gil (2009, p.7) orienta que o estudo de caso “Não pode, portanto, ser confundido com método, técnica, estratégia ou tática para coletar dados”. É um delineamento de pesquisa que preserva o caráter unitário pesquisado, ao passo que investiga um fenômeno contemporâneo, pois não se separa de seu contexto. É um estudo em profundidade que requer múltiplos procedimentos para a coleta de dados, o que não retira a importância do rigor (GIL, 2009, p. 7). A seguir, destaco os envolvidos com esta pesquisa.